O portal Vereda Popular entrevistou o candidato a deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores (PT) no Rio de Janeiro, Wadih Damous, para a seção especial Eleições 2022.
Com longa trajetória na advocacia e na política, Wadih Damous foi advogado de diversos sindicatos, entre eles, o Sindicato dos Metalúrgicos e o Sindicato dos Ferroviários da Central do Brasil. Além disso, também ocupou os cargos de presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB – Seção/Rio de Janeiro) entre 2007 e 2012, e da Comissão Estadual da Verdade entre 2013 e 2014. Fundador do PT, Wadih Damous foi deputado federal pelo Rio de Janeiro entre 2015 e 2018.
Confira a entrevista para o site Vereda Popular.
VP – Fale um pouco da sua biografia e da sua trajetória política.
Wadih – Eu sou advogado, mas com uma longa trajetória na luta política, desde a ditadura militar. Eu fui liderança estudantil na década de 1970, quando integrava os quadros do Movimento de Emancipação do Proletariado (MEP), uma organização marxista-leninista clandestina porque vivíamos uma ditadura. Como quadro do MEP, eu estive na linha de frente do movimento estudantil, tendo sido presidente do centro acadêmico da Faculdade de Direito e do Diretório Central dos estudantes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Enfim, tive uma ampla atuação no movimento estudantil, mas sempre a partir da minha militância clandestina no MEP.
Depois disso, já formado em Direito, fui transferido para o Maranhão no início da década de 1980. Naquela época, o MEP estava implantando um trabalho político no Maranhão e eu fui sondado sobre a possibilidade de ir para lá e aceitei. Esse era também o momento da fundação do Partido dos Trabalhadores. Eu já tinha minha pré-filiação junto ao PT no Rio de Janeiro e lá no Maranhão nós ajudamos a fundar também o PT. Assim, eu fui um dos fundadores do PT no Maranhão. Isso tudo como tarefa política. Foi lá também que comecei a minha advocacia, além de ter uma intensa militância política.
VP – Conte um pouco também da sua trajetória na Ordem dos Advogados do Brasil, onde você foi presidente da Seção do Rio de Janeiro (OAB/RJ) por dois mandatos.
Wadih – Depois que eu voltei para o Rio de Janeiro, em 1985, continuei com a militância no PT, até que, em 1990, a OAB/RJ caiu na mão da direita durante o Governo Collor. Embora eu nunca tenha atuado e dado atenção à OAB por considerá-la uma entidade liberal, pela sua importância e pelo papel que a OAB havia desempenhado na luta contra a ditadura, eu me senti incomodado com aquela situação. Foi então que decidi começar a militar para retomar a OAB/RJ para a esquerda, ainda que para isso fossem necessárias alianças com alguns liberais. Só que isso levou dezesseis anos. Eu levei esse tempo militando no movimento de oposição na OAB/RJ até me eleger presidente em 2006, sendo posteriormente reeleito.
Na OAB/RJ procurei exercer meus dois mandatos de modo a não ficarmos restritos às bandeiras corporativas da advocacia. Então, nós nos abrimos à sociedade, às demandas da chamada sociedade civil. Nesse aspecto, talvez o momento mais importante tenha sido o ano de 2010, quando fizemos uma campanha pela abertura dos arquivos da ditadura militar, com a OAB/RJ capitaneando. Isso virou um movimento nacional. Nós contratamos publicitários e convidamos artistas conhecidos como Fernanda Montenegro, Osmar Prado, Paulo Betti, Eliane Giardini, José Mayer ‒ dos nomes que tenho aqui na memória. Então, eles gravaram pequenos spots de menos de um minuto, encarnando figuras desaparecidas. Isso ganhou uma repercussão internacional. Além disso, nós envelopamos o prédio da OAB/RJ, pois quando tem avião pousando no aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, o prédio se destaca, sendo um dos primeiros avistados. Nosso objetivo era chamar a atenção para a questão da abertura dos arquivos da ditadura.
