Por Herton Escobar*—

A evolução por seleção natural é uma das teorias mais bem consolidadas da ciência, amparada por mais de 160 anos de evidências científicas que confirmam e expandem os conceitos fundamentais apresentados originalmente por Charles Darwin e Alfred Russel Wallace para explicar a origem das espécies, ainda em meados do século 19. É considerada uma pedra-fundamental das ciências biológicas, tão indispensável para descrever a complexidade da vida na Terra quanto as “leis” da física e da química são para descrever o funcionamento do Universo e a estrutura da matéria.

A evolução da desinformação e do negacionismo científico nos últimos anos, porém, propeliu a Academia Brasileira de Ciências (ABC) a produzir um livro para reiterar seu posicionamento em defesa da teoria. O título não poderia ser mais assertivo: A Evolução é Fato.

Lançado inicialmente no Rio de Janeiro (onde fica a sede da ABC), em 19 de setembro, a obra, disponível gratuitamente neste link, é assinada por 28 cientistas, oriundos de diversas disciplinas e filiados a diversas instituições de pesquisa (incluindo 16 autores da USP). Seu conteúdo está organizado em 22 seções, que passeiam pelos diversos campos de pesquisa que se relacionam com a teoria evolutiva e que são influenciados por ela, como os primórdios da vida na Terra, a origem da espécie humana e a evolução das bactérias resistentes a antibióticos.

Um novo lançamento está agendado para esta terça-feira, 19 de novembro, no auditório da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), com a participação de vários autores em mesas-redondas que irão debater as temáticas centrais do livro.

Capa e páginas do livro da Academia Brasileira de Ciências – Foto: Reprodução/Livro A Evolução é Fato

“Compreender a evolução é fundamental para enfrentarmos desafios atuais como a conservação da biodiversidade, a proliferação de doenças infecciosas e a resistência a antibióticos, incluindo a aplicação dos conceitos da teoria evolutiva para aprimorar a compreensão de doenças comuns na sociedade contemporânea, como diabetes e câncer”, diz a biomédica Helena Nader, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e atual presidente da ABC, no prefácio do livro. “Este conhecimento nos capacita a tomar decisões conscientes e fundamentadas sobre o meio ambiente e nossa saúde.”

O livro pode ser baixado gratuitamente no site da ABC. Cópias impressas serão entregues a escolas e usadas em iniciativas de divulgação e educação científica, a serem organizadas pela Academia. Escrita em linguagem simples, a obra é voltada para o público leigo (não especializado no assunto), apresentando-se como uma síntese do conhecimento e das evidências científicas que embasam a teoria evolutiva.

A tese central da teoria (muito resumidamente) é que todos os seres vivos — animais, plantas, fungos e microrganismos — possuem uma ancestralidade comum e evoluem a partir da seleção natural de características que lhes conferem uma chance maior ou menor de sobrevivência, dentro de um determinado ambiente. 

“Uma resposta para a sociedade”

O organizador do livro foi o geneticista e bioquímico Carlos Menck, professor do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, que há décadas pesquisa os mecanismos moleculares envolvidos no reparo de DNA e na indução de mutações genéticas — dois temas fundamentais para a compreensão dos processos evolutivos.

Segundo Menck, a ideia de produzir um livro sobre evolução já circulava pelos membros da ABC há muitos anos; desde que a as academias nacionais de Ciência e de Medicina dos Estados Unidos publicaram uma obra conjunta sobre o tema (Science, Evolution and Creationism) em 2008. Mas o projeto só decolou mesmo em 2021, quando o então presidente da academia brasileira, Luiz Davidovich, o convidou para coordenar a elaboração do livro. Era um momento de grande preocupação com o avanço do negacionismo e da desinformação científica nos meios digitais.

“O argumento era que a Academia precisava ter uma mensagem organizada para dizer o que ela pensa sobre evolução”, relembra Menck. Um grupo de trabalho foi formado e uma das primeiras decisões foi de que o livro focaria na apresentação de fatos científicos — diferentemente do livro americano, que traz uma abordagem mais filosófica sobre a importância e as implicações da teoria evolutiva. Daí o título: A Evolução é Fato. “O livro não é uma resposta aos negacionistas, porque eles vão continuar sendo negacionistas”, afirma Menck, em entrevista ao Jornal da USP. “Ele é uma resposta para a sociedade.”

