DF, Brasil, 14 a 16 de março/2024,

Partido da Refundação Comunista – PRC

I – A CRISE DO CAPITAL E O REGRESSO DA REAÇÃO BURGUESA

A estagnação planetária e a multipolaridade

Quando a súcia de ideólogos conservadores festejava o capitalismo como formação econômico-social “eterna” e a “extinção” do mundo laboral, bem como setores à esquerda se afundavam no “transformismo” – para lembrar o conceito gramsciano –, a Refundação Comunista (RC) realizava o seu I Congresso. Em outubro de 2005 e março de 2006, remando contra o fluxo conformista e liquidacionista, o fórum nacional da jovem agremiação – que posteriormente seria uma parte constitutiva do PRC – formulou três constatações fulcrais para o movimento proletário-popular, no Brasil e internacionalmente.

Primeiro, asseverou que a “globalização” apologizava “um mundo burguês sem fronteiras e absolutamente disponível ao lucro”. Depois, detectou que tal “processo” foi “preparado pela eclosão da crise econômica de longo curso […], associada ao impasse global […] instalado nos anos 1970”, e desvelou as pretensões dominantes, “com sua carga político-ideológica”. Por fim, registrou que tais ficções, fantasiadas com “jargão acientífico”, eram passageiras e já entravam “em declínio”, isto é, frisou que “faliram as quimeras […] promovidas” pelo “projeto neoliberal”, cujo “esgotamento” então começara.

Três anos antes, a vitória da coligação “Lula Presidente” se tornara possível como expressão das contradições nacionais, vinculadas com as instabilidades na hegemonia mundial. Os contratempos da recessão em 1999, seguidos pela retração do PIB na transição do ano 2001 a 2002, desabaram no colo do mandatário que deixava o cargo. Em 2007, o Comitê Central (CC) registrara que a geopolítica da Casa Branca tinha forte cheiro de anacronismo, de vez que já transcorria, “no mundo, a substituição da unipolaridade, em torno do imperialismo estadunidense, por uma correlação de forças […] multipolar.”

O mesmo entendimento foi reafirmado pelo II Congresso, em 2011: “os governantes estadunidenses e suas políticas enfrentam obstáculos […]. Sua economia […] está em precárias condições e mal posicionada”, com “maior lentidão de retomada e perda de vantagem comparativa.” Nesse quadro, a “unipolaridade” cede a uma “emergência de blocos e potências concorrentes”. Semelhante modorra – permanente, mas com expansões ou recuos conjunturais – vige até hoje, conforme prognosticou a redação aprovada pelo Fórum Máximo, antecipando seus principais elementos e consequências geopolíticas.

Segundo afirmou a resolução tática – Unidade Popular: Assegurar Direitos e Construir um Novo Brasil – o impasse gestara-se “no estágio inicial do imperialismo”, com “a Fase A da 3ª Onda Longa do capitalismo, de 1896 a 1920, e a hecatombe de 1929.” A seguir, o “4º Kondratiev”, na “prosperidade do pós-guerra”, inflexionou para sua “Fase B” no início dos 1970. Os “fatores de crise se mitigaram durante a estabilidade relativa, sob a égide do ‘Consenso de Washington’, para chegarem a um novo recrudescimento”. A ruína da “resposta neoliberal” repôs as qualidades “regressivas” da “Onda Longa” precedente.

A política imperialista e o papel da Otan

Os posteriores documentos, com destaque ao texto internacional de 2014 – Todo apoio à resistência dos povos, nações e governos soberanos –, atualizaram o quadro geral. Concomitantemente, as expressões de um fundo comum ganharam desenhos nítidos, mostrando que as contradições fundamentais no cenário mundial se aguçavam: os problemas internos dos países capitalistas, mormente a relação trabalho-capital; o conflito entre as formações burguesas e as socialistas; o jugo do imperialismo sobre os povos e nações oprimidos; as contendas interimperialistas, com as suas manifestações regionais.

Hoje, a recessão pontilha o metabolismo econômico e põe a estagnação como resultante. Nos EUA, o PIB, após a retração em 2007-2009 e a letargia na Pandemia, voltou a cair em 2022 – primeiros trimestres – e caminha novamente para uma nova descida. O conglomerado JPMorgan, naquele quadro, chegou a temer uma recessão em 2023 ou 2024, se o Federal Reserve mantivesse as taxas de juro atuais ou, mais ainda, se as elevasse. Os 20 países na Zona do Euro, cujos declínios na virada para 2023 já causaram pânico, são de novo premidos pela paralisia ou pela baixa na taxa de lucros, que também afetam nações asiáticas.

Um aspecto crucial é a pauperização das massas trabalhadoras. Embora o bloco histórico transformador permaneça em defensiva estratégica – mesmo acontecendo situações revolucionárias localizadas –, reaparecem os descontentamentos, anseios e mobilizações, que tangem os governos burgueses a condutas repressivas, pois se reduziram os espaços de manobra para que pudessem fazer concessões concretas e reconstituir a hegemonia. Portanto, às dificuldades internas se ajuntam os declínios externos, em que a manutenção dos “espaços vitais” acabou se tornando a questão-chave do imperialismo.

Tal situação conduz a conservação burguesa – que desde o alvorecer do século XX já provocara, mediante a expansão monopolista-financeira, dois grandes conflitos mundiais – ao presente ciclo de reação extrema. Eis porque a geopolítica estadunidense adota um padrão agressivo direto e constante, inclusive na forma bélica. Sob a superação da “guerra fria” e a empáfia do capitalismo “todo-poderoso”, a Otan – hegemonizada na esfera política e comandada no plano militar pela Casa Branca – prossegue no boqueio a desafetos, expande-se à fronteira russa e multiplica suas provocações à China.

Sem conseguir dobrar o mundo aos seus desígnios, a coalizão imperialista criada no Atlântico Norte se depara com as resistências da Federação Russa, vista como Estado-Vassalo ao fim da União Soviética, da República Popular da China, julgada incapaz de responder com firmeza, e das nações insuficientemente alinhadas, então mantidas como quintais privativos. Eis como a monopolaridade, que pretendia perenizar, desfaz-se, agora substituída pela polipolaridade que julgara impossível. A evolução da política mundial nas últimas décadas vai levando, a ferro e fogo, a uma nova ordem internacional.

O conflito eurasiático e o risco de guerra mundial

O quadro atual é descrito pelos governantes ou porta-vozes das potências envolvidas – e repetido pelo senso comum – como a oposição de “Ocidente versus Oriente”. O equívoco do linguajar oitocentista reproduzido acriticamente, que incorpora os interesses do capital, os conflitos geopolíticos e os preconceitos culturais, esconde – mediante um determinismo geográfico naturalista – os polos reais das contradições contemporâneas. O mesmo simplismo, sob a nomenclatura de “Sul Global”, esconde as resistências das nações dependentes ou desalinhadas, que também transcorrem acima da linha equatorial.

Considerando-se a dimensão político-ideológica, que tem fundamentos sociais, os principais campos da reação burguesa-imperialista, hoje, se conformam em bulas ultraliberais ou debuxos fascistizantes, não raro imbricados entre si, conforme a tradição e as lutas entre as classes internamente às fronteiras nacionais. Muitas vezes têm ares globalizantes; frequentemente, assumem um perfil autárquico e xenófobo; às vezes adotam um discurso antissistêmico. Tais manifestações, contudo, fincam pés no conservadorismo, dos vários preconceitos ao chamado multiculturalismo “pós-moderno”.

Em uma conjunção complexa e diversificada – em que as nuanças e cores se mesclam e criam mosaicos imprevistos, bem como as lutas entre as classes ou frações assumem formas indiretas e mediadas em fenômenos por alguns julgados improváveis –, as verdades políticas se distanciam mais de universalidades abstratas e se ancoram em concretudes práticas. Se as teorias e doutrinas são, como sempre, necessárias e fundamentais como instrumentos para captar o real, produzir formulações revolucionárias e prevenir o pragmatismo, nunca devem petrificar-se como dogmas vazios e lesivos.

Os recortes políticos dos contenciosos tantas vezes dividem o extremismo burguês, com a direita nacionalista e os liberais “batendo cabeça” em termos da geopolítica e de sua expressão militar. No conflito ucraniano, por exemplo, as faces de semelhantes campos se alinham nos dois lados, seja em apoio à Otan e sua cruzada russofóbica, seja opondo-se às suas políticas agressivas de várias maneiras, seja tão somente abstendo-se de sancionar. Também os interesses imperialistas resultam em aporias: uns apelando ao “globalismo”, como Biden; outros ao “autarquismo”, como Trump.

