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Com mortos às dezenas e desabrigados às centenas, o desastre ocorrido no litoral norte paulista vem sendo apresentado como se provocado por “mudanças climáticas” geradoras dos “eventos extremos”. Para certos políticos, ativistas e comentaristas, como a causalidade única. Para outros menos peremptórios, como a principal. Cria-se, pois, uma segunda natureza, que substituiria uma primeira idealizada e que – a exemplo do mecanicismo geográfico-biológico do século XVIII – dissolve os acontecimentos da história, especialmente a formação econômico-social com seu metabolismo e suas contradições. O beneficiário da operação é apenas o capitalismo, cujas mazelas “sumiriam” por encanto.

A tragédia recente, com seus desdobramentos aterradores, de modo nenhum é uma novidade. Menos ainda representa o episódio maior e mais funesto. Para sustentar semelhante conclusão, lembre-se que há 56 anos, em 18/3/1967, uma catástrofe similar comoveu a Nação. A calamidade foi também justificada mediante as tempestades no verão de São Paulo. Naquela ocasião, algumas encostas igualmente se liquefizeram e desmoronaram. No Município de Caraguatatuba, muitas casas ficaram soterradas pelo barro. Conforme a imprensa e as rádios, 487 pessoas teriam então falecido. Entretanto, suspeita-se de uma subnotificação, porque vários corpos permanecem desaparecidos até hoje.

A tragédia restou registrada em documentário e livros. Em 1966, o Rio de Janeiro já experimentara um drama parecido, entre outros que ali se repetiam quase regularmente. Quem trabalha nas instituições que investigam o assunto, notadamente as vazões com suas consequências, sabe que, juntamente à evaporação e à condensação, a chuva – como também o granizo e a neve – constitui uma porção básica do ciclo planetário que a substância H2O cumpre. Tais profissionais estão acostumados a fazer cálculos estatísticos, visando a prevenir as cheias e os acidentes perigosos – nas cidades, nos rios e nas barragens –, mormente para elaborar e orientar políticas públicas ou para projetar obras.

Para tanto, dedicam-se à formulação e à utilização das informações referentes aos temporais, em suas características e seus processos classificados cientificamente. Fatos como eclodido agora são considerados extremos porque se dão com menor probabilidade, mas estão inseridos como possibilidade real nas tabelas PDF – Precipitação, Duração e Frequência – de cada localidade. Por exemplo, constam nos dados sobre a região em que podem manifestar-se. Portanto, são conhecidos, embora suas datas exatas permaneçam imprevisíveis nos prazos médio e longo. Mas podem ocorrer. Logo, integram o complexo de múltiplas tendências operantes há séculos e anteriores à presença humana.

São, aliás, também, capítulos anunciados para quem tenha interesse, qual novela macabra. Tecnicamente, a expressão referente ao risco de sinistro é PR, ou seja, Período de Retorno, que define o tempo médio necessário para que um evento natural seja igualado ou superado. Comumente, objetiva fixar uma chance de repetição, razão pela qual é muito empregada na Engenharia Hidrodinâmica, ramo qualificado para lidar com superlativas massas fluidas. No caso de intervenções articuladas com a drenagem urbana e as represas para quaisquer fins, o problema em tela relaciona-se à intensidade das enxurradas e ao tempo de suas persistências, permitindo assim deduzir os efeitos na bacia receptora.

Nos vetores atuantes, há movimentos incessantes, objetivos e universais da matéria, entre os quais a destruição ambiental. No entanto, inexiste a decorrência negacionista e pétrea de um clima recriado pela perversão, ignorância ou imprudência. O tema deve ser angulado como problema ontológico-social, porque suas determinações residem no modo pelo qual o capital se reproduz: carência dos empregos, crise habitacional crônica, salários pequenos, especulação imobiliária, crescimento anárquico, degradação da cobertura vegetal nas encostas íngremes, proscrição de proletários para terrenos instáveis, expansão latifundiária descontrolada e políticas estatais limitadas por interesses burgueses.

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