Por Bradley Blankenship*—
A eleição presidencial do Brasil, muito aguardada, concluiu sua primeira rodada na segunda-feira, revelando alguns resultados esperados e também outros surpreendentes. Sendo os maiores País e economia da América do Sul, o desfecho final de suas eleições, dia 30 de outubro, terão profundas consequências para o destino da região e do mundo.
Para resumir o que está acontecendo em poucas palavras, o presidente de extrema direita, Jair Bolsonaro, foi escolhido para enfrentar o ex-presidente à esquerda, Luiz Inácio Lula da Silva. Eles representam programas radicalmente diferentes, com o Partido Liberal de Bolsonaro (PL) apresentando uma agenda pró-corporações e socialmente conservadora, enquanto o Partido dos Trabalhadores de Lula (PT) – o mais poderoso do Brasil antes da ascensão de Bolsonaro – é pró-trabalhador e mais socialmente liberal.
Do primeiro turno Lula saiu como claro vencedor, com 48,4% dos votos, comparando-se aos 43,2% de Bolsonaro. Quanto ao número de eleitores, para ter-se uma ideia de quão facilmente Lula venceu, o candidato do PT derrotou seu adversário de extrema direita por mais de seis milhões de votos. Mesmo assim, como não garantiu maioria absoluta, a eleição foi ao segundo turno.
Realmente, foi uma grande demonstração de Lula, prevista nas pesquisas. Como Brian Mier, da TeleSUR, observou, em artigo para BrasilWire, é “a primeira vez, desde o retorno à democracia em 1985, que um adversário vence o titular no primeiro turno da eleição presidencial brasileira”. Isso é ainda mais impressionante, continua Mier, considerando-se que a reputação de Lula foi assassinada pela mídia estatal e de seus oponentes, além de sua injusta prisão durante 580 dias, por acusações falsas de corrupção.
Ademais, o PT obteve um ganho considerável no Congresso Nacional, de 21%, com um total de 68 representantes. Aliados seus também conquistaram várias cadeiras, o que, teoricamente, poderia aumentar o bloco eleitoral estável para mais de 90 votos na Câmara Federal, composta por 513 membros. O PT também aumentou para nove a sua bancada no Senado, onde a esquerda brasileira está permanentemente subrepresentada.
Ainda assim, Bolsonaro e o PL não devem ser subestimados. O presidente extremo-direitista ganhou nas urnas por cinco pontos de modo nenhum insignificantes e seu partido ainda detem a maioria dos assentos na Câmara dos Deputados e no Senado. Vários fanáticos de Bolsonaro foram eleitos para o Congresso, incluindo o candidato mais votado, Nikolas Ferreira, com 1,4 milhão. Podemos também recordar como as perspectivas de uma presidência bolsonariana pareciam improváveis há apenas quatro anos.
Decerto, lembro-me claramente dos resultados na última eleição presidencial do País, em 2018, pois morava então com uma brasileira, Jasmine, minha melhor amiga. Tarde da noite, no dia da eleição, estando em nosso apartamento com minha então namorada, lembro-me de ouvir Jasmina chorar na sala ao lado, quando saiu a notícia sobre a vitória de Bolsonaro.
Falei com ela novamente, desta vez para ver onde está e se, talvez, os resultados da primeira rodada lhe tenham gerado uma reação diferente. Disse-me que se sente “cautelosamente esperançosa” com as eleições deste ano. Embora as pesquisas prevejam o resultado desejado, a vitória de Lula, ela está ciente de que Bolsonaro tem um forte elenco de apoiadores. Salientou, ainda, que a afluência às urnas foi maciça onde votou, em Munique, Alemanha, com fila de seis a sete horas.
Disse-me, também, que suas principais questões, este ano, foram: a desigualdade, esperando que o próximo presidente trabalhe para reduzi-la; a preservação da Amazônia, com os problemas relativos aos povos indígenas e seus direitos; e o acesso à educação, que reflete a forte divisão entre ricos e pobres do Brasil. De acordo com ela, o mandato de Bolsonaro marcou “passos incríveis para trás” no referente a esses temas, observando que “a quantidade de violência policial, crimes de ódio e preconceito contra toda e qualquer minoria, cresceu substancialmente”.
