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Na sexta-feira passada, 25/11/2022, um jovem atacou a tiros duas escolas no Espírito Santo. Quatro pessoas foram mortas – uma educanda com 12 anos e três professoras – e mais 13 feridas. O massacre de modo nenhum deve ser visto como algo isolado. Agrega-se a outros eventos similares, sempre contra colégios. A cifra macabra sobe, somente após 2002, a uma dúzia. Em geral, os executores tinham relações diretas com as instituições atingidas e quase todos eram ou foram seus alunos. Sem dúvida, o Brasil se depara com um problema de alta complexidade que, recentemente pronunciado e agravado, exige reflexões profundas, obviamente acompanhadas pelas devidas providências.

Compreende-se porque, perante a repercussão e o estupor na sociedade civil, os comentaristas na mídia, os políticos mais afoitos e os chamados especialistas se apressem na faina de apresentar o que julgam serem os motivos de semelhantes fatos. As “explicações” ou conjecturas se multiplicam e oferecem discursos para os mais variados gostos. Vão de irrupções psicológicas de cariz caótico, ao estilo pós-moderno, a características intrínsecas dos seres humanos, sempre calcadas em vulgaridades ou palpites, que mais somam confusões do que ajudam a equacionar os diagnósticos e a oferecer os fundamentos às políticas necessárias. Três merecem destaque, já que têm maior audiência.

A primeira evoca uma influência de comportamentos estadunidenses que se derramariam sobre adolescentes pelo mecanismo da imitação. A tese, conscientemente ou não, endossa o “modelo” estruturalista, conforme o qual os padrões étnicos e culturais se propagariam nas regiões geográficas vizinhas e mais distantes, reproduzindo-se por meio de círculos concêntricos. Trata-se de uma concepção e de um método adotado no afã de caçar justificativas para certas identidades formais ao longo da história humana e também, por extensão, nos processos das formações capitalistas contemporâneas, especialmente quando se deslocariam de centros imperialistas para povos e nações dependentes.

A outra sublinha uma espécie de aparição indeterminada e irracional da ira que, por algum mecanismo inexplicável, transformar-se-ia na política do ódio, mas que, sem a extrema transcendência falangista, golpista ou “antissistêmica” – leia-se, a favor de uma ordem burguesa draconiana e sem o estorvo do regime democrático – ainda se manifestaria nas formas singulares dos estritos rancores ativos e alvos passivos. Claro está que semelhante percepção, mormente quando assumida em certos ambientes à esquerda e pacifistas, críticos ao protofascismo, acusa uma responsabilidade comum da reação bolsonariana e dos assassinatos, que se reforçariam em vinculações osmóticas e ações de retorno.

Por fim, aponta-se para o crescente, alargado e descontrolado estoque de armas e munições, que não somente forneceria os meios, mas igualmente provocaria sua utilização cada vez maior pelos seus proprietários e afins. As desavenças e os contenciosos – infinitos no espaço e tempo social prenhes de contradições – seriam simplificados e formatados como violências de fogo imediatas. Os fuzis, as espingardas e os revólveres, quando não artefatos mais letais, representariam, pois, uma criptonatureza, que por sí mesma tangeria os portadores a intimidarem adversários, a matarem inimigos e a massacrarem por mero ressentimento, em dissolução draconiana de sujeitos e subjetividades.

Nenhuma dessas visões – mesmo que sejam eventual e mecanicamente combinadas – consegue compreender o todo e a essência do assunto. Seus autores ou divulgadores ignoram os caminhos abertos por Marx na ontologia do ser social – o Gesellschaftlichen Seins referido em Contribuição à Crítica da Economia Política. Também desconsideram o papel chave dos vetores internos que atuam na formação econômico-social do País, especialmente as formas pelas quais se traduzem as lutas reais de classes ou frações no metabolismo dinâmico das “múltiplas determinações e relações” – Grundrisse –, impregnando, portanto, as condutas e mentalidades individuais, psicossociais ou políticas.

Em última instância, tais chacinas não foram provocadas por influências exóticas, ímpetos furiosos e objetos mortais, como causa sui. Apenas serão intelectualmente apropriadas se consideradas e anguladas na seara da “produção e reprodução da vida real” – Engels, Carta para Bloch. Assim, é preciso examinar os carecimentos materiais e internalizados, emergentes nos “de cima” e “de baixo” durante as três crises conjunturais desde o segundo Governo FHC. A estagnação afetou a população inteira, inclusive as camadas médias sem amparo de medidas compensatórias. Eis o terreno em que a extrema-direita servil aos monopólios financeiros dirigiu a oposição e converteu seus valores à situação.

A frustação e o desencanto adubaram o esgarçamento no tecido social-burguês, favorecendo a sedução por condutas paroxísmicas: o crime organizado, o terror individual e o paradoxal antiestablishment da ultraconservação. A parecença entre as derivações aparece com frequência. Por exemplo, quando as milícias fazem campanha eleitoral para candidatos protofascistas e um atirador põe a suástica em sua roupa. Não raro, a corruptela e o subproduto emanam do culto pela morte aos direitos fundamentais e à vida, coagulados nos pleitos pelo autogolpe militar ou a eliminação física de comunistas e demais democratas, ecoando em tormentos pessoais. Aracruz espelha o Brasil concreto em 2022.

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