O conflito eurasiático é provocado pelo esforço frenético dos estados hegemônicos no tratado atlântico-nortista, os EUA à frente, para manterem os seus espaços vitais egressos da festa colonial, do status quo posterior a 1945 e do butim sobre os despojos mais recentes – soviéticos e iugoslavos. Para tanto, recorrem às operações híbridas e às expansões bélicas, terceirizadas ou diretamente. Os seus métodos, em face da brutalidade que os caracteriza, com a certeza de conflitos regionais e a possibilidade maior de convulsão mundial, quase fazem a Guerra Fria de outrora parecer um certame angelical.

A luta anti-imperialista na contemporaneidade

Nas condições da ordem internacional em crise, a classe operária e os povos devem dirigir o foco do ataque à reação imperialista hoje intensificada. Merece destaque o fascismo redivivo – expressão política do segmento mais reacionário do capital monopolista-financeiro. Todavia, os conflitos são demasiadamente complexos para tudo reduzirem a um alinhamento simples. O imperialismo também camufla os seus objetivos no discurso falacioso pelos “direitos” e pela “democracia”, enquanto a ideologia e os interesses burgueses assumem formas incoerentes no campo mundial, incidentes no patamar tático.

Destarte, as linhas divisórias objetivas e permanentes possuem determinações particulares. Deve-se arguir sobre a concretude singular dos processos que ferem a segurança de países, ameaçam minorias nacionais, violam a soberania de nações ou conduzem à guerra nuclear. Só assim pode haver um diagnóstico certeiro e consequente sobre o bloqueio a Cuba, o retorno venezuelano ao Mercosul, a reivindicação pelo Estado palestino, a luta síria contra o intervencionismo estrangeiro, a intromissão norte-americana em Taiwan, os exercícios provocadores à República Popular Democrática da Coreia, e outros contenciosos.

Seria um erro gravíssimo, com repercussões desastrosas em cada caso, confundir nacionalismo com fascismo, autorresistência com ditadura, “democracia” com liberalismo, proteção ambiental com tutela estrangeira, preparação de autodefesa mediante armas com belicismo, iniciativa militar com agressão e, de modo geral, missão libertária com intervenção estrangeira. São questões que desafiam os setores à esquerda e o Governo brasileiro em vários temas, externos e internos, exigindo equacionamentos judiciosos e firmes, sem vacilação perante as mentiras espargidas na mídia oligopolista e pelas fakenews robóticas.

Com base nessa postura, cabe valorizar os reveses da ultradireita em países latino-americanos, como Bolívia, Brasil, Colômbia, México e Nicarágua, onde surgiram recentemente governos democráticos e progressistas, cada qual travando a seu modo a luta anti-imperialista. Os reacionários, porém, sobreviveram e se transformaram nas principais forças oposicionistas. Destacam-se a experiência chilena, em que os partidos conservadores, aproveitando-se de equívocos políticos exclusivistas, se reagruparam e obtiveram maioria no Conselho eleito para definir a nova Constituição, e o caso Argentino, em que a extrema direita, formada por fascistas e ultraliberais, ascendeu à Casa Rosada, criando sérios problemas à integração latino-americana como reforço da soberania e ao desenvolvimento do Brics como alternativa progressista na geopolítica mundial.

O proletariado e os povos aproveitam em seu favor, como disse Lênin, as contradições interburguesas, respondendo com as necessárias frentes a governos, regimes ou agressões, fascistizantes ou entreguistas. Na plataforma estão vários pontos, além de outros: a denúncia contra o imperialismo estadunidense, a corrida armamentista e as sanções unilaterais; a suspensão do bloqueio a Cuba; o retorno venezuelano ao Mercosul; a mobilização dos povos e nações por solidariedade, soberania e autodeterminação; e a paz mundial, substituindo a intromissão da Otan na Ucrânia por incondicional cessar-fogo.

Igualmente atual é denunciar o governo sionista-fascista de Netanyahu, pela invasão na Faixa de Gaza e pela tentativa de expulsar um povo de seu território, perpetrando o crime de genocídio. Em face do massacre em curso, impõe-se a exigência de paz, na forma de um cessar fogo imediato. Concomitantemente, todo apoio merece a diplomacia brasileira no que diz respeito aos direitos nacionais da população palestina, inclusive ao reconhecimento de seu Estado como membro pleno da ONU, apesar dos seguidos vetos estadunidenses no Conselho de Segurança.

A reação hiperconservadora no cenário brasileiro

Os falcões do capital monopolista-financeiro tentam jogar o peso da crise no colo dos trabalhadores, das grandes maiorias e das nações dependentes. Para tanto, favorecem os elementos reacionários das classes dominantes internas, além de fazerem demagogia com necessidades, carências e reivindicações das multidões. Assim, apoiam-se na extrema direita, fornecendo-lhe melhores condições para consolidar suas bases de massas, especulando com particularidades locais e divergências sobre temas internacionais. Seu propósito central é implantar governos subservientes ou regimes autocráticos.

No Brasil, o movimento regressivo surgiu com forma eclética. O protofascismo acabou sendo a simbiose de fundamentalismo religioso, antistablishement demagógico, falso nacionalismo, negacionismo gerado no irracionalismo, intolerância cultural e fisiologismo eleitoreiro. Agora procura completar-se quando se partidariza no PL, além de purificar suas fileiras internas, mas guarda sua marca singular entreguista e ultraliberal. Embora explicitando as suas vinculações com políticos da extrema direita, economistas neoclássicos e a fina-flor dos magnatas reacionários, sempre manteve um apoio de massas.

Seria enganoso pensar que a extrema direita se resume a uma “elite” que manobra, somente por cima e conspirativamente, os “incautos” e “ignorantes”. A ultraconservação profunda está cravada na tradição integralista nunca eliminada, em monarquistas nutridos pela utopia de uma restauração imperial, em militares da reserva fermentados nos 24 anos de regime ditatorial, em seitas religiosas de múltiplas confissões, nos grupelhos nazifascistas que se ocultam nas sombras, no anticomunismo espalhado em reclamos da guerra fria e nas facções ultraliberais aborrecidas com as urnas que as repelem.

Tais nichos, mesmo extravagantes, mantêm infinitos laços de conhecimento, parentesco e vizinhança, inclusive nas relações laborais com a pequena-burguesia e os microempresários, misturados a liames pessoais de favores ou dependência, que reproduzem quimeras entre setores populares. Ademais, são perpassados por lutas entre as classes ou frações, principalmente nos períodos em que as mazelas das paralisias geram ônus políticos para os governos e coligações democráticas ou afins, como nas recessões ou estagnações de anos mais recentes: 1999, 2001, 2003, 2009, 2012, 2014, 2015, 2016.

Quando à frustração de assalariados e “contapropristas” remediados, sem reajustes reais e programas compensatórios, e ao dissabor da massa capitalista premida pela crise, agregam-se políticas de hiperconservadores internos e de centros imperialistas – com guaridas ou finanças de magnatas extasiados pelo retorno a 1964 e açulados pelo ativismo fascista –, emerge a reação bolsonariana. O projeto se clareia: pôr no governo a extrema direita, liquidar o regime democrático e submeter o Estado burguês à fração mais despótica do capital monopolista-financeiro. Assim, golpismo e terrorismo viram os meios.

II – A FORMAÇÃO DO ATUAL PERÍODO POLÍTICO NO BRASIL

A situação adversa no mundo laboral

O cenário social estava mais ainda esgarçado ao fim do governo extremo-direitista. O Ipea e o Bacen reconheciam, empiricamente, a crise – a herança maldita – em 2022, ao projetar sua continuidade no início de 2023. Sem novos postos, persistia o desemprego e o desalento. As ocupações geradas eram de péssima qualidade: pelo Caged, as 190 mil contratações de março receberam, basicamente, até no máximo dois salários-mínimos. Pelo Pnad-IBGE, a remuneração média real fora confiscada em 2022, estacionando em R$2.715,00 – 1% menor do que no ano anterior, que já baixara 7% em 2020.

O recuo de 8,3% no desemprego de março a maio, provocado pelo aumento das pessoas desestimuladas em procurar trabalho e pela expansão no setor público, aconteceu paralelamente ao congelamento salarial. Ademais, a baixa na remuneração média seguiu a escalada golpista, vez que a EC no 95/2016, sobre o teto nos gastos, e as Leis nos 13.429/2017-13.467/2017, sobre as contrarreformas trabalhista e previdenciária, concorreram para precarizar o trabalho e concentrar riquezas. Lembre-se de que, pelo Dieese, o salário-mínimo capaz de manter uma família proletária chegou a R$ 6.652,09 em maio deste ano, cinco vezes mais que o atual.

