Eclipsada pela suspeição, feneceu na sexta-feira, dia 10, a IX Cúpula das Américas. No caso, tem mesmo que se chamar Summits of the Américas, pois, embora só um grande país e outro pela metade – EUA e porção do Canadá – usem o inglês como idioma oficial, o conclave de Los Angeles foi montado e concluído sob as rédeas estadunidenses. A reunião, que seria composta pelos primeiros mandatários da região, foi criada pela famosa OEA, como sua expressão formalmente representativa. Em função da norma que atribui ao anfitrião a competência de apenas convidar quem lhe convier, predomina o casuísmo dos interesses geopolíticos hegemônicos, capazes de articular o consenso e a coerção. Agora, o direito canhestro, cativo da localidade, soma-se à força e à truculência.
A potência imperialista – que, no seu derradeiro pulso expansionista, começa logo além do Rio Bravo – adentrou em um período cadente, vive um surto estagflacionário interno, perde a guerra terceirizada na Ucrânia, enfrenta contradições no interior da UE, administra os conflitos na Otan e ainda promove uma série de provocações à China, em belicosidade que rescende a desespero. Como se não bastasse, vai perdendo espaço no mundo austral, inclusive entre nações latino-americanas. Nesse quadro, visando aos seus fins estratégicos e imediatos, aparelha e instrumentaliza um fórum que deveria, em tese, funcionar democraticamente. Assim, tenta retomar o controle do quintal que lhe vai escorrendo entre os dedos cheios de artrose. O plano começou com a seletividade no convite.
As exclusões – unilaterais e autocráticas – de Cuba, Venezuela e Nicarágua ocorreram por motivos claramente calcados em uma concepção diplomática do tipo missionário, que se propõe a forçar os demais componentes a viverem, se autogovernarem ou se relacionarem internacionalmente segundo a cartilha dominante; ao modo profano, conforme os ditames mesquinhos do capital monopolista-financeiro associado a Washington. Algo assim: ou se curva ou fica de fora. Porém, o tacape já não funciona tão bem: México. Bolívia, El Salvador, Guatemala e Honduras se ausentaram, em resposta. Outros, inclusive situados pelo Caribe afora, explicitaram os seus desconfortos. Mesmo a justificativa da parte Argentina foi sintomática, pois se ofereceu como porta-voz dos “barrados no baile”.
Na tribuna, o presidente Alberto Fernández denunciou a supressão de participantes, além de postular uma “reestruturação” da OEA ora desmantelada. Sustentou que o anfitrião de modo nenhum pode vetar. Pediu a demissão do secretário-geral Luis Almagro e repetiu a demanda sobre a Presidência do BID, bem como a extinção dos bloqueios a países latinos. Para concluir: “o silêncio dos ausentes nos desafia”. Depois, Sacha Llorenti, um diplomata boliviano, sublinhou a inconformidade: “Um único pensamento não pode ser imposto em um mundo que exige harmonia sinfônica em face dos dramas comuns”. A síntese veio pelo Granma, “A IX Cúpula das Américas terminou com sombras, e seu resultado mais valioso é a fotografia de família publicada, em que faltam muitos membros.”
Episódio à parte foi o encontro bilateral entre Bolsonaro e o seu anfitrião. As celebrações mútuas já demonstraram que a pretensão do protofascista caboclo era ostentar sua “importância” e demonstrar sua “inclusão”. Todavia, mais relevante, sem dúvida, foi o tom eleitoreiro. A simples figura de ambos apertando as mãos poderia sensibilizar certos votos conservadores, aqui ressabiados com as marcas deixadas pelo governante-candidato. Quanto ao inquilino da Casa Branca, resta o esforço de puxar o falangista, que posa de “neutro”, para próximo de si. Afinal, precisam falar mais alto as identidades ultraliberais, contrarreformistas, privatistas e pró-imperialistas, quando cotejadas com “bagatelas” do tipo regime político, autogolpismo, negacionismo e até certa preferência trumpista.
O texto sobre o compromisso de implantar outro modelo migratório mal disfarça o dedo estadunidense, ao evocar o “livre arbítrio”: “A migração deve ser uma escolha voluntária, e não uma necessidade”. Espelha, pois, o labor proletário, editado pela mitologia burguesa da vontade individual incondicionada. A falácia platônica mal disfarça, porém, a promessa de um esforço conjunto para um êxodo seguro e ordenado. Na verdade, o propósito é garantir aos EUA força de trabalho – em fluxo barato e controlado pelo capital em crise – para transformá-los no “líder” global em refugiados. Quanto ao Brasil, o seu nome nem sequer foi mencionado na redação publicada previamente. Sabe-se apenas que o capitão reformado, ao pedir a Biden que interviesse na eleição, violou a soberania pátria.