Por Eduardo Armond Cortes de Araujo*

Apresentação

Um dos alvos do governo anterior, de conteúdo protofascista, foi o enfraquecimento das representações da sociedade civil em diversas instâncias de participação social. Em 2019, por determinação do então Ministro Ricardo Salles, o Comitê Gestor do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (FNMC) foi paralisado e esvaziado. Sua composição foi reduzida a 13 (treze) titulares: representantes governamentais, entre eles do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima e de grandes setores econômicos.

Em junho de 2023, o governo Lula-Alckmin com Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente reformulou a composição do Fórum. O colegiado passou a ter 28 (vinte e oito) cadeiras. Além do Governo Federal, nelas passaram a ter assento organizações não governamentais (ONGs) e representações da comunidade científica, todas vinculadas ao tema. Além delas, outras entidades da sociedade civil relacionadas ao empresariado e aos trabalhadores. Estes últimos, representados pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria (CNTI) e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). Também foram incluídas entidades ligadas às comunidades indígenas e tradicionais, ao movimento de combate ao racismo e associações de entidades estaduais e municipais de Meio Ambiente. Por ser considerada prestação de serviço público relevante, a atuação dos participantes no Comitê não é remunerada.

Entre as principais competências do Comitê, estão as de estabelecer diretrizes e prioridades; discutir, analisar e aprovar o plano anual de utilização de recursos do FNMC (Fundo Gestor Nacional de Mudança no Clima); e avaliar e aprovar projetos voltados para a mitigação e/ou a adaptação aos efeitos adversos da mudança do clima.

Desde que fui indicado pela CNTI para representar os trabalhadores das áreas urbanas no FNMC procurei elementos que possam embasar uma atuação comprometida com os interesses nacionais, trabalhistas e populares. Ouvi opiniões de militantes e ativistas, reuni textos, documentos e propostas do movimento social e sindical em geral.

O texto abaixo, escrito na forma de depoimento, contém as primeiras anotações e impressões colhidas já no exercício das atividades do Fundo Gestor. Sua publicação tem o intuito de fomentar o debate e organizar minhas próprias ideias e uma ação coletiva. A todos que colaboraram, o meu muito obrigado.

O sindicalismo e as políticas públicas

Para além dos muros dos sindicatos e fruto da representatividade alcançada na luta contra o Regime Ditatorial-Militar e no processo constituinte, desde a promulgação da Constituição de 1988, de alguma forma, ainda que com restrições, o movimento sindical brasileiro, participa e/ou está envolvido em várias questões ligadas às políticas públicas em geral.

Muitas delas extrapolam o mundo do trabalho stricto sensu, como as políticas de erradicação da fome e da miséria, de moradia, educação, saúde, preservação ambiental, ciência e tecnologia, cultura, segurança e lazer, por exemplo. O mesmo ocorre com aquelas voltadas para o combate a todas as formas de discriminação e opressão e de proteção e defesa de minorias e setores marginalizados. Em tais questões a participação dos sindicatos tem sido intensa, porém fragmentada e desconexa. Em relação às políticas públicas voltadas para as mudanças do clima, o sindicalismo tem estado à margem e sem identificar o seu próprio papel.

Embora, os trabalhadores da construção pesada, da mineração, nas áreas de energia, gás, saneamento e água, estradas, construção civil, infraestrutura urbana, transporte, da agricultura e da agroindústria, em particular, e a população em geral, vêm sendo assolados e atingidos por impactos econômicos ambientais, sociais e de saúde. Grande parte deles, agravados por alterações climáticas extremas.

Por exemplo, na mineração e no tratamento de resíduos e contenção de encostas: o rompimento das barragens de Herculano (Itabirito), Mariana e de Brumadinho ceifaram 295 vidas – sendo 136 trabalhadores da Vale/Samarco e 145 terceirizados, estes últimos todos vinculados categoria da construção pesada. Outras 15 vítimas fatais eram moradores do entorno, fora dos muros das empresas. Sem contar que dezenas de milhares de outras pessoas foram deslocados e/ou atingidos pelos resíduos.

Neste quadro, como dirigente sindical, passamos a acompanhar as questões específicas relacionadas ao meio ambiente no processo de trabalho, em toda a sua cadeia produtiva, principalmente relativo aos rejeitos industriais, incluindo aí os impactos de saúde, sociais e ambientais.

