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Contrariando a lenda que prenuncia o reinício da política tão somente após o Carnaval, eis que as providências por cima se deram em velocidade vertiginosa entre o autoexílio bolsonariano – alternativa para o derrotado projeto autogolpista – e o alvorecer do novo ano. Primeiramente, o antigo vice pronunciou-se no derradeiro dia – apresentando-se como presidente-interino e, portanto, assumindo a responsabilidade universal de se dirigir ao País – para, de modo grosseiro, precipitar-se no particularismo. Concorrendo com a chefia extremo-direitista em refúgio estadunidense, instrumentalizou a função que lhe permitira o acesso à rede nacional para noticiar uma oposição apriorística e sem tréguas.

Menos de 24 horas depois, a posse de Lula-Alckmin era festejada pela multidão que lotou a imensidão deixada vazia por Lúcio Costa e Oscar Niemeyer. Igualmente fantástica foi a repercussão na mídia internacional, tensionada em face da movimentação falangista sustentada pelas frações mais reacionárias da burguesia e por setores incrustrados no velho governo, que tentavam impedir a passagem de bastão aos escolhidos. A manchete mais expressiva estampou-se nas páginas do New York Times, órgão tradicional do capital-monopolista financeiro norte-americano, que os falangistas brasileiros, nem mesmo nos mais obtusos delírios, jamais poderiam chamar de comunista ou esquerdista.

Segunda-feira, 2/1/2023: Brazil Installs Lula as Leader; Loser Is Absent. Literalmente, “O Brasil instala Lula como Líder; o perdedor está ausente”, uma frase plena de significado. No início repete o endosso ao presidente como resultado incontestável da cerimônia oficial legítima e legal. Na sequência, pelo personalismo liberal incorporado às sociologias e noções vulgares, denomina o mandatário supremo da seção administrativa nacional como aquele indivíduo cujo caráter, qualidade ou dom – inato e singular por determinações naturais ou supraterrenas – impregna, empírica e pragmaticamente, o status metafísico nas sociedades civil e política. No evento, pois, tratar-se-ia do “líder” e seguidores.

Tal enfoque dissolve os partidos, as direções, a militância e o protagonismo de massas. Depois do ponto e vírgula, o trecho mais curioso. Que o continuísta frustrado se pôs ausente sabia-se desde o sumiço de sexta-feira. No entanto, agora foi nomeado como “Loser”, que se refere a quem perdeu alguma contenda específica – no caso, as eleições – ou a quem fracassou na busca do cume darwinista oferecido pelo “American Way of Life”. Difícil definir se o texto ambíguo surgiu de uma deficiência redacional ou da intenção crítica. O contexto fático e temporal sugere a segunda hipótese, mas é bom que o leitor coloque as barbas de molho, pois a conjuntura muda e a serpente segue desovando.

Acontece que os equívocos e desencontros precisam de aparas imediatas, enquanto estão aquém de condutas cristalizadas. Compreende-se que a posse tenha sido a poesia da múltipla diversidade, ficando em segundo plano a união de uma frente ampla, um povo e uma nação, ao passo que o proletariado aparece como apenas uma identidade a mais, em vez daquela “possibilidade positiva de emancipação” apresentada por Marx. Entende-se, também, que o encontro partidário, ainda inorgânico, se tenha expressado como composição nos escalões ministeriais dos pleitos. Mas é preciso que o governo tenha linha política, direção e voz centralizadas, que articulem os desdobramentos setoriais.

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