O Governo Temer atacou a CLT, que disciplina o emprego, trazendo além de outras mazelas o trabalho parcial, o contrato por tarefa intermitente, as terceirizações de atividades-fim, a exposição de gestantes à insalubridade, a intensificação da jornada e a redução do repouso entre atividades, aumentando a exploração. Além disso, em 2022, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) identificou 2.575 pessoas trabalhando sem controle por leis do Estado burguês – desde 1995, foram 60.251 resgates. Ademais, 54 milhões precisam de Bolsa-Família para suprir necessidades básicas, 25% da população.

A situação em 2023, início do novo Governo, era calamitosa. Pelo Pnad-IBGE de junho, a massa de proletários atingidos pela precarização somava 33 milhões de pessoas em situação de subemprego, desemprego e desalento. Entre as pessoas ocupadas, 39% estavam na informalidade em abril, 60% em alguns estados-membros. As sequelas do bolsonarismo atingiram frontalmente a vida e saúde. Conforme o MPT, 2022 gerou 613 mil acidentes no trabalho, com 2.538 óbitos entre portadores de carteira. Logo, a mortalidade no trabalho formal foi a maior da última década, subindo a sete casos em 100 mil.

Enquanto isso a regressão fiscal-tributária e a estratosférica Selic, ajudaram a centralizar e concentrar riquezas nas mãos dos magnatas. Sob a falácia de controlar uma inflação causada supostamente pela “demanda”, o binômio Bacen/Copom “esqueceu” a influência dos preços monopólicos. Assim, favoreceu a especulação, impactou a performance do mercado interno, empobreceu as maiorias, exacerbou as mazelas sociais e deteve o desenvolvimento. Com as práticas ultraliberais, o processo inflacionário foi menos danoso que as deteriorações do salário médio real, causadas pela pressão do recuo no emprego e pela expansão da mais-valia.

As lutas silenciosas entre classes permaneceram

Portanto, no período político aberto em 2016 com a deposição da presidente, as condições de vida pioraram, impactando as relações trabalhistas e previdenciárias. Como as dimensões materiais e institucionais ambientam as lutas entre classes, a hipossuficiência laboral se ampliou, elevando a disparidade na relação capital-trabalho. Com a EC no 95/2016, os governos conservadores ganharam um álibi para desativar políticas públicas e descumprir direitos fundamentais, em favor dos conglomerados monopolista-financeiros. Assim, os danos foram de chofre transferidos para o proletariado e as classes populares.

A degradação nos direitos se aguçou: jornada excessiva, assédios, acidentes, adoecimento, mutilação, invalidez e morte no trabalho, além de calotes ou fraudes trabalhistas e previdenciárias. Logo, transferiram-se os seus custos aos trabalhadores, com absolvição criminal para o patronato e desoneração para instituições do Estado burguês. Pelo Relatório Movimentação Processual do TST, 31/03/17, surgiram 20 assuntos recorrentes nos 249.237 processos, perfazendo 70,1%. Os mais frequentes se pautaram em jornada laboral, dano moral, terceirização e adicionais de insalubridade ou periculosidade.

Considerando-se as Varas de Trabalho – Casos Novos por Assunto, janeiro-março/2017 – em 642.132 processos com 3.837.330 casos, entre 800 listados, os 100 primeiros temas correspondem a 88,23% do total, sendo 96,33% relativos a irregularidades ou violações a direitos que, apesar de continuarem com as mesmas condutas, já não são mais consideradas ilícitas ou delituosas. Portanto, geraram indultos permanentes ou temporários para os praticantes. Dessas, 74,23% se referem a jornadas laborais, verbas rescisórias, danos morais, FGTS, salários e adicionais de insalubridade ou periculosidade.

Tais permissividades foram legitimadas em normas regulatórias e na Constituição. As Leis nos 13.429/2017-13.467/17 criaram óbices à organização laboral, eliminando autonomias de assembleias e proibindo arrecadações para lutas sindicais. A Lei no 13.844/2019, que extinguiu o MTP, obsta o diálogo governamental com as entidades sindicais. A Lei no 13.846/2019 restringiu acessos ao benefício acidentário e ao auxílio doença, dando carta branca aos acordos individuais estabelecidos com patrões.

A EC no 103/2019 acabou normatizando, em favor do capital, os casos de mutilações, doenças, invalidez ou mortes. Em 2022, pelo TST, os segmentos com maior número de casos novos foram: Serviços Diversos, 23%; Indústria, 21%; e Comércio, 13%. Os assuntos recorrentes – 40% – se referem a FGTS, hora extra, aviso prévio e adicional de insalubridade. Outras irregularidades – intervalo intrajornada, repouso semanal e terceirização irregular – já estavam eliminadas no corpo das Leis nos 13.429/2017, 13.467/2017 e 13.874/2019.

Ao mesmo tempo, a elevação no desemprego, a informalidade no mercado laboral e a precariedade na mobilidade urbana criaram condições favoráveis à uberização. Tal vínculo entre capital e trabalho nas cidades brasileiras, cresceu exponencialmente, assimilando mais de 1,5 milhão de trabalhadores em 2021, junto com a pejotização e a microempresa individual. Semelhantes fenômenos fortalecem a ilusão empreendedorista, que acredita na suposta superação dos problemas sociais pela via individual. Logo, surgem novas formas de conflitos silenciosos entre as classes fundamentais, reguladas ou não pelo Estado.

A correlação de forças na sociedade política

Nos anos 2016 a 2022, a classe dominante, com base nas estruturas estatais, mormente o Governo Federal, golpeou os anseios e reivindicações populares, com destaque às conquistas históricas dos trabalhadores. As decisões políticas e jurídicas priorizaram os interesses patronais, com destaque aos exigidos pelos grupos monopolista-financeiros internalizados. Ademais, as proposições ao Congresso Nacional, especialmente as endossadas pela maioria parlamentar, eram ultraliberais, repetindo as medidas já fracassadas em inúmeros países. O pretexto foi estabelecer “reformas” pró-austeridade.

A distensão e o adensamento da receita “neoliberal”, encampada pela extrema direita, foi chancelada nos primeiros atos expedidos pela reação bolsonariana em janeiro de 2019, ao manifestar sua hostilidade aos movimentos populares, focada nos sindicatos. Exemplo foi a MP no 870/2019, convertida na Lei no 13.844/2019, ao extinguir o MTP, banindo qualquer diálogo do Planalto com as classes trabalhadoras. O apoio parlamentar cresceu decisivamente, seja pela marcha do protofascismo, seja pelo alinhamento pragmático às propostas oficiais, ultrapassando as maiorias obtidas pelo Governo Temer.

Mesmo em crise político-institucional e cometendo graves crimes, o Governo Central chegou aos apoios de 74% na Câmara e 83% no Senado, respectivamente manifestados em 1.583 e 366 votações. Eis como a razia ultraliberal, entreguista e antipopular se manteve, já que foram engavetados 158 requerimentos por impeachment. Pelo Diap, o segredo era o lobby de 349 deputados capitalistas, fundamentalistas religiosos e representantes milicianos, além de reacionários por convicção doutrinária, totalizando 511 congressistas sujeitos à hegemonia do capital monopolista e do imperialismo estadunidense.

Tal primazia estava reforçada pelas seguintes articulações. A Frente Parlamentar Agropecuária, com 257 deputados federais, mais de 50%. A chamada Bancada Evangélica, detentora da maior fidelidade à direita nos contenciosos em geral, sobretudo em questões de cultura e costumes. Os agregados formados com base nos estados-membros, que votaram, sistematicamente, por maioria contra os direitos e conquistas laborais: em 26 dos 27, sendo que nas 20 mais conservadoras, os votos à direita superaram os 70%, enquanto nas 11 extremistas elevaram-se aos 80%.

Nas últimas eleições, a reação bolsonariana deixou a Presidência, resultando no avanço da frente ampla e na recomposição de órgãos importantes: ministérios, autarquias federais e fóruns de interlocução político-social. No Congresso, porém, fortaleceram-se as forças extremo-direitistas e permaneceu com desenvoltura o conservadorismo fisiológico. Desde 1991, a evolução das bancadas favoreceu as frações da burguesia urbana e rural sob a primazia monopolista-financeira. Tal correlação continua vigendo nas várias esferas judicial-trabalhistas, em que as decisões antilaborais sobem a 85%.

Os ataques ao movimento sindical

Pelo IBGE/2023, 107,26 milhões de pessoas estão economicamente ativas. Todavia, das 97,83 milhões ocupadas, só 36,69 tinham carteira assinada. Internamente ao proletariado formal, ocorreram, entre os anos 2010 e 2021 – informações do Sistema Mediador mantido pelo MTE –, mais de 542 mil negociações favoráveis aos sindicatos, ainda que parcialmente. No entanto, sob a reação bolsonariana, só em 2022 surgiram 512.110 Instrumentos Coletivos – Acordo Coletivo de Trabalho e Convenção Coletiva de Trabalho. Como, desde 2017, a Lei no 13.467/2017 tange a negociação, a prevalência do “negociado sobre o legislado” prejudicou diretamente os direitos e as condições laborais.

