Por Centro Cultural Rosa Luxemburgo—
Rafael Lima concluiu a sua rica trajetória de vida em 2022 dia 7 de outubro, apenas um dia antes do assassinato de Che Guevara, há 55 anos na Bolívia, lutadores por um Novo Mundo, sem exploração e opressão. Desde o início da noite, por meio de seus familiares e amigos (as), passando pela manhã de hoje, o relato correu pelo Brasil e pelo mundo afora, de norte a sul, do Canadá, pela França, pela Suíça, consternando as fileiras musicais e a todos (as) que o admiravam tanto.
Que fora um exemplo de músico, correndo o Brasil, o mundo, e este outro país chamado Pará, com sua viola e sua voz inconfundível, para ligar-se aos bons combates musicais ou participar de festivais, é notório. Entrementes, além dos traços comportamentais deste caboclo da gema, que fascinavam o senso comum, em sua personalidade pulsavam elementos mais fundos e consistentes. Sua conduta se associava a uma alegria no canto, uma consciência universal e uma convicção que o marcavam como ser social engajado.
Além de músico sensível, desafiador, que não fugia dos bons embates, bem-humorado e notável, destacava-se pelas qualidades fundamentais que deve ter um artista, que buscava sempre ir onde o povo estava, nas feiras, nas praças, nos bares, nos palcos. E em sua vasta obra musical, dos quais destacamos os cd’s Arribada, Apuí e o mais recente videoclipe Gotas de Sol, em brilhantes parcerias com artistas do quilate de Álvaro Jorge, Pedro Cavalero, Walter Freitas, Joaozinho Gomes, sem contar o talento de sua filha e parceira Ju Abe.
Peço vênia para lhe chamar de Camarada, Rafael Lima! Camarada, seu compromisso revolucionário ficou demonstrado na tarefa de fazer chegar ao Comitê de Luta pela Libertação de Sebastião Hoyos, companheiro do PCB, que ficou preso injustamente por quatro anos na Suíça, acusado de colaborar com um assalto a um banco local, a ajuda financeira para a sua defesa no processo movido pela União dos Bancos Suíços, ajuda fundamental para provar a inocência de Hoyos, em 1996.
Você ajudou a construir os caminhos de nossa música popular. Portanto, integra uma história em processo. Sua existência singular e temporal terminou, mas sua obra prossegue nas canções entoadas em todo este imenso país chamado Pará, no Brasil e no mundo. Eis por que, além de imprescindível como sugere o poema brechtiano, você também se tornou, em certo sentido, eterno.
E na sua eternidade, estarás ao lado de Mestre Verequete, Mestre Lucindo, Mestre Cupijó, Maestro Waldemar Henriques, Ruy Barata, Ivan Cardoso, Álvaro Rachid e tantos outros (as) artistas que fizeram a história da música e da cultura neste país que se chama Pará, eternizado na letra de Waldemar Henriques “Uirapuru”, canção que tivemos o privilégio de ouvir e nos emocionar, juntamente com o companheiro Pedro Batista, durante o Congresso do MST em Brasília, em 2016.
“Certa vez de montaria
eu descia um paraná
e o caboclo que remava
não parava de falar
Que caboclo falador!
Me contou do lobisomem
da mãe d’água e do tajá
disse do Jurutaí
que se ri pro luar
Que caboclo falador
Que mangava de visagem
que matou surucucu
e jurou por pavulagem
que pegou o uirapuru
Que caboclo tentador”
Segue cantado junto aos outros mestres de nossa cultura, Rafael Lima, não vamos chorar a tristeza, apenas recordar a alegria, sentir com saudade a tua música, que expressa a esperança, na essência, como no trecho do clipe Gotas de Sol: “Há nesse escuro uma tocha, Vagalume talvez, Gotas de sol nas vidraças, Sejam promessas de luz”.
Brasil, Primavera de 2022.
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