VP – Esse trabalho em torno da abertura dos arquivos da ditadura militar no Brasil, iniciado na OAB/RJ, teve continuidade durante seu mandato como presidente da Comissão Estadual da Verdade. Quais foram os principais desafios enfrentados naquele momento?
Wadih – Na OAB/RJ, nós já tínhamos assumido a luta em torno de esclarecer o paradeiro dos corpos dos desaparecidos durante a ditadura militar. Isso teve seguimento da Comissão Estadual da Verdade, sempre trabalhando em conjunto com a Comissão Nacional da Verdade. No entanto, essas comissões acabaram tendo um papel muito restrito porque havia um prazo estabelecido por lei de dois anos para seu funcionamento. Isso, naturalmente, sem qualquer apoio efetivo das Forças Armadas, a instituição que tinha condições de oferecer respostas, pois foram os militares que desapareceram com os corpos. Dessa forma, se eu dissesse que o único objetivo das Comissões da Verdade era o de encontrar os corpos desses desaparecidos, a gente teria fracassado. Mas não foi só isso, porque o ano de 2013, quando eu iniciei meu mandato na Comissão Estadual da Verdade, era justamente quando estava havendo toda uma mobilização em torno da questão da “descomemoração” dos 50 anos da ditadura militar.
Assim, todo o trabalho da Comissão ganhou grande repercussão, até na Rede Globo, onde fui entrevistado várias vezes sobre o nosso trabalho. Logo, naquele contexto, algumas consciências foram alertadas de que, no Brasil, havia pessoas desaparecidas, havia a necessidade de saber o paradeiro dessas pessoas e as circunstâncias em que desapareceram. De todo modo, acho os legados, tanto da Comissão Nacional quanto da Comissão Estadual da Verdade muito pequenos porque foram processos que vieram muito tardiamente. Na Argentina, por exemplo, logo depois da queda da ditadura já se instaurou uma comissão em torno dos desaparecidos, similar à nossa Comissão da Verdade. No Uruguai e no Chile também. Os militares brasileiros nunca aceitaram assumir que a tortura tenha sido uma política de Estado, assim como o desaparecimento dos corpos, então, as Forças Armadas nunca colaboraram. Foi um trabalho muito desigual, mas fizemos aquilo que pudemos.
VP – A que fatores você atribui essa diferença no trato em relação à ditadura no Brasil e em outros países da América Latina após o retorno dos regimes democráticos?
Wadih – Aqui no Brasil nós não tivemos Justiça de Transição. Tivemos uma transição sem Justiça de Transição. Pactuou-se com os militares. Aqui no Brasil existe essa tradição da conciliação por cima, pelo alto, exatamente para evitar o protagonismo do movimento popular. Então, como eu disse, a Comissão da Verdade veio tardiamente, não tinha movimento popular organizado em torno disso desde cedo, como aconteceu em outros países. Aqui, somente os familiares, e esses sim merecem todas as nossas homenagens, nunca deixaram que os desaparecidos fossem esquecidos. Temos, por exemplo, o grupo Tortura Nunca Mais. A ditadura brasileira também foi mais inteligente que todas as outras. Ela não foi só força bruta. A ditadura aqui no Brasil tentou disputar corações e mentes durante um determinado tempo. A força bruta foi dirigida particularmente aos militantes, aos partidos de esquerda. Na ditadura argentina, por exemplo, foram 35 mil desaparecidos. Não existe uma pessoa na Argentina que, direta ou indiretamente, não esteja ligada a um desses desaparecidos. Aqui no Brasil, não. Aqui, o Congresso funcionou, o Sistema de Justiça funcionou. Foram fechados por alguns momentos, é verdade, mas a regra foi estarem abertos. Então, foi uma ditadura mais sofisticada que as outras da América Latina.