Eis porque a jornada se tornou a cláusula mais negociada em 2022, com 78.594 eventos entre os instrumentos coletivos registrados. Mais grave: como no artigo 611-B, XVII, parágrafo único, as “regras sobre duração da jornada de trabalho e intervalos não são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho para os fins do disposto deste artigo”, as condições de saúde e de vida, dentro e fora do trabalho, foram desconsideradas. Logo, as cláusulas pactuadas, permissivas e desregradas, provocaram precariedade intensiva, favorecendo a precificação da sanidade física e mental.

Após 2017, as cláusulas sobre jornada foram se adequando ao tempo abstrato e às horas antissociais, equivalentes a 51,78% dos acordos. Se tal razia enfraquece os pleitos laborais, faz o inverso para o capital, fortalecendo a sua dominação. Para sustentar o teto nos gastos públicos e a violação aos direitos fundamentais, a fração reacionária da burguesia precisou conter a principal força popular – o proletariado e seu movimento sindical – que poderia resistir. As reservas das entidades foram duramente atacadas e atingidas, sejam os seus financiamentos e patrimônios, sejam os seus corpos dirigentes.

Os problemas impostos às diretorias sindicais, nos diversos níveis, afetaram também a sua função empregadora, que abarcava em 2017, pelo Dieese, mais de 441.012 trabalhadores. Já em 2021 aparece o recuo de 22,9%, chegando a mais de 50% em alguns estados. Só no emprego direto, a redução foi de 101 mil. Além da crise no capital e seus reflexos, a destruição e o terror impostos pela política ultraliberal se derramou sobre os principais quadros e militantes. São marcas os pejotismos, demissões, rotatividades, intermitências, desalentos, informalidades, vendas, penhoras, inadimplências e calotes.

As mazelas antipopulares aportaram no movimento sindical. O esforço para diminuir a instabilidade no mercado laboral – importante para os interesses do proletariado, com reflexos na situação da pequena burguesia urbana e do campesinato –, exige a dedicação dos setores avançados. Mas tais sujeitos foram tangidos a restringirem a sua participação e se ausentarem de atividades cruciais. Aos sindicalistas remanejados à “base” agregou-se a redução das equipes, afetando a organização e a mobilização das massas. O cenário político mudou, nitidamente, impondo ao proletariado a formulação de uma nova tática.

O PRC formula e desbrava o caminho da frente ampla

A nova situação foi diagnosticada, nitidamente, pela resolução do V Congresso (unificado), em 30/3/2018. “A marcha golpista […] mantém o fôlego. […] Trata-se do ativismo policial, persecutório e togado na Polícia Federal, no Ministério Público Federal e no Judiciário, já evidenciado na Ação Penal 470. Alteram-se doutrinas e jurisprudências por cima da Lei Maior […]. Instrumentalizam-se instituições por missionários puritano-punitivistas, que tentam intimidar o mundo político […] para promover outsiders ditos sem ideologia e cuja ‘pureza’ androide mascara os interesses monopolista-financeiros.”

O quadro político impôs a tarefa-chave de “recusar o movimento que procura perenizar […] um complexo autocrático, tutelar e imune a controles externos.” Assim, transformou “a mobilização da sociedade civil em torno do respeito às liberdades democráticas e civis, coletivas e individuais, inscritas na Constituição”, em dever crucial, pois o “resultado geral das próximas eleições” era “imprevisível”, como demonstravam “as pesquisas de opinião e as peripécias juristocráticas.” Todavia, “o campo democrático-popular” se apresentava “de maneira dispersa e sem diretrizes táticas minimamente centralizadas.”

O documento Unir o Povo para Mudar o Brasil ainda sublinhou que “a fragmentação permanece precisamente quando o embate eleitoral já se anuncia como importante confronto político, talvez o mais relevante do País nas últimas décadas. Este ano estará em jogo o futuro das classes populares […]. Aproxima-se o momento em que se decidirá o que acontecerá com a Nação: se continuará retrocedendo ou avançará.” Portanto, a deposição de Rousseff, o lawfare lavajatista e a escalada protofascista reuniram o rol de condições mais favoráveis possíveis à ocupação do Governo Central pela extrema direita.

O PRC, já em 2018, defendeu a tática de larga resistência, imprescindível à nova conjuntura. “Em período de longa defensiva estratégica mundial das lutas revolucionárias e de ataque reacionário interno, as eleições têm que ser encaradas como a oportunidade para barrar o retrocesso […]. Nessas condições, a meta imediata é somar forças, unificar ações, ampliar alianças, mobilizar grandes massas e ocupar trincheiras institucionais para defender o regime democrático-constitucional, retomar os direitos sonegados pelo Governo Federal ilegítimo” – de Michel Temer –, “deter a sangria ultraliberal e salvar a soberania nacional.”

Com palavras cristalinas, segue a decisão do Fórum Máximo partidário, aprovadas no ano do pleito presidencial: “o povo brasileiro precisa forjar um movimento que derrote, nas ruas e nas urnas, já nos primeiros turnos, as forças conservadoras”. Para concluir: “Chegou a hora” de forjar “um espaço de interlocução permanente, elaboração unitária e construção responsável de uma plataforma de salvação nacional, que congregue as forças comprometidas com o povo brasileiro, incluindo parcelas e indivíduos que tenham contradições com o projeto em curso e se disponham a derrotá-lo nas eleições.”

III – A RESISTÊNCIA DEMOCRÁTICA NO COMBATE À EXTREMA DIREITA

Os setores oposicionistas ensaiam uma unificação

Tal linha se baseava, também, na experiência do movimento comunista em âmbito mundial, máxime na tática de combate ao nazifascismo elaborada pela III Internacional em 1935 – VII Congresso –, logo depois aplicada na Guerra Civil espanhola e na II Guerra Mundial. O PRC, portanto, preparou-se para enfrentar o protofascismo. Em 8/5/2018, a Comissão Política Nacional emitiu a Circular Interna ao CC e às Comissões Auxiliares das Secretarias, para “tradução concreta e clara” da nova linha: “frente ampla e progressista no primeiro turno e no segundo, contra o retrocesso conservador e a direita.”

Nos anos posteriores, durante o governo autocrático em 2019-2022, nas últimas eleições gerais e, agora, perante os desafios enfrentados pelo movimento proletário e popular nas condições do governo Lula-Alckmin, a tática de frente ampla se aprimorou e se consolidou, como ilustrado nos documentos aprovados pelo CC no período. Em 2022, as lutas entre as classes ou frações nas suas dimensões políticas, em uma situação extremamente complexa e grave, acabaram convergindo para o pleito presidencial. Com a possibilidade real da vitória continuísta, era preciso concentrar o foco na disputa eleitoral.

Naquela conjuntura, os movimentos sindicais e populares careciam de condições para reverter suas dificuldades a tempo de organizar lutas grevistas e garantir grandes massas na rua, com bandeiras unitárias. Inobstante, a vitória sobre a extrema direita no Governo Central, bem como a obtenção de conquistas nos parlamentos e nas disputas estaduais, eram imperativas para barrar o autogolpismo e salvar o regime político, além de garantir os direitos básicos e novas conquistas. Portanto, era urgente unificar os vastos segmentos político-sociais que apresentavam alguma contradição com a cena reinante.

O proletariado e demais classes populares também tinham em mãos, além da vivência latino-americana, uma solução já praticada no Brasil, quando foi incontornável a união contra o perigo comum: em 1933, a Frente Única Antifascista se contrapôs à crescente Ação Integralista Brasileira, facilitou a posterior Aliança Nacional Libertadora e fortaleceu a resistência contra o Estado Novo; em 1984, a Diretas-á teve uma importância decisiva para o fim do regime ditatorial-militar e os dispositivos democráticos firmados na Constituição de 1988, cuja vigência perturbou e hoje dificulta o projeto extremo-direitista.

O pano de fundo era o descontentamento crescente na sociedade civil, sobretudo no “moderno” mundo laboral composto pelas massas empregadas e assalariadas. Igual pendor se reproduzia na pequena burguesia, da cidade como do campo, em menor escala. Entre os capitalistas, mesmo com a hegemonia de sua fração reacionária sobre a massa patronal, também apareciam inconformidades entre os segmentos exteriores ao circuito monopolista-financeiro, que se manifestavam, frequentemente, por meio de políticos e burocratas estatais. A unidade oposicionista concreta, porém, teria que ser construída na prática.