Lições: trabalho, rompimentos e clima

A primeira lição tirada foi que não se pode tratar as questões trabalhistas, relacionadas à saúde e à segurança, somente a partir de uma categoria sindical profissional ou de um só local de trabalho. Após a famigerada Lei de Terceirização, já não é possível que nossas entidades sindicais se atenham somente ao enquadramento sindical formal. Muito menos que se desconheça a realidade dos trabalhadores contratados na forma de Pessoa Jurídica, Microempreendedor Individual e outras maneiras de precarização e retirada de direitos. É necessário atuar e discutir o ambiente de trabalho como um todo, levando em conta o conjunto das categorias e trabalhadores envolvidos, tanto os formais quanto os ditos informais.

No nosso caso, a construção pesada e infraestrutura, inclui-se, por exemplo, a logística de transporte e o armazenamento de resíduo, a construção e a manutenção industrial, a mineração e os serviços de apoio, como alimentação, alojamento, técnico administrativo, limpeza, saúde, segurança e vigilância e por aí vai.

A segunda lição, é que é preciso analisar o entorno dos locais de trabalho e os impactos ambientais e sociais gerados pelo processo produtivo. Não se deve menosprezar o território onde o processo de trabalho se desenrola e que está exposto às condições do processo e aos acidentes de trabalho ampliados, às questões ambientais, geológicas e climáticas.

Os estudos acerca do rompimento de barragens são ilustrativos desta afirmação: nos últimos 10 anos, houveram 5 rompimentos de barragens em Minas Gerais. Todos ocorreram em períodos de chuvas intensas e todos tiveram como causa do rompimento a liquefação dos rejeitos. Ou seja, o excesso de água nas barragens de rejeito foi um dos fatores determinantes dos rompimentos.

Desta forma, as questões exógenas ao local de trabalho, relacionadas com o clima e seus efeitos causam impactos severos e efetivos no chão das unidades produtivas e para além dele. O mesmo pode ser dito a respeito do processo de trabalho, da gestão do processo produtivo e suas técnicas, das formas, índices e fatores de segurança. Os impactos não escolhem as vítimas e nem respeitam as delimitações do enquadramento sindical dos trabalhadores e normativas legais ou os muros das empresas.

Portanto, é de se estranhar que tais fatos não levem os rompimentos de barragem a constarem no relatório nacional de impactos por efeitos do clima, ao lado de escorregamentos de encostas, inundações, queimadas, secas e a epidemia de dengue.

Sindicato: amplitude e unidade, dentro e fora das empresas

Tendo em vista as lições aprendidas e agindo em consonâncias com elas, passamos a acompanhar as questões ambientais, técnicas e socioculturais nos territórios onde grande parte dos trabalhadores vivem e/ou residem.

Assim, passamos a nos relacionar com os trabalhadores e suas famílias fora do âmbito das empresas. Principalmente as associações de moradores. Como em Bento Rodrigues, em Mariana e a Associação dos Familiares das Vítimas de Brumadinho (Avabrum) – a quem fornecemos apoio jurídico e material em suas mobilizações iniciais, na sua fundação e com quem mantemos contatos estreitos e abertos até os dias de hoje.

Da mesma forma, mantivemos relações, trocas de ideias e informações com várias entidades sindicais da Mineração e metalúrgicos e de outras categorias profissionais – como dezenas de Sindicatos da Construção Civil Leve e de Urbanitários, o Sindicato dos Pescadores de Minas Gerais e agricultura familiar (nos vales dos rios Doce e do Paraopeba).

Também atuamos junto a movimentos temáticos, como pastorais e religiosos católicos e evangélicos, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e o Movimento pela Autonomia Popular na Mineração (MAM), além do Conselho Estadual de Saúde do Estado de MG e do Fórum Nacional da Mineração Responsável (FONAMIR).

Ampliamos a interlocução com o Ministério Público do Trabalho (MPT), o Ministério Público Estadual (MPE) e Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) para fortalecer ao máximo as ações sindicais. A relação se deu em torno das questões trabalhistas, sociais e ambientais que afetam o entorno das unidades produtivas, com foco na segurança e na saúde no trabalho e em outros temas sanitários.