VP – Você foi deputado federal entre 2015 e 2018, justamente no momento de ascensão da extrema-direita no Brasil e do golpe de 2016. Como você avalia esse momento e como foi, naquela conjuntura, atuar politicamente no Congresso Nacional?
Wadih – O golpe de 2016 no Brasil marca a primeira vez que sofremos as consequências institucionais do processo de guerra híbrida, que é uma nova forma de golpe de Estado. Eu falo de consequências institucionais porque acredito que 2013 também se trata de laboratório de guerra híbrida no Brasil, quando multidões sem programa, sem comando, sem rumo, simplesmente foram apropriadas pela direita para plantar a semente do golpe que acabou acontecendo em 2016. Eu avalio o golpe de 2016 como um episódio da guerra híbrida porque ele foge ao padrão tradicional dos golpes na América Latina, por exemplo, e em outras regiões também. Não se trata mais da intervenção direta das Forças Armadas, da baioneta calada apontada para o peito do povo, dos tanques na rua. É um golpe com a utilização, inclusive, de segmentos institucionais, entre eles o Congresso Nacional e o sistema de Justiça, Então, nós tivemos a Lava Jato, o parlamento brasileiro operacionalizando e legitimando o golpe. Por isso que nós não abrimos mão, à época, de dizer que era golpe. Não foi impeachment. O impeachment é uma figura prevista na Constituição, mas foi utilizado pela direita para dar golpe de Estado, uma vez que não havia razões para o impeachment.
Até hoje, se você perguntar para algum deputado daqueles o que é pedalada fiscal, ele não saberá responder. Mesmo depois do impeachment, o processo de golpe continua em curso. Ele atingiu seu ápice com a queda da presidenta Dilma, em 2016, e com a eleição de Bolsonaro dois anos depois. Meu mandato como deputado federal foi exercido exatamente nesse período, então foi muito difícil. Eu nunca havia sido deputado antes e depois não me reelegi, mas percebi, observando, conversando com meus companheiros de bancada, que é uma prática no parlamento haver uma boa convivência política, mesmo entre a direita e a esquerda. Mas naquele período não. Ali foi a dissolução da sociabilidade de relacionamento. Ali era guerra, e foi nesse caudal que estive mergulhado. Mas eu tinha ido para o parlamento exatamente para isso, para defender o mandato da presidenta Dilma, defender o ex-presidente Lula, eu era advogado deles. Eu fiz essas defesas tanto em relação aos processos jurídicos quanto no processo político. Eu estava na linha de frente do confronto. Foi um mandato de combate, de luta direta. Era um período em que a extrema-direita já estava hegemonizando o Congresso Nacional. Foi essa a experiência que me coube fazer. Eu enfrentei o pior período do parlamento brasileiro.
VP – Você cita a Lava Jato como uma das peças-chave para o golpe de 2016. De que forma você avalia a atuação dessa peça na engrenagem no golpe?
Wadih – Nesse período em que estive como deputado federal, a Lava Jato havia virado quase que uma unanimidade nacional, conseguindo passar uma aura de credibilidade. Isso se explica por uma série de fatores. Primeiro, porque não se pode dissociar a Lava Jato do esquema midiático brasileiro. Sem a Rede Globo, a Lava Jato não existiria. A Rede Globo “comprava” e reproduzia a narrativa da Lava Jato, segundo a qual o Brasil vivia um quadro de corrupção sistêmica, comandada pelo PT, que seria uma organização criminosa chefiada por um ex-Presidente da República, no caso, o ex-presidente Lula. Essa era a narrativa.
