A vitória do Pacto Histórico na Colômbia, contra os representantes monopolista-financeiros e pró-imperialistas, vem reforçando a especulação de comentaristas políticos, na mídia e no ambiente acadêmico, sobre o “renascimento” e a “repaginação” da esquerda latino-americana. Multiplicam-se as metáforas de caráter naturalista que, se garantem uma primeira imediação intelectual, viciam o processo de conhecimento à empiria superficial e preguiçosa. Os fenômenos sociais vão sendo, vulgarmente, associados aos fatos físicos de várias espécies: ondas pulsantes; lugares topográficos; impressões cromáticas.
Portanto, haveria uma nova onda varrendo as eleições argentinas, chilenas, peruanas, nicaraguenses, colombianas e assim por diante, a se dirigirem agora rumo ao Palácio do Planalto, como ilustra o favoritismo do movimento Vamos Juntos pelo Brasil. Por alto, é sedutor e cômodo apreciar uma vaga que, similarmente às líquidas ou eletromagnéticas, fariam os votos submergirem mandatários conservadores ou francamente reacionários. Todavia, como esconder as determinações profundas que permeiam os conflitos sociais e se traduzem nas disputas políticas, tornando insubstituíveis a tática e a militância?
Outras figuras se desdobram da já consagrada e incorporada expressão “esquerda” – etimologicamente fundada no ezker do idioma basco e fixada como tradução castelhana de gauche –, que adquiriu certo estatuto social por se referir ao lugar ocupado pelos democratas-revolucionários nas reuniões da então Assembleia Nacional, durante a Revolução Francesa. No entanto, a profusão de subdivisões por derivações abusivas – como centro-esquerda e centro-direita – muito pouco acrescenta no respeitante aos conteúdos, podendo até mesmo eclipsá-los e, nas teorias transformadoras, desterrá-los para sempre.
Por fim, a transmutação das substâncias políticas em cores, que fisicamente são percepções provocadas por fótons na retina. O vermelho também se converteu em símbolo dos movimentos proletários e socialistas, desde o século XIX, igualmente uma herança das batalhas democráticas nos setecentos parisienses. Tal legado, que tem uma bicentenária história, deve ser mantido e valorizado, mas jamais pode ser rebaixado a nuanças pretensamente classificatórias e definidoras – como rosa –, para minimizar ou substituir a necessidade irrecorrível de avaliar processos, ideologias, correlações de força e posições.
O êxito alcançado pela candidatura Petro-Francia surgiu na luta real de classes ou de suas frações no terreno da guerra civil e seus rescaldos, em conjuntura de fadiga no projeto burguês-conservador interno, de crise multilateral no mundo capitalista e de impasses no bloco imperialista. O espaço foi aproveitado sabiamente pelas forças democráticas e progressistas, que forjaram uma frente ampla e unitária, capaz de criar opção de governo. Mesmo com a presença do Partido Comunista Colombiano no mosaico ideológico em que a questão nacional só transparece debilmente, prevalece o perfil social-liberal.
Todavia, tais limites integram a tradução possível da realidade configurada no país vizinho. De modo nenhum retiram ou diminuem a relevância da conquista obtida, cujas repercussões têm grande importância local e transbordam para o cenário contra-hegemônico do Continente. Se a chapa Lula-Alckmin for eleita em outubro, completar-se-ão as condições para eliminar o isolamento às nações amigas na IX Cúpula das Américas, reconstruir a Unasul e instaurar uma nova correlação de forças na OEA. Eis porque o Vereda Popular felicita, pela façanha, irrestritamente, o povo colombiano e seus partidos.