Por Fábio Rodrigues—

A retomada, pelo Supremo Tribunal Federal, do julgamento da tese jurídica do chamado “marco temporal” de terras indígenas no dia 7 de junho, mobilizou povos, lideranças, ativistas e organizações indígenas em vários estados do Brasil, que além de argumentarem que sua aceitação dificultaria o processo demarcatório de terras indígenas e liberaria a exploração econômica dos territórios, reivindicam à Suprema Corte declará-la inconstitucional. Segundo a tese, apoiada principalmente por ruralistas, os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras se estivessem em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição federal.

Como forma de protesto, ocorreram atos nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina, Bahia, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Paraná e Roraima, além do Distrito Federal, incluindo desde o bloqueio de rodovias até atividades político-culturais.

Enquanto a escadaria do Teatro Municipal da capital paulista recebeu organizações da sociedade civil, artistas e lideranças indígenas na tarde da última quarta-feira, a rodovia Fernão Dias, na região metropolitana de Belo Horizonte (MG), foi fechada parcialmente por indígenas Pataxó e Pataxó Hã-Hã-Hãe da aldeia Katurama na parte da manhã, quando também houve o trancamento da BR-101, no sul da Bahia, com participação de moradores das terras indígenas Barra Velha, Comexatibá, Ponta Grande e Coroa Vermelha; e da rodovia SC-283, entre Chapecó e Arvoredo, em Santa Cataria, organizado por indígenas das comunidades Toldo Chimbangue e Condá.

Além disso, ocorreram vigílias em Roraima e no Acampamento da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), que reúne milhares de indígenas de diferentes partes do país em Brasília (DF). Na capital federal, um grupo de aproximadamente 250 indígenas também realizou ato na Praça dos Três Poderes, onde acompanhavam a votação a partir de um telão instalado na lateral do tribunal, enquanto outros 50 tiveram acesso ao plenário do STF.

No mesmo dia, a APIB lançou o Relatório de riscos e violações de direitos associados à tese do marco temporal, elaborado em parceria com o Núcleo de Justiça Racial e Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e a Comissão Arns, sendo resultado de debates realizados entre abril e maio, nos quais especialistas e pesquisadores discutiram o tema a partir de suas áreas de investigação com o objetivo de promover um espaço interdisciplinar de debate. Segundo o Relatório:

A tese do marco temporal é responsável pela paralisação e pela revisão de processos demarcatórios ao redor do Brasil, impactando diretamente a vida de milhares de indígenas que tem seu direito fundamental ao território violado e enfrentam uma série de violências físicas e simbólicas […] Entre as cinco conclusões apresentadas no documento, a Apib ressalta que a tese do marco temporal coloca em risco os serviços ambientais gerados por terras indígenas e terá efeitos de longo prazo no aumento da emissão de gases de efeito estufa, especialmente na Amazônia brasileira” [1].

Apesar das mobilizações, assim como ocorrera em 2021, o julgamento foi interrompido sem uma decisão final da Suprema Corte. Na ocasião, o motivo da paralisação foi o pedido de vista (mais tempo para análise) pelo ministro Alexandre de Moraes após voto contrário à tese pelo relator, ministro Edson Fachin, que pontuou o reconhecimento do direito de permanência desses povos, independentemente da data da ocupação, pelo artigo 231 da Constituição, seguido pelo voto favorável ao marco temporal pelo ministro Nunes Marques. Desta vez, o julgamento foi interrompido, após voto contrario à tese de Moraes, mediante pedido de vista pelo ministro André Mendonça.

O julgamento no STF trata de uma ação envolvendo a Terra Indígena Xokleng Ibirama Laklaño, dos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, e o estado de Santa Catarina. A decisão tomada no julgamento do recurso terá consequência para todos os povos indígenas do país, já que os princípios considerados pelo Supremo são levados em consideração por tribunais ao redor do Brasil e também, muitas vezes, pelo Legislativo.

Vale ressaltar que o marco temporal também tramita no Congresso Nacional, por meio do PL 490, que toma como parâmetro para a demarcação de terras indígenas a mesma premissa. Tendo sido aprovado em 30 de maio pela Câmara dos Deputados, a proposta segue agora para análise e votação no Senado. No entanto, caso o STF julgue que o marco temporal é inconstitucional, o projeto de lei fica suspenso e não poderá entrar em vigor.

[1] Apib lança relatório de riscos e violações de direitos associados à tese do marco temporal. Disponível em: <https://apiboficial.org/2023/06/07/apib-lanca-relatorio-de-riscos-e-violacoes-de-direitos-associados-a-tese-do-marco-temporal/>. Acesso em: 08/06/2023.


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