Por outro lado, essa narrativa precisava ter elementos de persuasão e comoção. Vieram aqueles dutos da Petrobras, que em vez de jorrar petróleo jorravam dinheiro. Esse era o pano de fundo do Jornal Nacional. Então, toda vez que vinha uma notícia da Lava Jato, aparecia aquela foto, aquele painel, com esses dutos. É preciso lembrar também a sequência de prisões. A prisão midiática, com o sujeito algemado, retirado da sua casa de camburão pela Polícia Federal, por si só já é um elemento de persuasão, pois passa a imagem de que a pessoa é culpada. Isso funcionava como elemento de persuasão, convencendo acerca da justeza da Lava Jato. Era um trabalho de lavagem cerebral, de apontar a corrupção como o grande mal brasileiro, como se não houvesse mais nenhum outro, como se o Brasil tivesse superado todas as suas mazelas, como a desigualdade social, a miséria, a fome, o desemprego.
Resolvida a corrupção, estariam resolvidos os problemas do Brasil. Os acusados de corrupção foram tratados como os antigos “subversivos” do tempo da ditadura militar, como inimigos da nação ‒ os inimigos públicos número um da nação. Então, todo esse cenário de ódio que vemos hoje, essa intolerância que o Bolsonaro exacerbou não foi criado por ele, foi criado lá atrás, pela Globo e seus congêneres, por Moro e por Dallagnol. Enfrentar aquilo não era fácil. Hoje, se você escracha o Moro é aplaudido. Naquele momento, não. Você era taxado de ser conivente com a corrupção. Era como ser taxado de terrorista na época da ditadura militar.
VP – Hoje, após todo esse processo golpista que culminou na eleição de Bolsonaro em 2018, marcado também pela prisão ilegal de Lula, que então liderava as pesquisas de intenção de votos para a Presidência da República, Lula se encontra livre e inocentado em todos os processos. Explique como foi a sua atuação na defesa do ex-Presidente e quais são as responsabilidades penais que devem ser imputadas à Lava Jato, principalmente a Sérgio Moro, mas também a procuradores como Deltan Dallagnol, entre outros.
Wadih – Como eu disse anteriormente, eu havia ido para o Congresso para fazer esse enfrentamento, e aqui quero destacar a figura do meu companheiro de bancada Paulo Pimenta. Nós tivemos uma atuação conjunta na Câmara dos Deputados de denunciar sem medo a Lava Jato. Tudo isso que se diz hoje sobre a Lava Jato nós já denunciávamos. É claro que o meu olhar para aquilo era um olhar mais apurado do ponto de vista técnico, por ser advogado. Então, eu conseguia enxergar onde as pessoas não conseguiam ou não queriam ver.
Se resgatar meus discursos na Câmara sobre a Lava Jato é possível identificar toda uma tentativa de desconstrução, não só no plano da política, mas no plano jurídico. Era muito importante ter a palavra técnica. A minha atuação se deu nesse sentido. É óbvio que isso me causa muita satisfação, um certo orgulho por, modestamente, ter contribuído para que o ex-Presidente Lula hoje esteja de malas prontas para voltar ao Palácio do Planalto. É uma contribuição minha e do Paulo Pimenta, pois nós nunca deixamos a Lava Jato em paz. Considero que o episódio responsável por desnudar a Lava Jato para a população brasileira, quando as pessoas começam a perceber o problema, foi o momento em que impetramos o habeas corpus (HC), afinal, obtivemos a liminar, a ordem de soltura.
Entretanto, o sistema de Justiça não cumpriu a ordem judicial. O que estava sendo tramado naquela época, quando já iria começar o processo eleitoral de 2018, era fazer a população esquecer do Lula. Não se deveria falar nem bem nem mal dele, e o HC foi responsável por tirá-lo desse ostracismo. Desde então o Lula começa a crescer sem parar nas pesquisas. Nós conseguimos, pela primeira vez naquele período, gerar pelo menos a desconfiança de que estava havendo uma sacanagem qualquer contra ele, a ponto de uma decisão judicial, que mandava soltá-lo, ser descumprida. Esse era o grande objetivo do HC. A gente sabia que mesmo que saíssemos de lá com o Lula, meia hora depois ele voltaria para a prisão. Nós não tínhamos ilusão quanto a isso.