Ilustração no capítulo Transição dos Vertebrados: Da Vida na Água para a Vida na Terra: texto explica que a evolução foi acompanhada por profundas transições de diversos órgãos para a vida na terra, e o órgão para a troca gasosa foi um deles. Desde o peixe pulmonado, passando pelos anfíbios, répteis e aves e chegando aos mamíferos, houve a transição de pulmões primitivos para pulmões especializados. Com essa transição, veio a necessidade de excretar o dióxido de carbono no ambiente aéreo e, portanto, o acoplamento dos processos de tomada de oxigênio e excreção de dióxido de carbono, como ocorre nos pulmões – Ilustração autoral elaborada para a ABC/Fábio Andriolo

Criacionismo

A maior parte do negacionismo associado à teoria evolutiva provém de movimentos criacionistas, de cunho religioso, com vertentes que variam desde uma negação completa da evolução até uma argumentação híbrida, de que a evolução acontece, mas depende de intervenção divina para funcionar. Uma dessas vertentes é o chamado “design inteligente”, que busca se apresentar como uma teoria concorrente da evolução, supostamente capaz de comprovar “cientificamente” que a vida e o universo foram criados já na sua forma atual por uma inteligência divina.

“A ABC entende que religião e ciência não são mutuamente excludentes”, afirma Helena Nader, no prefácio do livro. “No entanto”, completa ela, “cabe lembrar que este livro reafirma a importância da evolução como conceito central para entender a vida na Terra, destacando o papel dos métodos científicos rigorosos e das evidências empíricas na formação do nosso conhecimento. (…) Por meio desta publicação, a ABC aponta como a ciência se diferencia do criacionismo e expressa, de forma inequívoca (…) que o criacionismo ou design inteligente não têm lugar na explicação da origem da vida no mundo em que vivemos”.

Menck argumenta que ciência e religião são coisas diferentes, mas que podem conviver em paz, apesar de haver conflitos inevitáveis sobre questões como a idade da Terra, a evolução do homem e a ancestralidade comum de todas as formas de vida no planeta — amplamente corroboradas por evidências científicas oriundas da biologia, da genética e da paleontologia. 

“Darwin não sabia nada sobre genes, não sabia o que era DNA, e hoje nós conhecemos a estrutura do DNA, que é a mesma em todos os seres vivos — animais, plantas, bactérias —, e conseguimos ler as histórias que estão escritas nesse DNA”, afirma Menck. “E o que essas histórias nos contam é que nós temos uma ancestralidade comum, que era a base da teoria da evolução de Darwin e Wallace desde o início.”

O genoma dos seres humanos (Homo sapiens) é 98% idêntico ao genoma do chimpanzé (Pan troglodytes), 92% idêntico ao do camundongo (Mus musculus), 45% idêntico ao da mosca-da-fruta (Drosophila melanogaster), por exemplo, guardando semelhanças inclusive com plantas e microrganismos. 

“Dados como esses são comprovações de que todos os seres vivos da Terra derivam de um único ser vivo primordial: o chamado Luca, de last universal common ancestor (último ancestral comum universal, em tradução livre). Ele emergiu há cerca de 4 bilhões de anos no nosso planeta e iniciou essa verdadeira jornada da vida, resultando na diversificação e evolução das espécies, em interação com os seus ambientes até os dias de hoje”, escrevem o geneticista Sérgio Pena, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e o paleontólogo Alexander Kellner, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no segundo capítulo do livro.

Para Menck, o design inteligente é “uma ideia que pode ser muito bem discutida numa aula de teologia”, mas que não pode, de forma alguma, ser interpretada como uma teoria científica. “A resposta dela para todas as questões que se colocam é sempre a mesma: que houve um criador. Isso não é ciência”, diz o professor. 

“A evolução não é uma crença; é um fato comprovado por métodos científicos rigorosos e evidências empíricas. O criacionismo, por sua vez, é uma narrativa presente em contextos religiosos e filosóficos, mas não pertence ao campo científico. Essa distinção é fundamental para o avanço do conhecimento e para que possamos compreender o mundo natural de maneira objetiva e baseada em evidências”, afirmou o biofísico Glaucius Oliva, professor sênior do Instituto de Física de São Carlos da USP e vice-presidente regional da ABC em São Paulo, na sua fala de abertura do evento na Fapesp.

Para mais informações: Carlos Menck, cfmmenck@usp.br. Para ler gratuitamente o livro clique aqui.

Inscrições para o lançamento do livro na Fapesp podem ser feitas neste link.

*Publicado originalmente no site do Jornal da USP.


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