Por Artur Scavone*—

Eva Alterman Blay escreveu um artigo – postado no Jornal da USP e republicado no site A Terra é Redonda – afirmando que parte da esquerda odeia os judeus e que “ao se alinhar ao grupo terrorista Hamas, a esquerda abdicou de seus valores morais e intelectuais”.

Convenhamos, não é exatamente uma argumentação honesta acusar a esquerda de ter se alinhado ao Hamas. Falar em “parte da esquerda” é um recurso para evitar conflitos com alguns setores da esquerda. Mas a acusação é genérica, cabe para qualquer um que condene o governo de Israel de genocida. Tecendo um conjunto de citações diversas de fatos e declarações que mostram o profundo conflito que envolve o Oriente Médio e repercutem mundo afora, Blay considera que as declarações de ministros do governo de Israel chamando os palestinos de animais e algumas propondo a limpeza de Gaza são “frases infelizes de um membro do Gabinete israelense”. No entanto, aponta o dedo para políticos de esquerda de fazerem acusações e propostas “com frases que lembram a Inquisição e o nazismo”. Ou seja, as frases dos ministros de Israel são infelizes; a dos políticos de esquerda lembram o nazismo. Quantos pesos e quantas medidas estão nesse texto?

É preciso tirar a venda dos olhos. A Torá e o Holocausto não passam de um véu posto pelos atuais governantes de Israel, são usados através de uma leitura desonesta e instrumental para encobrir sua verdadeira razão de ser na contemporaneidade: Israel é uma base avançada militar atômica – não declarada – no Oriente Médio do império financeiro, industrial e militar norte americano para preservar o acesso deste ao petróleo e gás, elementos decisivos para a manutenção do dólar como moeda universal e manter seu poderio econômico. Sem meias palavras, num arroubo de sinceridade, Robert Kennedy Jr., candidato independente a presidente dos EUA, declarou que “Israel é a nossa fortaleza. É quase como ter um porta-aviões no Oriente Médio. (…) Se Israel desaparecer, os BRICS vão controlar 90% do petróleo do mundo e isso seria uma catástrofe para nossos interesses”. A Torá e o Alcorão também são instrumentalizados pelos sucessivos governos israelenses. Os pedidos de paz vindo de sionistas, mesmo daqueles que se pretendem bem intencionados, têm se mostrado tão somente mecanismos para ganhar tempo na implantação de mais colônias ilegais, mais violência contra o povo palestino que há 75 anos ouve falar de paz vivendo sob um inferno.

Não há santos na região, nem é santo o Hamas, nem é santo o governo de Israel. Santos são os homens, mulheres e crianças palestinos e judeus vítimas dos seguidos massacres decorrentes de o Estado sionista querer dominar a região na sua totalidade. Tanto é verdade que estas são as reais causas do conflito que alguns dos países de tradição islâmica não se alinham necessariamente e de fato ao Hamas ou à causa palestina. Ao contrário, em 2020 Israel normalizou as suas relações com os Emirados Árabes Unidos e o Bahrein, e reforçou os laços com o Marrocos e o Sudão. De outro lado, a Arábia Saudita estava em vias de se alinhar com Israel para estabelecer uma cooperação em matéria de segurança e de obter apoio para o seu programa nuclear, estes um dos possíveis motivos que levaram o Hamas à ação terrorista do 7 de outubro, entre outros como as décadas de infâmia contra os palestinos. Seguidores oportunistas do Alcorão e da Torá estão juntos quando está em questão o poderio econômico global.

Têm razão os judeus que acusam Benjamin Netanyahu de usar a Torá para seus fins políticos. O governo de Israel está conduzindo os judeus de Israel para um caldeirão de ódio cego com o objetivo nítido de expandir sua base territorial e ter uma força militar altamente treinada e permanentemente mobilizada à disposição do império para garantir seu poderio na região.

Fora o governo genocida de Benjamin Netanyahu!

*Artur Scavone é jornalista e mestre em filosofia pela USP.

Artigo publicado originalmente no site A Terra é Redonda.


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