O objetivo era justamente chamar a atenção para a situação dele ali em Curitiba, não deixar que ele fosse esquecido. Então o Paulo Pimenta e eu tivemos a ideia do HC porque o ex-presidente Lula várias vezes nos falou que tudo o que ele não queria era ficar esquecido lá. A preocupação não era quando ele iria sair, e sim não ficar esquecido, até porque, não se sabia até quando a vigília iria durar. Então criamos esse fato, e se olharmos as pesquisas, em uma linha de continuidade até hoje, o Presidente Lula mantém um alto percentual na intenção de votos desde então.
Quanto à responsabilidade jurídica dos envolvidos na Lava Jato, desde o ano passado, Paulo Pimenta e eu fizemos uma representação ao procurador-geral da República, tipificando todos os crimes cometidos pela Lava Jato. Eu sou um antipunitivista, mas meu antipunitivismo vai somente até a Lava Jato. Eu quero ver essa turma, Moro, Dallagnol, todos eles atrás das grades. Eu vou lutar por isso.
VP – Uma das bandeiras de luta que você tem levantado é pela reversão das contrarreformas trabalhista e previdenciária. Quais são os impactos dessas contrarreformas hoje e de que forma você pretende denunciá-las e combatê-las no Congresso Nacional?
Wadih – A reforma trabalhista foi uma vitória do neoliberalismo, perseguida desde o momento da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), embora não se falasse em neoliberalismo naquela época. Isso porque, a CLT já nasceu sob tiro cerrado do capitalismo brasileiro. Uma vitória para eles, alcançada depois de 70 anos. Não sei se estou correto, mas eu aponto a CLT como o primeiro diploma legal do capitalismo regulatório no Brasil, quando o Estado começa a intervir para conter a selvageria do capital. Não por uma questão de bondade, mas inserida no contexto histórico da época, em que a União Soviética (URSS) estava com muito prestígio. Quando a CLT foi outorgada, em 1943, a URSS havia acabado de vencer a batalha de Stalingrado. Era, de todas as potências em guerra, aquela que tinha mais prestígio, sobretudo entre a classe trabalhadora mundial, entre a classe operária. Era a velha história, que já estava lá no Manifesto Comunista, do espectro da revolução. E Getúlio Vargas, que era um visionário, estava pensando nesse sentido. Ao outorgar a CLT, usa de um dispositivo autoritário porque sabia que se enviasse o projeto ao Congresso não teria um único artigo aprovado. Sua linha de pensamento era “façamos a revolução antes que o povo a faça”.
De um lado, era conter o ímpeto da selvageria do capitalismo, que na visão de Getúlio, trabalhava contra o próprio capitalismo, porque acirrava ânimos revolucionários. Mas era, também, conter os ânimos revolucionários da classe trabalhadora, concedendo direitos dentro da ordem capitalista. Então, em termos de direitos trabalhistas individuais, a CLT é um avanço extraordinário, ao mesmo tempo em que se configura uma organização sindical sob tutela do Estado. No entanto, mesmo considerando a CLT um diploma de direitos, que desenha o direito do trabalho no Brasil, e que foi desfigurada pela reforma trabalhista, eu acho que nós temos que ir além no Congresso Nacional. Eu não quero apenas lutar contra a reforma trabalhista, eu acho que nós temos que começar a pensar em uma nova legislação do trabalho. Não é recompor a CLT, é absorver os princípios básicos do Direito do Trabalho, ou seja, o reconhecimento de que, no contrato de trabalho, existe uma parte hipossuficiente, que são os trabalhadores; reconhecer o princípio protetivo; recuperar o poder de barganha das entidades sindicais; prestigiar a negociação coletiva sempre a partir do mínimo legal.