A frente oposicionista se afirma na política real

A formação da frente ampla exigia várias providências, todas complexas, com alto grau de objeção e dificuldade, à esquerda ou à direita. Era preciso sensibilizar e aproximar os partidos socialistas e populares. Também, atrair as frações burguesas de cunho moderado, mesmo à direita – com inclinação democrática e progressista –, espalhadas pelo campo liberal ou entre patriotas e desenvolvimentistas. Por fim, mas não menos importante, urgia ganhar os setores sociais ainda indecisos. Tudo visando a isolar e vencer os candidatos reacionários, em cada estado-membro e, sobretudo, nacionalmente.

Semelhante proposta sofreu percalços até se afirmar na prática, mas de modo inorgânico e diversificado. À direita, esforços hercúleos tentaram viabilizar uma chamada terceira via, mas fracassaram em face da polarização na preferência popular entre as candidaturas que representavam a extrema direita e o campo da oposição, com destaque para Bolsonaro versus Lula. Também patinaram, por motivos semelhantes, os postulantes isolacionistas e sectários à esquerda – frequentemente marcados pelo doutrinarismo social-liberal e o carreirismo –, que acabaram encalhando-se nas margens da corrente real.

Contrastando com a estreiteza, os documentos partidários jamais deixaram de afirmar que a carência de liberdades políticas, inclusive o fim do regime democrático, seria um grave prejuízo para os trabalhadores, ao mesmo tempo em que interessava, obvio, à conspiração protofascista e às frações reacionárias do capital monopolista-financeiro. Repetiram também, ad nauseam, que a frente ampla, como qualquer tipo de aliança, nunca implica, como lei de bronze, a supressão burocrática dos contenciosos e contradições; tão somente os coloca em segundo plano, perante o perigo principal e o propósito maior.

Essa linha diz respeito à tática, isto é, conjuntura e correlação de forças, com metas parciais referentes ao momento concreto. No respeitante à estratégia – política remetente ao cenário social e ao fim de conjunto, conforme o Programa Máximo do V Congresso –, as frentes assumem característica de bloco histórico duradouro, cujas lutas são facilitadas ou dificultadas pelas orientações, respectivamente, corretas ou equivocadas no presente. O socialismo – a transição anticapitalista – pressupõe a vitória da revolução política, só possível no interior de uma situação revolucionária, conforme demonstrou Lênin.

Mesmo sem compreender as determinações objetivas e o núcleo da postura pertinente, parcelas cada vez maiores da sociedade civil e da sociedade política se agregavam de várias formas. O CC/PRC destacou, em 11/10/2021, as iniciativas oposicionistas: “O próprio processo político real já descortina um caminho […]. Protestam os partidos de oposição, as representações sindicais, as entidades com valores humanistas, os movimentos populares, as organizações democráticas, os artistas, os intelectuais e até personalidades ou forças conservadoras – inclusive alguns grupos monopolista-financeiros”.

A vitória eleitoral dos setores democráticos e progressistas

Durante as eleições, sobretudo na disputa pelo Palácio do Planalto, a frente ampla de salvação democrática, inicialmente como proposta, passou a ser ouvida e ganhou musculatura quando foi de fato aplicada, mesmo confusamente, pela pré-candidatura com maior respaldo. A indicação de Lula-Alckmin foi o salto qualitativo. A vida ratificou a tática, pois mostrou a sua vitória nas urnas. O movimento Vamos Juntos Pelo Brasil – de início formado por 10 partidos, mesmo debilitado pela baixa densidade orgânica e carência de plataforma oficial – mostrou eficácia e garantiu a derrota hiperdireitista.

A extensa unidade irradiou segurança aos indecisos e polarizou a sociedade. Incompreensões acerca do momento histórico e da conjuntura, bem como táticas equivocadas e oportunismos, atrasaram ou em alguns casos inviabilizaram a coesão no primeiro turno. A maioria dos problemas foi contornada e, no segundo, novos acordos se acertaram. Todavia, certa confusão e a inexistência de estruturas orgânicas da frente para efetivar iniciativas ou dirigir a campanha, dificultaram o protagonismo de milhões, obstaculizando a materialização plena do potencial. Eis porque a margem de maioria ficou exígua.

O peso da vitória não elimina os aspectos negativos. A reação bolsonariana, com seus agregados, cresceu nos parlamentos. Suas demais candidaturas majoritárias triunfaram nos três estados com maior colégio eleitoral, os centros nevrálgicos do capitalismo e das lutas entre classes no País. O arsenal de reacionarismo quanto aos temas essenciais aos brasileiros e a hostilidade às necessidades básicas do povo radicalizaram o pleito. Sucederam-se ameaças, chantagens, violências políticas, falcatruas com recursos públicos, veiculação massiva de mentiras, ataques sórdidos, provocações e ameaças, que ostentaram uma complexa divisão na sociedade brasileira, seja por cima, seja por baixo.

A cisão alcançou instâncias superiores do Judiciário e órgãos auxiliares, especialmente o STF, o TSE e ministros que, após vacilações, jogaram um papel-chave para manter os direitos constitucionais, deter as tentativas golpistas e assegurar o processo eleitoral. Mesmo que, por determinação histórico-social, componham o aparato estatal de classe, adicionaram esforços de resistência democrática na conjuntura de uma Nação à beira do abismo. No quadro pós-eleitoral, os ritos na passagem de governo e os dias seguintes à posse assumiram uma dimensão política maior, ajudando a isolar o putschismo.

Por importante que tenha sido a vitória, os beneficiados não têm condições de alterar os fundamentos da formação econômico-social e da sociedade política, mesmo que o desejassem. Uma coisa é governo central, outra é regime político e uma terceira é o Estado. Misturar tais esferas é a receita para erros, inclusive o infantilismo esquerdista e oportunismo à direita. Nem o regime democrático teria já morrido porque Bolsonaro foi à Presidência, nem Lula, o seu partido e aliados – menos ainda o proletariado e as classes populares – estariam no poder somente porque subiram a rampa no Palácio do Planalto.

O processo golpista e a Intentona de Janeiro

Durante seu mandato, a chefia falangista nunca escondeu a intenção de usar o Governo Federal e o aparato estatal para desfechar um autogolpe. Todavia, suas manobras foram barradas pela resistência que, mesmo sem a necessária organicidade para além de chapas e candidaturas, derrotou a extrema direita e garantiu a transição ao novo governo, inclusive a diplomação e a posse dos eleitos, assim como a base de apoio inaugural da nova gestão. A cúpula miliciana, recusando-se a respeitar o processo e temendo a responsabilização pelos seus crimes, insuflou as suas hordas para desfechar um golpe.

Em janeiro, dia oito, esquadrões invadiram os principais aparatos estatais que regem o atual ordenamento político. A depredação nas sedes físicas dos “poderes” executivo, legislativo e judiciário se gestou na interdição de rodovias ou ruas e no assédio aos quartéis, contando com leniência ou apoio de agentes públicos, que lhes inculcaram a ilusória certeza do êxito iminente. O financiamento fornecido por frações reacionárias do capital monopolista-financeiro sustentou quadrilhas violentas, CACs, militares reformados, grupelhos fascistas e lumpens, em versão aprimorada e local do Capitólio estadunidense.

O ataque pretendia criar o caos para uma intervenção das Forças Armadas, prometida pelos cúmplices. Mas o governo legal foi defendido contra o plano que pretendia sua inviabilização e destituição. Ausente uma frente ampla estruturada – capaz de exercer o protagonismo além de funções públicas – o combate ao putsch ficou centrado em ações “por cima”. Foram suficientes para contê-lo sem maior resistência, no mesmo dia, com saldo funesto para os arruaceiros. Sem mobilizar multidões, deixaram o seu esqueleto bandoleiro ficar nu, isolando-se da opinião pública e paralisando seu bloco eleitoral.

O sucesso da frente oposicionista resultou em mudanças nos contornos das lutas entre as classes, com repercussões positivas na América Latina e no mundo. Fora do Governo Federal e da chefia estatal, Bolsonaro e sua camarilha se viram obrigados a reciclar sua postura para manter o desígnio de implantar um regime ditatorial. Todavia, o inimigo permanece o mesmo. Assim, o núcleo tático é a união de largos setores para isolar mais ainda o núcleo fascista, sustentar os governos progressistas e obter novas conquistas. O revés da reação política – parcial e provisório – apenas frisou novos desafios.

O embate foi perdido pelos aventureiros, porém, a oposição sistemática só terminará com a sua derrota completa. Os feitos criminosos ruíram, mas a extrema direita mantém os dentes arreganhados. Sua origem tem, como alicerce, as lutas entre as classes, com suas derivações políticas. Para liquidar o aparato golpista organizado e armado, enfraquecido, mas intacto, é preciso mobilizar grandes massas pela satisfação de carecimentos acumulados em anos de capitalismo e crises, mediante políticas universais em favor do povo e contra os entraves monopolista-financeiros ao desenvolvimento nacional.

