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Lembrou-se, no dia 8/1/2024, uma data com duplo sentido. Em termos negativos, repudiou-se a intentona do ano passado, projetando a mesma postura em caso de futuras repetições. Mais notável, assertivamente, foi a celebração da vitória sobre a Janeirada, seja em defesa do resultado eleitoral, seja, em consequência, pela salvação do regime democrático e constitucional. Obviamente, os episódios golpistas foram frutos e sementes, a um só tempo, da polarização que assola o País desde a crise do capital em 2014-2015, passando pela destituição de Rousseff, até suas expressões mais agudas, cristalizadas na prisão de Lula e no bloqueio coercitivo à sua candidatura presidencial em 2018.

Entrementes, o idealismo crônico na sociedade política brasileira postula que o sectarismo deve ser creditado a meras volições: ódio e valores, invariavelmente por culpa de algum desafeto. A reação bolsonariana responsabiliza o “marxismo cultural”, cujo escopo seria destruir a cultura e as tradições, inclusive a propriedade, a família e as religiões, justificando assim a oposição completa e sem quartel ao Governo Central. Os segmentos hegemônicos na frente ampla retrucam, em contrapartida, que a extrema-direita é movida por autocratismo e negacionismo, também inserindo nas mentalidades a característica demiúrgica de gerar o fato político. São teses gêmeas, porém, com sinal contrário.

Embora guardando certas similaridades filosóficas, diferem ambas crucialmente ao abordarem o problema democrático. A regressão fascista evoca os pensamentos à esquerda para suprimir as conquistas inseridas na Constituição Federal e reimplantar o velho regime ditatorial-militar, embora a cara repaginada. Por seu turno, a resistência vem apoiando-se, majoritariamente – visando a vencer as conspirações putschistas – na ilusão de que a democracia teria uma natureza universal e abstrata. Eis uma distinção verídica, pois concreta. Chocam-se no patamar do real, encarnando a contradição principal da última década, a despeito mesmo das frágeis teorias que as formatam e que as defendem.

A surdez que manifestam perante a produção e reprodução da vida social, bem como as lutas entre as classes que brotam no metabolismo do capital e alicerçam ontologicamente a política, de modo nenhum impede a claridade solar que ilumina o contencioso. Minimizá-lo e até negá-lo como simples baderna sem objetivo, responsabilidade ou comando, é compreensível para os grupos ultraconservadores. Mas, quanto aos progressistas, patriotas e democratas, inobstante seus compromissos e origens sociais – mesmo considerando-se o direito a ilusões de todo naipe – não se deve admitir a vacilação acerca do continuum golpista como realidade que precisou e ainda necessita ser combatido.

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