Essa nova legislação se faz necessária porque é preciso entender que o mundo do trabalho é outro, completamente diferente de quando a CLT foi criada. Hoje, nós temos categorias de trabalhadores sem organização nenhuma, que foram presas fáceis da extrema-direita, como os entregadores, os motoboys, os ubers. Temos que construir cidadania para esses trabalhadores, que estão muito imbuídos dessa ideia de empreendedorismo. Eles pensam, “- ah, não sou escravo”, mas não têm direito nenhum. São mais explorados do que quem tem carteira de trabalho. Esse é o debate que eu quero levar para o Congresso Nacional. E da mesma forma é a questão da Previdência. Hoje, se essas regras permanecerem, o jovem vai levar toda a vida e não vai conseguir se aposentar.
VP – Na sua concepção, quais são os principais desafios que Lula irá enfrentar em um futuro governo, da mesma forma que o novo Congresso Nacional, a partir de 2023?
Wadih – O presidente Lula vai encontrar uma situação muito pior do que aquela que encontrou em 2003. Vai encontrar um país devastado em todos os sentidos. Devastado materialmente, politicamente, ideologicamente, economicamente. O meio ambiente também devastado, tudo. Vai ser um trabalho de reconstrução, como se fosse uma guerra. É preciso reconstruir materialmente e ideologicamente o país. As lideranças que, por exemplo, emergiram no pós-Segunda Guerra Mundial tinham esse trabalho também. Tinham a tarefa de combater não mais o nazismo materialmente, mas ideologicamente. Nós vamos ter esse trabalho aqui, porque derrotar Bolsonaro não significa derrotar o chamado bolsonarismo, que inclusive precede ao próprio Bolsonaro. A extrema-direita sempre existiu, só era desorganizada, inorgânica, não tinha prestígio, não tinha voz.
Era um segmento voltado à sua própria insignificância. Bolsonaro que os empoderou, destapando o bueiro, e nós temos que devolvê-los para o esgoto de onde vieram. Mas não vai ser tarefa fácil. Não vai ser a vitória eleitoral, por si só, que o fará, embora esse seja o ponto de partida. Então, o Presidente Lula terá uma dura missão. Terá, mais uma vez, que tirar o Brasil do mapa da fome; reduzir a miséria; reeditar normas de proteção ambiental sob um novo contexto. Sem contar o enfrentamento às questões trabalhista e previdenciária. Naturalmente, muitas dessas medidas vão passar pelo Congresso Nacional, e eu quero estar lá para ajudar a qualificar esse debate, ajudar o presidente Lula a aprovar essas medidas, que têm hoje um caráter de salvação nacional. Não é como em outros tempos que era uma construção, um processo. Agora é reconstruir o país, reconstruir a soberania nacional. Vai ser uma tarefa hercúlea que teremos pela frente.
VP – Tendo em vista esse necessário processo de salvação nacional, inclusive de salvação do regime democrático, a candidatura do ex-presidente Lula e o Movimento Vamos Juntos Pelo Brasil corporificam, praticamente, um movimento de frente ampla. Como você avalia a perspectiva dessa frente hoje e no futuro cenário político que se abrirá após as eleições?
Wadih – Para mim, a questão é saber até quando essa frente ampla irá se sustentar, porque ela é muito heterogênea. Ela não é uma frente de esquerda. A esquerda está dentro dela, mas não se resume à esquerda. Nela se encontram também elementos de direita, elementos neoliberais, elementos que, inclusive, participaram do golpe. Esse é outro ponto de tensão no futuro Governo Lula. Para onde o Lula vai? Ele vai ser disputado pra lá e pra cá. Disputado à direita e à esquerda, mesmo com toda habilidade política que possui. Há, por exemplo, segmentos dentro dessa frente que querem manter a reforma trabalhista, não querem mexer nisso. Teremos impasses em várias questões importantes que precisarão ser enfrentadas. Do meu ponto de vista, o que cabe à esquerda é integrar essa frente com o objetivo de derrotar o fascismo, mas não pode perder sua identidade dentro dessa frente. É preciso ter consistência programática e nitidez ideológica, não nos diluirmos dentro dessa frente. E é assim que eu pretendo atuar no Congresso Nacional.