Por Eron Almeida—

Toda menina baiana
Tem um santo que Deus dá
Toda menina baiana
Tem encantos que Deus dá

Toda menina baiana
Tem um jeito que Deus dá
Toda menina baiana
Tem defeitos também, que Deus dá
Que Deus deu, que Deus dá

Gilberto Gil – Toda menina baiana

No último dia 24 de setembro, ocorreu o evento que dá título a este artigo e, como é de praxe, o representante brasileiro fez o primeiro discurso. Lembremos que a Organização das Nações Unidas foi formada após a Segunda Guerra Mundial com o objetivo de evitar, por meio da diplomacia e diálogo, novos conflitos armados. Entretanto, o poder decisório é desigual, cabendo aos cinco membros fixos do Conselho de Segurança as decisões finais. China, Rússia, França, Reino Unido e EUA têm a prerrogativa do veto.

O presidente Lula discorreu sobre diferentes tópicos, dentre os quais, a Mudança Climática e suas consequências para as populações empobrecidas (fome e migração); o aumento da desigualdade econômica global e ganhos auferidos por bilionários; a concentração de poder nas mãos destes mesmos bilionários e a ingerência das Big Techs em assuntos de soberania nacional; o recrudescimento dos conflitos armados e a ineficiência da ONU em mediá-los. Em suma, um discurso soturno como cabe ao momento atual, bem diferente daquele proferido no ano de 2003, quando a esperança acabara de vencer o medo e Gilberto Gil, então ministro da Cultura, punha a Assembleia a dançar ao som da epígrafe acima e o secretário geral Kofi Annan a tocar atabaque no acompanhamento.

Mas o que aconteceu nesses 21 anos para gerar tamanha mudança de humor? Muita coisa: queda no preço das commodities, crise dos subprimes, catástrofes climáticas, advento das redes sociais, escândalos de espionagem (NSA), operações anticorrupção, golpes de Estado, pandemias e guerras. Não que vivêssemos em paz antes disso, havia guerras e conflitos, todos sanguinários. Basta lembrar que a invasão do Iraque teve início neste mesmo ano de 2003, apenas alguns meses antes da Assembleia dançar. O capital sempre lucrou com a carnificina humana e animal, a diferença agora é de volume, intensidade e quantidade.

Seriam o volume de poder bélico empregado, a intensidade de bombardeios e a quantidade de vítimas? Sim, mas não só. Poderíamos pensar também no volume de investimentos globais na maquinaria de guerra, na intensidade dos discursos pró-intervenção armada e na quantidade de lucros auferidos pelo complexo industrial militar.

O investimento mundial em armamentos atingiu a cifra de 2,4 TRILHÕES de dólares neste ano. Há tempos, os EUA pressionam os demais membros da Otan para que atinjam a meta de 2% de seus respectivos produtos nacionais com gastos militares. As cifras são enormes, basta lembrar que boa parte das principais economias mundiais compõem a dita organização. Imagino que os gastos chineses e russos devam seguir a mesma linha.

Após o 11 de setembro de 2001, o discurso intervencionista ganhou fôlego com a chamada Guerra ao Terror. Todos os poderes se beneficiaram com isso, por um lado Bush e seus aliados conservadores na invasão do Iraque e Afeganistão, por outro, Putin e sua ação na Chechênia. Ambas justificadas pelo medo ao terrorismo. A mesma empregada pelo Estado de Israel em sua ação genocida contra o povo palestino na Faixa de Gaza, mais de 40 mil mortes até o momento e se espraiando para o sul do Líbano, onde outros milhares de palestinos vivem como refugiados. Na Europa, o medo ao terrorismo incrementou a indisposição contra os migrantes e uma série de ações discriminatórias. No entanto, após a invasão russa do território ucraniano, a intensidade dos discursos pró-militarização e intervenção armada deu um salto. Para ficar em dois exemplos, o partido Verde alemão, pacifista na origem, foi o primeiro a defender a transferência de armamentos aos ucranianos e a Suécia, há séculos neutra em conflitos internacionais, correu para assinar sua filiação a Otan e incrementar seu poderio bélico.

Com isso tudo, a quantidade dividendos auferidos pela indústria armamentista está batendo recordes atrás de recordes, este ano, para ser ter uma ideia, o chamado “backlog” (pedidos ainda não entregues) subiu 11% em relação ao ano passado, o qual já havia subido em relação ao período anterior, e atingiu a marca de 750 BILHÕES de dólares. Ou seja, muito lucro com a desgraça alheia. Sendo importante frisar que os maiores exportadores de armas são os EUA, França e Rússia, esta perdendo o segundo posto para a França dado o embargo que sofre desde a intervenção na Ucrânia. Outros países em destaque na produção armamentista são China, Alemanha, Itália, Reino Unido, Espanha e Israel.

Tempos soturnos para os de baixo e de esplendor para os de cima, especialmente se possuírem jatos de guerra e drones. Como um camarada disse outro dia: A esperança bebeu o medo e acordou de ressaca.


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