Em vários momentos experimentamos uma disputa de espaço entre organizações das sociedades civis. O mesmo ocorreu entre estas e instituições do Estado. Contudo, as iniciativas amplas, respeitando as esferas de atuação de cada um, articulando posições comuns e de consenso, superaram pequenas divergências e a busca de protagonismos.

Com essas parcerias, foi possível chegar à constatação de que, somente em Minas Gerais, temos mais de 35 grandes barragens de mineração construídas com metodologia de construção inadequada e ultrapassada (Método à Montante) e em risco permanente. Hoje, temos mais de 10.000 trabalhadores em áreas de risco nas mais de 400 barragens de rejeitos, que exigem níveis mais rígidos e efetivos de segurança e monitoramento diante do chamado novo normal de climas extremos.

O Sindicato também participou diretamente da proposição das leis estadual e federal, como a Lei Estadual – Lama Nunca Mais – onde tivemos duas emendas aprovadas: a exigência que só empresas de engenharia com especialização podem atuar em barragens de mineração e que as regras da mineração em segurança, saúde e meio ambiente prevalecem sobre as demais, tanto para trabalhadores próprios como terceirizados, bem como a Lei Federal de Segurança de Barragens. O objetivo conquistado foi aumentar a segurança nas áreas de Barragens e, de tabela, alcançou-se uma legitimação para uma atuação em outros temas.

Nossa atuação ampla e representativa possibilitou às entidades sindicais dispostas a promover mobilizações para além dos limites das categorias, a estarem mais próximos de outras entidades de práticas, origens e orientações diferentes, para juntos atuarmos na saúde e segurança dos trabalhadores e das comunidades vizinhas aos locais de trabalho.

Lutas locais e apoio internacional

Outro importante aprendizado foi a atuação internacional que se tornou mais efetiva a partir de 2016, com o Acidente de Trabalho Ampliado ocorrido na Barragem de Fundão, em Mariana.

Passamos a representar os trabalhadores em Barragens em espaços sindicais internacionais, a exemplo da Internacional dos Trabalhadores da Construção e da Madeira (ICM). Na África do Sul, participamos do Congresso da ICM com delegados de 120 países onde denunciamos a situação das barragens e dos trabalhadores em empresas mineradoras no Brasil. Na Jamaica, no Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), denunciamos a Vale S.A. no caso do crime de Brumadinho. Já na Colômbia, articulamos com dezenas de sindicatos da América Latina e do Caribe a criação da Rede Sindical de Barragens da ICM e realizamos denúncias formais na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e na Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Sindicatos e órgãos públicos

Os sindicatos tiveram que propor ações civis coletivas próprias para demarcar o lugar da representação laboral à mesa ou, do contrário, as entidades sindicais estariam fora dos processos de negociação com as mineradoras.

Os órgãos ministeriais da Justiça, por vezes, buscam substituir a ação própria dos sindicatos de trabalhadores que, na prática e por direito, são os legítimos representantes destes. Destaca-se, os Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) que, via de regra, tendem a priorizar os Danos Morais Coletivos em detrimento do Mundo do Trabalho, como se as questões relativas à comunidade em geral fossem o centro da discussão, esquecendo-se dos trabalhadores vítimas primeiras, diretas e em maior número nessas catástrofes.

Acidentes de Trabalho Ampliados (Os crimes)

O ambiente e o processo do trabalho são a origem destes crimes, que são, legalmente e na prática, Acidentes de Trabalho Ampliados. Um dado triste evidencia isso: os trabalhadores da mineração e terceirizados da construção representam, 95% das vítimas diretas fatais e sobreviventes destes rompimentos ocorridos. As comunidades do entorno representam 5% das vítimas diretas.

No caso da Mineração e da Infraestrutura, os acidentes ocorrem a partir do processo de trabalho e nos ambientes/locais de trabalho. Por suas dimensões gigantescas, invadem, transbordam para além dos limites das empresas e atingem as comunidades e outras áreas.

Isto não significa menosprezar os chamados atingidos fora dos muros das empresas, mas reafirmar nosso compromisso com a verdade e com os trabalhadores da mineração e da construção pesada e terceirizados que precisam ser vistos como as principais vítimas diretas desses eventos trabalhistas e também climáticos traumáticos.