Minha amiga disse, igualmente, que a reputação internacional do Brasil foi manchada durante os anos de Bolsonaro. Ressaltou, como passos positivos, orquestrados por Lula, que o País deixara o mapa mundial da fome e se juntara aos Brics (sigla para Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), o que a Presidência de Bolsonaro minou. Em contraste, lembra-se de que, quando era mais jovem, vira positivamente a Presidência de Lula. Disse-me que, durante aqueles anos, “notou haver mais respaldo governamental para os pobres”.
Jasmina fez o trabalho fantástico de resumir as questões domésticas mais importantes, ao mesmo tempo em que abordou alguns pontos regionais e globais relevantes para o Brasil. Regionalmente, a vitória de Lula se somaria a uma série de outras à esquerda na América Latina: as eleições de Luis Arce em 2020, na Bolívia, de Gabriel Boric em 2021, no Chile, e de Gustavo Petro este ano, na Colômbia. Cada um desses êxitos, exceto o de Boric, que se revelou um covarde de falsa esquerda, foi um duro golpe para a dominação estadunidense na América Latina e um triunfo para o verdadeiro multilateralismo.
Bolsonaro tem sido um firme defensor das ambições imperialistas do Tio Sam na região, até mesmo garantindo para o Brasil a designação de “aliado não-Otan” da principal aliança militar ocidental. O presidente de extrema-direita tem sido um ator-chave nos esforços, liderados pelos EUA, para derrubar o presidente venezuelano Nicolas Maduro. Ele também apoiou corporações multinacionais dos EUA em seus esforços para destruir e comercializar terras na Floresta Amazônica. Lula parece pronto para barrar tudo isso.
O retorno do presidente de esquerda tem, ainda, implicações sérias para o mundo,. Por todas as realizações de Lula, uma das coisas que muitos esquecem é o quanto seu mandato ajudou o Brasil a contruir a sua legítima reputação como país de importância global.
Aliás, essa era a ambição de Lula. Queria que o Brasil fosse diplomaticamente importante e muito próximo ao movimento das nações não alinhadas. Por exemplo, o País liderou o esforço global na reconstrução do Iraque, após a invasão americana. O diplomata brasileiro Sergio Vieira de Mello serviu como representante especial das Nações Unidas para o Iraque, antes de ser morto no bombardeio de 2003, que marcou o fim do papel da ONU – portanto, dos esforços multilaterais de paz – naquele país do Oriente Médio.
Lula também ajudou a fundar os Brics em 2009, então chamados apenas de Bric, antes da adesão da África do Sul em 2010. O objetivo do grupo era, desde o início, envolver mais os países em desenvolvimento nos assuntos internacionais e reformar as instituições financeiras, melhorando, ao memo tempo, a situação econômica global, que à época estava marcada pela crise financeira de 2007-2008.
Uma questão-chave para os Brics, até hoje, é desenvolver alternativas às finanças globais dominadas pelo Ocidente, fato inicialmente provocado pela má gestão dos EUA sobre a economia global como centro financeiro do mundo e agora aprofundado, em grande parte, pelas sanções unilaterais de Washington. Essa é uma discussão extremamente importante que, se Lula vencer, beneficiar-se-ia muito com o empenho renovado do Brasil.
Poderíamos, ainda, ver o Brasil desenvolver laços mais próximos com a China, como alguns governos latino-americanos à esquerda fizeram, bem como inscrever-se formalmente na Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI, na sigla em inglês). Bolsonaro, embora não tenha sido um inimigo da China e, na verdade, seu governo tenha feito acordos lucrativos com os chineses, parou de fazer quaisquer movimentos que possam levantar as sobrancelhas dos manipuladores de suas coleiras em Washington. Mais uma vez, Lula poderia promover as coisas, somando-se ao programa de infraestrutura liderado por Pequim.
Mesmo com tantas e monumentais mudanças na fila, aguardando a vitória de Lula, não importando o quão favoráveis pareçam ser as pesquisas ou quão fortes tenham sido as demonstrações de apoio no primeiro turno da votação, o resultado da eleição este ano ainda paira no ar. Acredito que minha amiga Jasmina tenha dito isto com mais propriedade – quem se importa com o futuro do Brasil deveria estar, como ela mesmo afirmou, “cautelosamente esperançoso” com a eleição e uma possível vitória de Lula.
*Jornalista e comentarista político estadunidense, tem uma coluna fixa na CGTN e trabalha como repórter freelance para agências de notícias internacionais, inclusive a Xinhua News Agency.
– Artigo publicado originalmente no site rt.com.
– Tradução do inglês ao português: Ulisses de Andrade.
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