Durante a semana, um bilionário norte-americano intrometeu-se na vida política e na Justiça brasileiras. Como se não bastasse, o fez de modo mentiroso, insultoso e provocador, particularizando as suas investidas sobre Alexandre de Moraes, a quem se referiu como “ditador” e acusou de colocar “o dedo na balança para eleger Lula”, e o primeiro mandatário brasileiro, a quem tentou apequenar como se o ministro-membro do STF o mantivesse preso “em uma coleira”. Lembre-se que o magnata sideral nasceu no território sul-africano e completou a juventude no Canadá, mas foi além da fronteira sul que terminou seus estudos, fixou residência, fez os negócios e adotou a cidadania estadunidense.

Tal senhor recebeu a pronta, entusiástica e reverente sustentação de fascistas retirados pelo sufrágio do Governo Federal em 2022, hoje inquilinos do Congresso Nacional, logo depois reforçada pelo governo Netanyahu. Seria muita ingenuidade interpretar ligações análogas como resultado espontâneo das convergências políticas momentâneas, que não poderiam ser alvos de lucubrações forçadas. No entanto, as relações mantidas entre as três partes são antigas e notórias – embora nem todas públicas –, ocorrendo no centro nevrálgico da constante articulação mantida pela extrema-direita internacional. Dois fatos, nada casuais, envolvem figuras típicas e oficiais de um governo e um partido.

Kats, chanceler israelense, afirmou em tom chulo: “Se alguém deveria ser bloqueado ou censurado […] deveria ser você, Lula”. Na véspera, Musk aparecera em live do fascista Nikolas Ferreira, para repetir os ataques ao STF. Aliás, se o assunto for peripécias mirabolantes, a suspeita recai sobre o dono do X, enfeitiçado pelas teorias da conspiração pitorescas e negacionistas, embora não raro funcionais para promover as suas reproduções metabólicas de capital, como extinção próxima da humanidade, bombardeio nuclear de Marte para torná-lo habitável, projeto colonizador poliplanetário, postagens antissemitas e notícia falsa que lhe trouxe processo na Comissão de Valores Mobiliários dos USA.

Seus pensamentos, condutas e gestos são referenciados pela frase inspirada em Asimov: “você precisa tentar o conjunto de ações que provavelmente prolongarão a civilização, minimizando a probabilidade de uma idade das trevas e, caso haja, reduzindo seu tamanho.” A monotemática da regressão e do fim catastrófico lhe permite alardear programas de salvação individualistas ou paroxísmicos – como herói do velho faroeste mimetizado nas sagas pós-modernas – e apontar o dedo para inimigos convenientes, personalizando cada um. Assim, busca pares ultrarreacionários, incluindo Milei, que lhe oferece préstimos na briga de Brasília, e bolsonaristas, que assumem um complexo de vira-latas.

O burguês monopolista-financeiro que fala sobre tudo e se mete no mundo inteiro – pontas cinematográficas, dancinhas comemorativas, drama da Caverna em Tham Luang, guerra na Ucrânia etc. –, vê-se movido pelo puro liberalismo, como se houvesse abstração autojustificativa tão absoluta. Reivindica-se até “socialista”; porém, trata-se mesmo é de procurar “o maior bem para todos” mediante a filantropia no ambiente mais “favorável”: a suma potência imperialista, que julga ser “o maior país de já existiu” e “a maior força do bem”. Igualmente, jacta-se de ser “meio democrata, meio republicano”, mas para manter a Casa Branca disponível. Ainda salomonicamente, financia os gastos eleitorais de ambos.

A sua retórica insatisfação com as máquinas públicas, reputadas como ciclópicas, e o seu discurso em favor do Estado mínimo se mostram – sintomática e constrangedoramente – arrefecidos em face das somas colossais que sempre recebeu de fontes governamentais. Embora exalte o “livre mercado”, foi assim que amealhou fortunas. Conforme o Los Angeles Times, a SpaceX, a SolarCity, a Tesla e os seus clientes ganharam cerca de U$5 bilhões com subsídios governamentais em 19 anos. Para tanto, seu dono reúne lobistas e conspira. Chegou a mancomunar contra Morales para controlar o lítio boliviano e declarou, sem qualquer laivo de vergonha: “daremos golpe em quem quisermos”

Com análogo currículo, a última coisa que o candidato a dono da imensidão cósmica e os seus acólitos internos pretendem – ao transgredirem a soberania e as leis do Brasil, bem como desrespeitarem órgãos e autoridades locais – é defender os direitos e o regime democrático. De fato, falam de uma liberdade à maneira de Nietzsche – acima da moral, da política, dos interesses nacionais e da plebe –, como se as dinheiramas e conexões por cima ditassem as normas, cabendo aos cidadãos a obediência. Urge que as irregularidades, com seus autores, sejam investigados. Concomitantemente, já é hora de concluir a regulação das redes sociais, para que deixem de ser o ponto cego dos crimes.

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