Mudança do clima: onde vamos atuar

A partir da experiência acumulada e da prática sindical ampliada, no final de 2023 fomos chamados para representar os trabalhadores urbanos do Brasil no Conselho Geral de Gestão do Fundo do Clima no Ministério do Meio Ambiente, indicado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria (CNTI), junto com o representante da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG). Também fomos designados para representar o conjunto dos trabalhadores da indústria no Grupo de Trabalho para a Adaptação à Mudança do Clima, do Ministério da Indústria e do Comércio (MDIC). Daí, fui convidado a integrar o Grupo de Trabalho Global sobre Justiça Climática da ICM e sobre o Futuro do Trabalho (Trabalhadores Verdes), para atuar na Conferência da ONU, no mês de novembro, em Genebra.

Tendo em vista as questões já enumeradas e as responsabilidades assumidas, articulamos grupos de apoio técnico e discussão, composto por pessoas de posicionamentos profissionais e de origens sindicais diferentes .

Recorremos ao apoio técnico e científico, dentro e fora da academia, e produzimos textos de propostas para o Conselho Gestor do Fundo do Clima – único documento apresentado ao Plano Anual de Aplicação de Recursos do Fundo do Clima (PAAR 2024) sobre justiça climática.

A proposta, apresentada formalmente no Conselho, que orientou a criação de um grupo de trabalho para analisar os valores e a sua pertinência segundo a ótica do eixo de Justiça Social e Climática para o próximo ano 2025, pois o fundo passou a gerir mais de 10 Bilhões de reais captados pela ação do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e Ministério da Economia (ME) já para este ano.

Mais apontamentos para atuação no debate sobre mudança do clima

Com tais tarefas passaremos a avaliar a situação atual, tendo em vista as informações disponíveis, relativamente à questão dos Impactos da Mudança do Clima e dos Riscos Climáticos, combinando com a situação dos danos já provocados pelas empresas ao Meio Ambiente frente à necessária adaptação dos setores econômicos.

O Painel Intergovernamental de Mudança do Clima da ONU aponta que o capitalismo desregulado, baseado no consumismo desenfreado, sem preocupação com os seus impactos na sociedade e no meio ambiente, vem promovendo, de forma inexorável, a ampliação da exploração e da miséria, a contaminação ambiental e o aquecimento do Planeta, gerando drásticas mudanças no ambiente e no clima, o que se agrava diante da falta de políticas públicas portentosas e amplas de mitigação e de adaptação à nova realidade.

Nos últimos anos, quarenta por cento dos municípios brasileiros (2.232) anunciaram alertas e/ou declararam emergência devido a eventos como tempestades, inundações, enxurradas, desabamentos de encostas e alagamentos. É o caso, por exemplo, das chuvas extremas recentes no Sul do Brasil, notadamente em Santa Catarina, além da catástrofe em Petrópolis, na Região Serrana do Rio de Janeiro, com desabamentos de encostas e perdas de centenas de vidas. Ao todo, foram 26,2 milhões cidadãos afetados, com postos e dias de trabalho perdidos, perda de moradias, materiais e mercadorias.

O Vale do Jequitinhonha MG, uma das regiões mais pobres do Sudeste, registrou as maiores médias de temperaturas de todo o Brasil. Nesta área está sendo implementada a mineração de Lítio, com milhares de trabalhadores diretamente atingidos pelos extremos do aquecimento global.

Em outras áreas, assiste-se a um processo de desertificação, como no Nordeste; secas agudas impactam o Norte, comprometendo até mesmo a navegabilidade de rios, como o Negro, na Amazônia. Ondas de calor atingem o Sudeste, principalmente nas grandes cidades, com temperaturas acima de 40 graus e sensação térmica acima dos 50 graus. Dados do Ministério da Saúde, identificaram mais de 48 mil pessoas mortas em função do calor extremo de 2000 a 2018.

O impacto sobre a agricultura assola, notadamente, os estados de Mato Grosso (MT), Goiás (GO), Mato Grosso do Sul (MS), Minas Gerais (MG) e São Paulo (SP). Sendo, a região Centro-Oeste, maior produtora de grãos do Brasil e considerada pelo INMET (Instituto Nacional de Meteorologia) como de grande risco diante o calor extremo.

