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No direito imobiliário, denúncia vazia se refere à retomada pura e simples de um imóvel pelo proprietário-locador, sem qualquer justificação necessária de conteúdo, que pode ocorrer nas circunstâncias previstas pelas regras. Dallagnol, ex-deputado lavajatista, deseja levar o conceito ao âmbito político, locus em que parece manter-se na hipócrita condição de um estranho no próprio ninho. Em 18/12/2023, declarou no seu perfil do X que Lula, durante a posse de Gonet na PGR, teria dito que o MP deve “jogar o jogo da velha política brasileira”. Todavia, como noticiado com fartura, o presidente só rejeitou a tese grosseira de que “todo político é corrupto” e afirmou ser preciso “jogar o jogo da verdade”.

Claro, a verdade não é “jogo”, mas sim apropriação intelectual rigorosa da realidade. No entanto, não foi uma utilização desleixada e informal do verbo – como força utilitária da expressão – que incomodou a figura oposicionista sectária, mas o liame que o discurso estabeleceu da fiscalização da lei com a sinceridade, a boa-fé, a facticidade, a lisura e a fidedignidade. Semelhante mal-estar é o eco restante na memória do antigo justiceiro, espécie de lamento infindável pelo instrumento estatal perdido, que o assombra dia e noite nos corredores congressuais. Na sua irremediável cegueira, o parlamentar nem sequer percebe que o discurso que rebate poderá também garantir-lhe os futuros direitos.

Convém decompor as incongruências e pobrezas vocabulares do antigo persecutor interessado, que foca exclusivamente nos desafetos e poupa os aliados, mormente os bolsonaristas, contra quem jamais endereçou qualquer acusação. Começa quando contrapõe a verdade à norma. Será que o MP, quando “fiscaliza a lei”, não deve fazê-lo com veracidade, interpretando-as como de fato comandam, conforme o que seus textos expressam? Não se deve, ademais, prestar um tributo às provas, investigando-as com rigor e fidelidade, para estabelecer a denúncia com base na conduta tipificada como criminosa, em vez de seguir o voo subjetivo dos preconceitos e conspirações? Quem faz um “jogo”?

Como confundir o rechaço à frase “todo político é corrupto” com significações distintas por completo, conforme as quais o primeiro mandatário estaria convidando a instituição auxiliar da Justiça para fazer o “jogo da velha política brasileira”, para exercer o “jogo da troca de favores e da impunidade”, para não mexer “com a classe política”? Vê-se que o rancoroso ex-promotor – cuja carreira começou com a pequena turma de autocratas que outrora pontificava na República de Curitiba – conhece muito mal o idioma português, revela mais uma vez a sua desonestidade ou está cego pela ira nada santa. Se o crítico escolhe a esgrima das palavras, precisa preparar-se para beber do próprio veneno.

Primeiro, aplica o conceito “classe” no viés vulgar de setor classificatório ao bel prazer de cada um – mormente por intelectuais no cume da burocracia estatal, como foi o falante. Rejeita – ou desconhece – o sentido clássico elaborado pelos filósofos e políticos burgueses na Revolução Francesa, resgatado pelo marxismo: conjunto característico de indivíduos que ocupam uma posição análoga na produção, apropriação e distribuição das riquezas, ou seja, dos bens materiais e serviços. Após 200 anos, o coitado afirma que os políticos formam uma “classe”. Ignorância ou esperteza para esconder a contradição capital versus trabalho? Pensa, também, que os padres ou pastores constituem uma “classe”?

Depois, chicoteia o que chama de “velha política”. Seria permissível, se o termo fosse uma generalidade abstrata. Mas, concretamente, não passa de uma desfaçatez, que só lembra o nome do seu partido, pois a prática é antediluviana. Usou a máquina estatal em seu benefício, como na Colônia, no Império e na Primeira República. Ignorou, para deflagrar processos judiciais, os princípios constitucionais da coisa pública – “moralidade, legalidade, impessoalidade” –, cristalizados no Art. 37, como se vivesse anteriormente a 1988. Imitando 1964, atendeu ao comando emitido pelo imperialismo estadunidense na sucessão de 2018-2019. Ademais, acredita que os dogmas ultraliberais nasceram ontem.

Por fim, adjetiva sintomaticamente a “velha política” de “brasileira”, deixando a nu seu embevecimento com a “superioridade” que pensa terem os mundos anglo-saxão e norte-americano, passando borracha nas misérias da Europa Boreal, a exemplo do nazismo, e dos partidos que monopolizam os pleitos na superpotência do Atlântico, respectivamente, um, egresso da oligarquia escravista, outro, convertido ao hiperconservadorismo do capitalismo já maduro. Assevera o adágio popular: “quem diz o que quer, ouve o que não quer”. Todavia, duvide-se que o dito valha para o antigo fraudador – cassado por violar uma lei federal que outrora divinizava –, pois talvez lhe careçam os canais auditivos.

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