A reação ainda possui oxigênio

O fracasso da janeirada foi acachapante, pois sua meta imediata – impedir a consolidação dos eleitos, apeá-los do Governo Central e manter o Palácio do Planalto em suas mãos – desabou a olhos vistos. Posteriormente, os parlamentares que defenderam os criminosos na “CPI do Golpe” negam pelo revisionismo as próprias responsabilidades, procurando falsificar, cinicamente, a história recente. Ao jogarem a culpa nos alvos da Intentona, afirmando que teriam falhado na coerção ao desatino, procuraram transformar os vitimados em culpados, na eloquente prova de que a verdade nada lhes vale ou de que só a mentira lhes resta.

Falharam na imposição do caos, mas confessam que lhes são associados inclusive na esfera intelectual e no discurso póstero. Doravante, ninguém tem a desculpa da ignorância para crer nas suas palavras, que têm o selo da ficção autenticado pela fraude nos anais do Congresso Nacional e nas coberturas da imprensa. Entretanto, a guarda na luta precisa permanecer alta, pois a patranha tem um sujeito que a cria e repete, no coro com milhões de vozes. A extrema direita, tendo passado pela defensiva passageira, está bem viva, movimenta-se de maneira organizada e mantém seus principais aparatos atuantes.

Sofreu, decerto, enorme baque político, inclusive no aspecto simbólico. Ademais, perdeu a instituição governamental mais relevante, claro, e por via de consequência o meio por excelência de articular vários setores, órgãos e instituições, sobretudo estatais. Ainda possui, porém, uma forte influência no Congresso, além de uma rede ampla de prefeitos e governadores, com parlamentares nos mesmos níveis – sobretudo em Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo –, das quais se utilizam nas entranhas da forma federativo-republicana, inclusive em uma importante porção da burocracia nos “poderes” típicos da partilha montesquiana.

Ademais, é impossível relevar que as Forças Armadas e policial-militares, mesmo que temporariamente “pacificadas”, seguem como instituições-chave da coerção burguesa e ainda cheias de infestações fascistas. Já na sociedade civil, a extrema direita preserva, também, o apoio amealhado no “topo” quando as suas propostas ganharam o perfume de alternativa governamental – nomeadamente, os respaldos pecuniários, as estruturas e as influências políticas fornecidas pela fração reacionária do capital monopolista-financeiro, as reservas estratégicas no referente ao conteúdo e ao pertencimento estatal.

Ressalte-se, ainda, que a regressão bolsonariana extrapolou a forma mitológica, falastrona, caricata e corrupta do chefe-mor com seu entorno, vez que reúne massas votantes, “soldados” ativistas e recursos robótico-empresariais na mídia ciberespacial, cujas sombras ocultam falanges armadas em quadrilhas milicianas e CACs. Por fim, já dispõe de um partido para chamar de seu e de alguma depuração doutrinária, mesmo que sua face legal, nas instituições ou conjunturas eleitorais, precise reforçar o pragmatismo e o ecletismo, pondo as marcas monárquica, entreguista e liberal no brasão verde-amarelo.

IV – AS PRINCIPAIS DIRETRIZES TÁTICAS DO PRC

O novo período nas lutas entre classes

O último período na história política nacional foi marcado pelo acúmulo de forças favorável à extrema direita, visando à liquidação do regime democrático mediante um autogolpe. Tal processo se concluiu em 2022 com a vitória da frente ampla no pleito presidencial e seus desdobramentos, que assinalam uma nova conjuntura nas lutas entre classes ou suas frações. À época, o Palácio do Planalto foi desocupado pela extrema direita, constituiu-se o Governo Lula-Alckmin, frustrou-se a Intentona de Janeiro e iniciou-se a estabilização das relações institucionais, inclusive com as Forças Armadas e o Congresso.

Em que pese a primazia genérica do capital na sociedade civil, mediante múltiplas manifestações, as iniciativas de órgãos estatais que articulam o regime democrático foram ao primeiro plano. Na ausência de uma situação revolucionária e nas condições de paralisia nos movimentos populares de massas, foram intervenções de autoridades – Polícia Federal, Tribunais Superiores, Ministérios Públicos, Câmara e Senado –, em suas competências e atribuições, que acossaram os responsáveis pelos crimes contra os direitos fundamentais e as liberdades políticas, favorecendo o isolamento das forças golpistas.

Mesmo em face dos reveses e constrangimentos sofridos, os bolsonaristas e sua camarilha permanecem vivos. A extrema direita mantém seus objetivos e catalisa uma oposição sistemática, com expressiva influencia “por baixo”, apoio nas distintas camadas sociais e financiamento pelas frações fascistas ou hiperliberais dos grupos monopolista-financeiros que, mancomunados entre si, congregam consideráveis cacife político, representação nos parlamentos federativos, chefia governamental em importantes estados-membros e alicerces nevrálgicos na economia do País, além de conexões internacionais.

Com seus objetivos e suas ações, os inimigos do povo brasileiro, da Pátria e do regime democrático ajustaram suas táticas à nova conjuntura. Passaram a uma contraposição ferrenha, sem princípios e sem quartel a todas e quaisquer ações ou iniciativas efetivadas em nível central, em que preponderam mentiras e desinformações como armas fundamentais para obstruir as políticas e os trabalhos anunciados pela Presidência da República, pelas suas funções derivadas e pelos seus agentes subordinados. A sua meta é desgastar e sabotar o Governo Federal, mesmo prejudicando a Nação e os cidadãos.

Apesar das ações assertivas do Governo Lula-Alckmin, que até o momento vêm predominando a despeito de sua limitação e suas indecisões, muitas impostas pela correlação de forças –, a tática da extrema direita pode causar estragos substanciais às forças democráticas e progressistas. Acontece que mantém condições de mobilizar, principalmente, as tendências fascistas históricas no Brasil ou gestadas no seio da sociedade civil na última década. Sustentada e até impulsionada pelos ativistas fanáticos e falanges paramilitares, está pronta e ansiosa para retomar os seus métodos autocráticos e violentos.

O imperativo tático do entendimento

Considerando-se que o revés sofrido pela extrema direita resta inconcluso e que a disputa mantida pelos setores democrático-progressistas deve continuar na busca de uma decisão, as frações reacionárias da burguesia e suas expressões político-ideológicas seguem como inimigo principal. Tal campo, adverso e hostil, necessita ser combatido centrada e contundentemente. Assim, a união ampla se mantém imperativa. Continua fundamental isolar cada vez mais os agentes regressivos, sustentar os governos sensíveis aos anseios da população e pavimentar o caminho de novas conquistas – imediatas e futuras.

Para que o enfrentamento ao fascismo depurado e partidarizado, inclusive os seus aliados ideológicos ou de ocasião, alcance uma vitória profunda e duradoura, faz-se necessário que a política de frente ampla, operada no processo eleitoral como instrumento político-tático, continue sendo adubada e fortalecida. Isso implica zelar pelos entendimentos anteriores, a exemplo de alianças formadas entre forças distintas na “Coligação Brasil da Esperança”, bem como encorpadas no segundo turno, na montagem de governos e no arranjo entre forças para o exercício das medidas mediante iniciativas políticas nacionais.

Em consequência, é urgente que tais articulações tenham correspondências diversificadas e também propiciem as melhores condições para unir os diferentes interessados. São tendências de opiniões, partidos políticos, entidades representativas, personalidades nos vários domínios sociais, militantes organizados e indivíduos em geral – ou seja, desdobramentos multilaterais das lutas entre as classes ou suas frações –, todos relacionados ao enfrentamento concreto à extrema direita na conjuntura real. Um momento incontornável será o processo eleitoral em 2024, cujas movimentações já estão avançadas.

Em condições tão complexas e ainda indefinidas – em que a reação preparou golpes até atingir a presidente Rousseff, depois se apoiou no conservadorismo de Michel Temer para subir a rampa do Planalto, a seguir procurou aplicar um autogolpe, para enfim desferir a Intentona de Janeiro, e hoje, contida e acobertada pela institucionalidade oposicionista, conspira para reconstruir seu plano novamente golpista –, importa que a frente ampla ganhe concretude, raizame e organicidade própria, na sociedade política e na sociedade civil, assumindo a configuração coerente com a sua composição e o seu fim parcial.

A reunião dos setores democráticos já se mostrou efetiva e propiciou a desenvoltura necessária para se coerir, alargar suas bases de apoio e sensibilizar grandes massas. Dentro e fora das instituições estatais, os partidos à esquerda, os segmentos progressistas, os democratas que rejeitam os ardis ultraliberais e os patriotas que vão além do verde-amarelismo demagógico, todos comprometidos com as necessidades nacionais, são chamados a sustentar o Governo Federal e rechaçar os retrocessos. Trata-se de impedir, agregando as forças e mobilizando as multidões, que a serpente redestile o seu veneno.