Os dados do Banco Mundial estimam que no Brasil, entre os anos 2000 e 2019, os prejuízos somam 333,36 bilhões de reais e que, a partir de 2000, estes eventos só vêm se agravando o que elevou o patamar de prejuízos de 2 bilhões por ano para R$ 22 bilhões/ano em 2019. Estes dados estimados antes das chuvas no RS apontam para como a emergência climática afeta a economia como um todo no Brasil.

A estas estimativas temos que somar a atual desmesurada tragédia climática no Sul. Sendo que, dela, podemos apenas supor o aumento destes impactos. Em face à gravidade dessa tragédia – perdas e prejuízos irreparáveis –, somente em relação aos dados até aqui postos, temos mais de 350 mortos e mais de uma centena de desaparecidos de dezenas de milhares de desalojados e mais de um milhão de atingidos pelas chuvas no Rio Grande do Sul (RS), com mais de 100.000 casas debaixo d’água, estradas e infra estruturas destruídas totalizando, por enquanto, mais de R$ 100 Bilhões em prejuízos materiais.

Segundo a identificação do IPCC da ONU de 2021, “as consequências adversas (das mudanças climáticas) incluem aquelas sobre as vidas, os meios de subsistência, a saúde e o bem-estar, sobre os ativos e os investimentos econômicos, sociais, culturais, infraestrutura e serviços, ecossistemas e espécies”. A OIT, em seu estudo mais recente, apontou que o impacto da mudança do clima sobre os trabalhadores atinge 70% da força de trabalho em todo o mundo, considerando o trabalho formal e o informal.

No caso da saúde e das epidemias, a dengue expandiu de forma descontrolada tendo em vista o aumento das temperaturas e da umidade, com a consequente proliferação dos mosquitos alcançando mais de 4 milhões de atingidos pela doença em todo o país. Imaginem os impactos das enchentes no RS com dezenas de milhares de pessoas em contato com a água suja, contaminada, e sem os postos de saúde e hospitais que foram destruídos pelas enchentes. Agora se apresentam os incêndios no pantanal, destruindo a fauna e a flora e os ambientes aquáticos e impactando as populações que vivem da pesca neste Bioma.

O lugar do Mundo do Trabalho na Questão Climática

O movimento sindical não pode ficar de fora desse debate. E para se inserir, de forma adequada e eficaz, tem que se colocar a partir da defesa dos interesses dos trabalhadores, nos moldes do que prevê a Constituição da República, considerando-se desde o local de moradia e trabalho, a infraestrutura de transporte, a alimentação, a assistência à saúde e as condições específicas do ambiente de trabalho em várias categorias e setores econômicos.

As prioridades para as pautas de reivindicações devem considerar as questões climáticas acima levantadas, sempre na perspectiva de serem “traduzidas” para o dia a dia dos trabalhadores, serem assumidas por eles enquanto suas e com capacidade de unificá-los e colocá-los em movimento por melhores condições ambientais, internas e externas, nas e das empresas. E, como consequência, negociar proteção aos trabalhadores no sentido dos acordos e convenções coletivas, porém, também, das normas regulamentadoras e legislação específica, notadamente, em relação àqueles que trabalham a céu aberto, expostos ao tempo e ao clima, seja na produção de bens e serviços, ou na manutenção, tais como os trabalhadores: da construção pesada e civil leve; na mineração; na agricultura; em infraestrutura: eletricitários, saneamento, manutenção de estradas e de vias urbanas, conservação e limpeza urbana…; em logística e transportes, dentre outros.

É preciso levar em conta tanto a exposição ao sol, às altas temperaturas, às chuvas, à alta e baixa umidade, quanto às condições de saúde e segurança no trabalho; tendo não somente os atrasos e faltas provocados e decorrentes da questão climática, mas, também, os danos e impactos nas condições de quem depende do trabalho para viver e é diretamente afetado, a partir do básico e/ou estrutural, seja em sua moradia e/ou em estabelecimentos de produção e/ou de serviços, seja das vias de acesso, dos meios transporte, aparelhos públicos e privados de saúde, por exemplo, atingidos e impactados por inundações, raios, ventanias, insegurança geológica… Tudo de forma a proporcionar maior proteção e um ambiente de trabalho que assegure condições de saúde (física e mental), segurança, dignidade e, por consequência, trabalho decente.

