Decerto, há políticos e autoridades que, ao se posicionarem sobre a Core 23 – Combined Operation and Rotation Exercise, 2023, com 294 militares dos EUA – ou participarem de seus desempenhos conjuntos na Calha Norte, a encarem como se fosse uma simples intercâmbio de adestramento especializado entre pares iguais, aportando experiências e conhecimentos benéficos aos envolvidos. Ledo engano. De fato, representam o prolongamento, na melhor das hipóteses por inércia, da longa tradição surgida na Guerra Fria, em que a relação entre as forças em tela oscilaram da prioridade à exclusividade, salvo momentos fora da curva tracejada pela dependência e até pela total subserviência.
Para discutir semelhante assunto é preciso localizar o seu fundo, que reside nos precedentes históricos do período colonial e na efetiva instalação da questão nacional em sua configuração posterior à Independência, mais precisamente quando aparece a geopolítica imperialista no final do século XIX. Decompondo seus elementos constitutivos, trata-se de compreender as disputas sobre território, mercado e cultura – principalmente, idioma –, que antes ou depois emolduraram o desenho das lutas entre as classes internas e os seus desdobramentos externos. Inicialmente, a ocupação portuguesa em Pindorama. Na sequência, os contenciosos com as forças espanhola, francesa, holandesa e inglesa.
Depois das permanentes intromissões até o meio dos anos 1.900, sublinhe-se o intervencionismo golpista em 1964. A Casa Branca não somente apoiou e financiou a liquidação do regime democrático, como também preparou a operação Brother Sam, para fundear na costa brasileira o porta-aviões US Forrestal, bem como porta-helicópteros, destroieres, petroleiros e aviões. Dirigido pelo Comando Sul, no Panamá, o aparato zarpou e foi ao largo, mas recebeu ordem para retornar, vez que João Goulart caíra sem guerra civil. No decurso de 24 anos, a influência norte-americana se consolidou, mantendo-se na transição por cima e ainda nos governos civis. Assim, acabou naturalizando-se.
A tradição prosseguiu sem que ninguém se dispusesse a mexer no vespeiro, para júbilo da extrema-direita em ascensão. Evitando solucionar o incômodo, Dilma Rousseff – sobre quem não paira uma suspeição entreguista – permitiu que durante as Olimpíadas no Rio, 2016, a Marinha do Brasil fizesse manobras conjuntas com a estadunidense. No ano seguinte, com Temer, o Exército Sul da mesma potência recebeu a medalha do Mérito Militar por meio de Clarence K. K. Chinn, major-general que visitou a sede amazônica do Comando Militar. Em novembro, Tabatinga, tríplice fronteira noroeste, assistiu ao projeto AmazonLog, inspirado na manobra da Otan – 2015 – em que o Brasil foi observador.
A promiscuidade sinalizou pioras na doutrina da caserna. Hoje, quando se recompõe a política externa soberana, inexistem justificações plausíveis para os exercícios de novembro com países agressores, nem mesmo algum perfume de interesses populares ou finalidades nacionais permanentes. Iniciativas têm ocorrido com forças de várias procedências, porém, mediante seu cunho assimétrico, a relação preferencial com tropas que molestam populações pelo mundo afora é no mínimo equivocada. Urge romper a “parceria” perigosa ou, como alternativa, democratizar os exercícios, tratando com paridade os interessados, com primazia para os vizinhos latino-americanos e outros ligados ao Brics.