A seara preferencial do bloco histórico

Para que o arco amplo alcance vitórias mais sólidas, o espectro à esquerda necessita ocupar o polo dinâmico de alianças e assumir a posição dirigente nos embates concretos. Para tanto, é urgente uma plataforma que articule a defesa do regime democrático e dos interesses nacionais às demais dimensões das lutas entre as classes, contemplando anseios básicos do povo – proletários, camponeses, pequeno-burgueses urbanos –, expressos ainda nos embates antirracistas, bem como nas demandas de jovens, mulheres e segmentos discriminados a pretexto de sua diversidade sexual, e assim por diante.

Trata-se de aplainar o caminho para resolver impasses históricos e problemas crônicos da formação econômico-social brasileira, ainda por serem equacionados adequadamente. Nessa perspectiva, o protagonismo proletário-popular é imprescindível. Mesmo que os governos e os contenciosos institucionais cumpram o seu papel na elaboração e aplicação de políticas públicas que atendam carências das multidões, o farão parcial e temporariamente, pois jamais a correlação de forças mudará sem a mobilização extraoficial de massas – no limite, revolucionária –, considerando-se os seus discernimento e consciência políticos.

Ao contrário de incoerência, fraqueza ou estorvo, a linha de amplitude, na perspectiva da iniciativa política, é primordial para fortalecer o bloco histórico em face das condições reais, alargando as trilhas de atuação e permitindo aos comunistas se ligarem às grandes massas, prosperarem politicamente e crescerem organicamente. Um cenário radicalmente oposto seria o isolamento. As posturas testemunhais a priori – cujo caráter vanguardista é pautado pelo “esquerdismo” no sentido lenineano da palavra – devem ser firmemente recusadas, pois se alheiam do momento histórico e da conjuntura política real.

Tal conduta não significa deixar para o extremo-direitismo a crítica sobre os erros de administrações democráticas. Seria como abrir mão de fazer disputa política. Em vez de somar-se aos fascistas ou adotar um alinhamento subserviente, as forças e entidades populares, incluindo seus partidos, precisam manter autonomia em face de governos que apoiam e também defendê-los de ataques reacionários. Quando necessário, encetar observações mediadas e refinadas, inúteis como ferramentas oposicionistas, assim como apoiar medidas que debilitem os inimigos, sempre considerando as correlações de forças.

O mesmo vale sobre o ambiente preferencial das lutas. Mais produtivo do que frequentar órgãos estatais – governos e outras instituições públicas – é concentrar esforço e militância nas entidades representativas de massas, mormente as que organizam categorias econômicas e traduzem suas reivindicações. Os sindicatos são, por excelência, veículos fundamentais para que os proletários ‒ a grande maioria da força laboral ‒ elevem suas condições de vida e consciência de classe. O seu movimento – cuja coluna vertebral é contraditar o capital – foi determinante nas conquistas alcançadas pelo povo brasileiro.

O papel do movimento sindical

Nas duas últimas décadas, o movimento sindical vem sofrendo ataques, ao passo que suas lutas no Brasil vivem impasses: dispersão, transfúgio, vacilação, influência liberal e contratura de bases. Algumas entidades amargam vícios como burocratização, distância das categorias, baixa representatividade e subsunção ao senso comum ou hegemonia dominante. Predominam métodos que subestimam os problemas concretos no local de trabalho, privilegiando lobbies, acordos “por cima” e buscas cegas por maioria, o que vem favorecendo a impotência e a capitulação perante mecanismos domesticadores.

Destaquem-se o aparelhamento e a partidarização das entidades. Ademais, verificam-se avanços da extrema direita em sindicatos, fenômeno mais grave do que o antigo peleguismo. Mesmo com seus impasses, a vertente proletário-sindical foi um esteio da resistência democrática. Mas, no atual período político, as suas instituições precisam redimensionar-se, para que assumam posição mais ativa e mobilizadora em defesa dos interesses representados. Só assim contribuirão para o êxito das políticas amplas e a obtenção de novas conquistas, mediante a intervenção nos assuntos nacionais decisivos.

O movimento sindical precisa de uma plataforma enxuta, que traduza os anseios emergenciais dos trabalhadores, além do calendário para mobilizações nacionais, sob a direção de um comando articulado e unificado, inclusive por baixo, nos locais de trabalho. Para que tais iniciativas obtenham êxito, cumpre superar o confessionalismo e o pluralismo, umbilicalmente ligados ao sindicalismo liberal: o primeiro, por vedar o vínculo entre as entidades que o adotam e seus representados como conjunto; e o segundo, por gerar o esfarelamento geral e promover a multiplicação de sindicatos na mesma base.

Tais concepções induzem as entidades a encamparem posições artificiais em face dos governos, dividindo forças, inibindo potenciais e abrindo brechas para os expedientes burgueses de sapa. O caminho para fortalecê-las passa pelo princípio da unicidade, preservando, internamente, os seus debates, características e finalidades. Assim, aprimorarão seu caráter representativo, democrático e de massas, fortalecerão a livre organização e soberania dos trabalhadores, inclusive seus fóruns e assembleias, privilegiarão as posturas práticas e representatividade, construirão as plataformas comuns e ações unitárias.

Um desafio do movimento sindical é o enraizamento nas categorias e no chão das empresas, lutando por reivindicações sentidas, elevando consciências, melhorando a organização e atuando com dedicação. Ademais, as campanhas de filiação e sensibilização deverão alargar-se, indo muito além das bases filiadas ou dos setores à esquerda, para valorizar e fortalecer as lutas. Por fim, é indispensável acolher novos desafios, associando massas desempregadas, ocupadas parcialmente, precarizadas e terceirizadas – os semiproletários e “contapropristas” –, que o capitalismo contemporâneo marginalizou.

As reivindicações das entidades laborais

Nas últimas décadas, mudanças legislativas restringiram os direitos sindicais do proletariado brasileiro – conquistados em um século de lutas –, fragmentando e desestruturando as relações laborais, além de atacarem os recursos e a organização das entidades representativas. Durante os governos Temer e Bolsonaro, as contrarreformas se aprofundaram, evoluindo quantitativamente até operarem o salto qualitativo de uma desregulamentação acentuada. Foi um período sombrio, que ampliou desmedidamente as formas de subemprego, as terceirizações, a redução dos salários reais e o trabalho sem direitos.

O governo Lula-Alckmim procura neutralizar tal herança. Todavia, o movimento sindical só a reverterá se agir unitariamente. O primeiro passo é reconquistar e aprofundar os direitos suprimidos, retomando-se o processo interrompido em 2016. O diálogo, a busca de apoio e os entendimentos na sociedade política são importantes, mas nunca podem comprometer a necessária independência das entidades representativas em relação ao Estado, aos governos, aos patrões e aos partidos políticos, muito menos substituir as mobilizações nos locais de trabalho, as lutas sindicais e o protagonismo das massas.

As entidades não devem priorizar os corredores palacianos e os temas de costumes afetos a indivíduos, nem substituir os pleitos sentidos, inclusive políticos, por assuntos pretensamente avançados como pautas “cidadãs” e vanguardistas. Novo pulso ascendente virá, mas supõe um resgate às capacidades sindicais, com destaque à de mobilizar trabalhadores por reivindicações concretas para melhorar suas vidas e condições, não raro como luta política. Eis os elementos-chave: comando nacional único das entidades, pauta baseada por baixo nos sindicatos, plano de mobilização e calendário de ações.

Na plataforma, destacam-se: exigência para o MTE cumprir a fiscalização; remontagem nos direitos laborais básicos, eliminando a terceirização irrestrita, precarização e relação ilegal; elevação dos salários e, progressivamente, o mínimo real; garantia de remuneração igual para o mesmo trabalho, combate aos acidentes e doenças; redução da jornada sem corte salarial e ocupacional; instituição da política nacional para pleno emprego e frentes emergenciais; vedação de qualquer dispensa imotivada; provisão previdenciária do bem-estar para o segurado e aposentadoria especial para trabalho penoso.

Na estruturação e no funcionamento sindical, é um tema de princípio a defesa da unicidade, que implica o combate à pluralidade, à fragmentação e à multiplicação das entidades, receitas em voga para enfraquecer as entidades representativas. Por via de consequência, é importante promover as fusões, incorporações, uniões e ações comuns, formas práticas de garantir a soberania e autonomia dos sindicatos, inclusive de assembleias e regulamentações financeiras, como também o acesso da organização às dependências das empresas, sobretudo aos locais onde acontecem os trabalhos efetivos.