Quanto às questões relativas aos impactos no meio ambiente em geral, os sindicatos devem atuar em conjunto com as comunidades do entorno, onde moram grande parte de trabalhadores e suas entidades representativas de massa e movimentos sociais e ambientais.

Neste caso, é preciso levar em conta as contaminações de rios e espelhos d’água por metais pesados e agrotóxicos, o desmatamento criminoso, o risco das Barragens de Rejeito, as queimadas criminosas etc., realizando denúncias e promovendo ações conjuntas sobre a situação dos impactados. Deve ter lugar especial nas denúncias e mobilizações as queimadas, os lixões e as barragens de rejeitos, os riscos geológicos, a dispersão de produtos químicos e venenos agrícolas e o esgotamento sanitário em cursos d ́ água.

Quanto às questões de mitigação e adaptação dos processos de trabalho às mudanças do clima devemos defender a atuação sindical na defesa da transição para energias renováveis, eficiência energética e redução de emissões industriais, incluindo o fortalecimento, frente ao clima extremo, da infraestrutura de transporte e urbana, bem como a defesa e estímulo de produção agrícola originada de práticas responsáveis.

A Luta social e o Clima

Quanto à transição justa e socialmente responsável, os sindicatos devem combater a ideologia do trabalho sem regras e sem direitos, divulgar e atuar na luta em defesa de mais e melhores empregos, lutar contra a desigualdade social e a pobreza – a exemplo da luta dos nossos camaradas Mineiros de Carvão de Santa Catarina.

Atuar na luta por moradias dignas e seguras, as infraestruturas adaptadas para o enfrentamento dos climas extremos no campo e na cidade. Não podemos mais normalizar as moradias em áreas de risco e expostas aos efeitos das grandes chuvas e alagamentos e riscos geológicos, temos que transformar a luta por moradia digna em prioridade e em ação política frente à adaptação a crise do clima.

Outro aspecto, é a defesa do acesso dos grupos sociais e populações mais vulneráveis, social e economicamente, notadamente as mulheres chefes de família e moradores de todo ambiente urbano, comunidades e favelas. Defendendo recursos necessários para que tenham o direito a infraestrutura, novas tecnologias de geração de energia limpa e de tratamento de resíduos, moradia digna, na promoção de uma distribuição de renda equitativa, garantia de trabalho e diretos, enfim, proteção social a todos diante dos efeitos da transição necessária para uma economia de baixo carbono.

Desta forma, o movimento sindical, com seus milhares de sindicatos e militantes em todos os setores da economia, deve participar, de forma articulada, a partir das potencialidades de cada um, e atuar nos conselhos públicos e na luta política junto ao legislativo e judiciário. Mas, priorizando a mobilização em torno de acordos coletivos de trabalho e convenções coletivas, partindo de orientações e ações unificadas por comandos e coordenações sindicais e assistência das confederações e federações de trabalhadores e centrais sindicais.

O ponto central dos Sindicatos deve ser sempre a busca da unidade de vários setores sociais em torno das pautas e ações sociais e sindicais, tanto na incansável defesa de direitos trabalhistas, quanto na apresentação de propostas que garantam melhores condições de vida e trabalho frente a mitigação e adaptação dos efeitos extremos da mudança do clima. Assim, a realização de uma Conferência Popular para discussão da Transição Justa e o Plano do Clima e fundamental e desta forma será possível tensionar os limites da “transição justa e inclusiva” frente aos efeitos diretos do aquecimento global, atuar na luta por uma sociedade mais justa e igualitária.


*Eduardo Armond Cortes de Araujo

  • Diretor do SITICOP MG (Sindicato dos Trabalhadores da Construção Pesada de MG) e Presidente da Federação dos Trabalhadores nas Indústrias Urbanas e de infraestrutura de MG;
  • Coordenador da Rede Sindical de Barragens da ICM (Internacional da Construção e da Madeira) Brasil;
  • Conselheiro e Representante dos Trabalhadores no Conselho Gestor do Fundo do Clima MMA, indicado pela CNTI.

Os artigos assinados não expressam, necessariamente, a opinião de Vereda Popular, estando sob a responsabilidade integral dos autores.

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