Por Eleonora de Lucena e Rodolfo Lucena—

Com enorme tristeza e dor, informamos que DIÓGENES JOSÉ CARVALHO DE OLIVEIRA, herói do povo brasileiro, morreu na manhã deste 28 de outubro de 2022 em Porto Alegre. Faleceu aos 79 anos, de broncopneumonia, consequência de neoplasia maligna do olho. Deixa dois filhos, Rodrigo e Guilherme, e um legado de luta e resistência em defesa da democracia e do Brasil. Está e estará presente na memória e na vida de todos que defendem a soberania de nossa pátria, um país justo e soberano. Nós perdemos um amigo, um irmão.

Diógenes atuou na resistência armada contra a ditadura militar no Brasil. Com seu espírito de solidariedade internacionalista, participou também das lutas dos povos do Chile, Portugal e Guiné-Bissau.

Leia a seguir um breve resumo de sua trajetória, em texto preparado pela família.

DIÓGENES, O GUERRILHEIRO

Diógenes nasceu em 1942 em Júlio Castilhos, interior do Rio Grande do Sul, em um distrito chamado Cerrito. Neste local existiu uma a Redução jesuítica chamada Nossa Senhora da Natividade, onde indígenas tentavam resistir a escravatura dos bandeirantes paulistas.

Filho e neto de maragatos, Diógenes aprendeu a ler soletrando o jornal “Estado do Rio Grande” editado pelo Partido Libertador. Aos 17 anos vai para Porto Alegre, onde conhece a poetiza Lila Ripoll e se engaja no Partido Comunista Brasileiro. Em 1961, participa ativamente do Movimento da Legalidade onde ajudou na distribuição de armas para o povo no histórico Prédio do Mata Borrão.

Sua primeira profissão foi a de bancário no Sul Banco, onde se tornou um ativista do sindicato da categoria. Participou da greve 1963 e representou o sindicato em um congresso de bancários em Salvador da Bahia, para onde viajou com outros sindicalistas de ônibus. Em 1964, passa no concurso para o Banco do Brasil e para a Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), onde vai trabalhar como escriturário.

Na condição de eletricitário, participou como sindicalista da resistência ao golpe civil-militar que acabou por se efetuar no dia 1 ° de abril. Perseguido, Diógenes foi para o exílio em Montevidéu, onde militou, dirigido por Leonel Brizola, no Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR). Suas principais tarefas eram entrar clandestino no Brasil para distribuir o jornal da organização, “O Panfleto”.

Em 1966, é enviado por Brizola para Cuba para fazer treinamento militar de guerrilha. Participa de reuniões de criação OLAS (Organização Latino-Americana de Solidariedade), organização fundada pelo então senador Salvador Allende. Durante o treinamento em Sierra Maestra, Diógenes escalou o Pico Turquino e conheceu Ernesto Che Guevara (veja acima o vídeo de entrevista concedida por Diógenes ao TUTAMÉIA).

Com a morte de Che, Brizola abandona a linha do foco guerrilheiro, e Diógenes vai para São Paulo, onde junto com Onofre Pinto e outros militares e operários remanescentes do MNR fundam a Vanguarda Popular Revolucionária. Adotou o codinome Luís, também Leandro, e, após experiência no campo frustrada pela falta de recursos, é um dos responsáveis pelo desenvolvimento da luta armada urbana, com assaltos a bancos para angariar fundos para a revolução.

Na VPR, além de dar cursos sobre explosivos na clandestinidade para estudantes que participavam da luta armada, como exímio atirador ele participava das ações armadas como comandante militar da organização.

Participou da expropriação de armas do Hospital Militar do Cambuci, em 1968, substituindo o sentinela que havia sido rendido pelos guerrilheiros. Também participou do grupo de execução do capitão do Exército dos EUA Charles Chandler, que ensinava técnicas de tortura às forças de repressão paulistas, em 12 de outubro do mesmo ano. Comandou o grupo que assaltou a loja de armas Diana, a maior do ramo em São Paulo na época. Participou de treinamentos de tiro com o então capitão Carlos Lamarca, no quartel de Quitaúna, em São Paulo, sendo um dos responsáveis pela adesão do capitão à luta armada.

Diógenes também comandou o bombardeamento do quartel-general do II Exército em 26 de junho de 1968, após uma provocação do comandante, general Manoel Rodrigues Carvalho de Lisboa, sobre o ataque anterior ao Hospital do Cambuci, onde um caminhão carregado de explosivos foi lançado contra a entrada do quartel, matando o soldado Mário Kozel Filho e ferindo diversos militares. Participou da explosão ao jornal o Estado de São Paulo. Os explosivos eram oriundos de expropriações realizadas em pedreiras da periferia de São Paulo, como a Cajamar. Comandou e participou na linha de frente de diversos assaltos a bancos.

Foi preso em 10 de fevereiro de 1969 na Praça da Árvore, no Bairro Santo Amaro, em São Paulo. Levado inicialmente para o quartel da Polícia do Exército em São Paulo, foi torturado barbaramente durante uma semana, pois sabia onde estava Lamarca. Nunca entregou ninguém. Daí foi transferido para o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), no Largo General Osório, no centro de São Paulo, onde ficou preso durante alguns meses. Sua cela, hoje, faz parte do museu da Resistência. Após o DOPS, continuou preso no Presídio Tiradentes, junto com Frei Beto, Frei Fernando e Frei Tito e vários outros presos políticos. Daí foi transferido para a penitenciária do Carandiru, onde foi para uma solitária durante seis meses. Do corredor da morte, foi chamado de volta ao DOPS, onde foi comunicado que seria enviado para o México em troca do cônsul japonês de São Paulo que havia sido sequestrado pela VPR.

Diógenes deixou a prisão no começo de 1970, pouco antes da Copa do Mundo do México, banido do país com mais quatro presos políticos em troca da libertação do cônsul do Japão. No exílio, com sua companheira, também banida, Dulce de Souza Maia, primeiramente para o México, Diógenes passou por Cuba, Coréia do Norte, Chile, Bélgica e Portugal, durante a Revolução dos Cravos, em 1974. Seu último refúgio como expatriado foi em Guiné-Bissau, ex-colônia portuguesa na África, onde residiu durante oito anos e foi responsável pelo primeiro recenseamento desse país e sendo membro ativo do governo revolucionário.  Lá conheceu a portuguesa Marilinda Marques Fernandes, mãe de seus dois filhos Rodrigo e Guilherme.

Ao retornar ao Brasil, recomeçou sua vida sempre ligado a política. Trabalhou no mandato do vereador Valneri Antunes. Se engajou na construção do Partido dos Trabalhadores em Porto Alegre, onde chegou a ser candidato a vereador. Em 1990, foi secretário dos transportes em uma das primeiras prefeituras de capital do PT, com Olívio Dutra à frente. Logo depois do governo Olívio visitou a Líbia, na companhia de dirigentes do Movimento dos Sem Terra (MST), onde foi recebido pelo coronel Mhuamar Kadafi. Em 2001, foi vitima de um processo político, que visava destituir Olívio Dutra do governo do Estado, muito similar ao que Dilma sofreu alguns anos depois, quando a direita, por vias institucionais, tentou derrubar um governo popular. Após ser acusado de diversos delitos, Diógenes foi absolvido em todas as instâncias jurídicas. Em 2014, lançou sua biografia Diógenes O Guerrilheiro.

 

Publicado originalmente no site Tutaméia. Link: https://tutameia.jor.br/diogenes-presente/

 

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