As tarefas dos comunistas nas lutas populares

As “Jornadas de Junho” representaram uma inflexão nas mobilizações nacionais, mormente as que findaram o ciclo militar e conquistaram o novo regime político – greves operárias, Diretas-Já, disputas constitucionais –, em que forças democráticas foram protagonistas. Embora tenham sido desencadeadas por movimentos de jovens progressistas, as manifestações de 2013 também marcaram o início da constante ascensão de grupos protofascistas, que disputaram seus rumos. A pregação antipolítica e golpista, combinada com lemas hostis a reformas avançadas, revelou traços elitistas e nostalgia regressiva. Não raro, atacou partidos à esquerda, setores discriminados e movimentos populares.

Mesmo no cenário desfavorável, antes ou durante o Governo Bolsonaro, aconteceram mobilizações de massas com papel fundamental no acúmulo de forças e na unificação democrática. Destacou-se o movimento popular, porta-voz das reivindicações majoritárias, que agrega organizações com substâncias distintas e se constitui com base nas demandas concretas, bem como se mobiliza pelos propósitos comuns, nascidos no conflito com as políticas estatais que os prejudicam. Seu caráter brota entre os “de baixo”, a maioria diversificada que precisa de mudanças – o povo. Logo, sem alinhamentos ideológicos prévios.

O sindicalismo expressa, basicamente, a organização espontânea da classe que, por ser universal no capitalismo e viver a contradição no âmago do modo produtivo, é “a possibilidade positiva da emancipação” – Marx –, sendo, pois, a prioridade. O movimento popular inclui – além do proletariado e os demais trabalhadores –, outros setores, como identidades por grupos temáticos de indivíduos. Mas o papel mais relevante fora do mundo laboral é jogado pelas representações de moradores nas favelas ou bairros e dos estudantes nas universidades ou colégios, que unem massas com base nos recortes concretos e problemas sensíveis.

Como em outras conjunturas e situações, as lutas populares mantêm a sua função decisiva, mas desde que secundarizem as contradições internas e avultem as reivindicações que as vinculem ao campo democrático-progressista, principalmente quando a extrema direita continua viva. Destacar o relevo das entidades representativas de massas não equivale a diminuir as instituições que defendem pleitos da juventude, das mulheres, ambientais e climáticos, bem como combatem o racismo e demais discriminações. Significa expandi-las bem além dos setores já identificados com a esquerda.

Nas décadas recentes, os ataques neoliberais, aos interesses e organizações pertencentes às classes e camadas “de baixo”, e, hoje, as políticas ultraliberais assumidas e propagadas pela extrema direita, procuram fragmentar e atomizar o movimento popular em geral e na vida particular, inclusive nos locais de trabalho, intenções aprofundadas ainda mais pelo cultivo a bolhas nos costumes e ao uso de algoritmos nas redes sociais. A contraposição ao individualismo e ao conservadorismo, que tais procedimentos buscam promover, passa pela promoção aos espaços de convivência, especialmente para fortalecer as entidades representativas de massas. Nessa perspectiva, destaca-se a importância de um tripé: formação política, cultura nacional popular e integração solidária, não apenas no Partido e na frente, mas também nos ambientes sindicais. A finalidade é valorizar formas de convivência coletiva conflitantes com as políticas reacionárias e mesmo com a lógica do capital monopolista-financeiro.

Em geral, os movimentos populares devem aprimorar suas lutas. Os comunistas, como sempre, assumem a tarefa de pioneiros sociais e principais referências, inclusive no combate às influências liberais e aos arroubos “esquerdistas”. Precisam trabalhar para que os movimentos populares influam mais na política nacional, dando sustentação a governos democráticos, atuando em prol de políticas progressistas, contribuindo para suprir as necessidades básicas das maiorias e recusando as cantigas de sereias reacionárias. Nos entes federativos geridos pelos fascistas, a militância comunista redobra os esforços.

V – A TRILHA PARA VENCER DECISIVAMENTE A REAÇÃO POLÍTICA

O contexto imediatamente posterior à Intentona

A frente ampla em torno da chapa Lula-Alckmim e de candidaturas majoritárias estaduais, ainda que inorgânica e parcial, cumpriu seu objetivo tático central, isto é, promoveu candidaturas e campanhas unitárias para desalojar da Presidência o comando reacionário, bem como eleger bancadas e governadores com propósitos democráticos. A vitória da coalizão eleitoral exige que a unidade alcançada prossiga em um patamar diferente, agora para consolidar o isolamento da extrema direita, sustentar os governos progressistas em face das investidas fascistas e propiciar os novos avanços de interesse popular.

O arco de oposição reuniu as forças responsáveis pela vitória nas urnas. Hoje, considerando-se a correlação de forças, o compósito na equipe administrativa e o diálogo no Congresso, a coalizão incorpora outros agentes. Logo, trata-se de um governo suprapartidário, incluindo: setores monopolista-financeiros – inclusive certos agropecuaristas –, os segmentos burgueses fora do metabolismo hegemônico e uma porção de pequeno-burgueses na cidade, além das classes trabalhadoras, ou seja, o proletariado urbano e rural, o campesinato sem ou com pouca terra, os desempregados e os segmentos sem vínculos ou direitos trabalhistas.

Refletindo a sua composição de classes, na expressão político-ideológica, o Governo Federal tem, igualmente, uma óbvia pluralidade, perante a qual não se pode aguardar uma ruptura que nunca pretendeu. Perfilado em forma de aliança democrática determinada pela obrigação incontornável de ajuntar nas eleições as forças desejosas de conter a reação bolsonariana, teve também que se abrir para outros entendimentos na sociedade política, sob a pena de perecer ou estagnar. Também ampliou a interlocução na sociedade civil, completando a base indispensável para se viabilizar em um País dividido.

Eis por que – ao contrário de formadas por “livre arbítrio” – as equipes ministeriais nos vários escalões são integradas por distintos matizes de atores: comunistas, socialistas, socialdemocratas, nacionalistas, reformistas, democratas e liberais, além de conservadores, carreiristas, oportunistas e fisiológicos, inclusive até frações “maculadas” no Governo anterior, com direito a pitorescos ecletismos. No entanto, a hegemonia social-liberal paira sobre tal gradiente. Ou se o reconhece, por cima de individuais desejos e frustrações, ou se assume a sua degradação, inviabilizando a continuidade governamental.

Por si, a composição e o predomínio são insuficientes para taxar o Governo Central como imerso na conciliação de classes. No seu interior habitam interesses contraditórios, até antagônicos; porém, a situação exige objetivos e ações comuns, tais como aplicar medidas emergenciais e defender-se da oposição feroz. Sem opção de romper agora o jugo monopolista-financeiro – inclusive do imperialismo e do latifúndio – e ingressar na passagem socialista, resta mitigar o sofrimento popular com políticas universais, suprir as demandas populares parciais e promover o desenvolvimento com reformas progressistas.

A conduta em face do Governo Lula-Alckmin

Com a pressão hiperliberal e a espreita fascista, os êxitos parciais beneficiam o acúmulo de forças, porque, mesmo em condições melhores do que no período anterior, as classes populares ainda estão na defensiva e com dificuldades. Assim, garantir as medidas em favor das maiorias sociais, entre as quais o bom desempenho do Governo Lula-Alkmin, é uma dimensão da linha tática na conjuntura. Nas diversas esferas de atuação política, os comunistas e os demais democratas o apoiam para seguir avançando, sempre de olho no evolver conjuntural, no grau de consciência popular e no ânimo das massas.

Para manter a iniciativa tática e as posições conquistadas no processo eleitoral, inclusive no primeiro ano de administração progressista, o campo proletário-popular tem que incorporar o acúmulo conjunto, impor derrotas cada vez mais significativas à extrema direita e reduzir ao máximo a influência da reação política no Brasil. Para tanto, é preciso que os diálogos, entendimentos e acordos saiam do ambiente viciado pelo varejo e pelo empirismo. A frente deve ganhar organicidade, adquirir formalidade própria, funcionar com perseverança e responder às exigências dos novos tempos, conforme as suas características e tarefas.

O PRC manterá sua permanente autonomia em face de quaisquer administrações, ainda que lhes declare apoio, mas defenderá os governos democráticos e progressistas dos ataques reacionários, mesmo que precise criticá-los. Considerando-se a correlação de forças nas instituições públicas e na sociedade, os eventuais reparos devem ser nomeados com atitudes concretas. Vale dizer: incidirão sobre pontos específicos e serão feitos por meio de métodos apropriados às circunstâncias, de modo que não se convertam em instrumentos da oposição política, seja esquerdista, seja extremo-direitista.

Com a bancada parlamentar de sustentação e apoio bem minoritária no Congresso Nacional, o trabalho institucional e as iniciativas governamentais, assim como as reivindicações nas lutas e mobilizações populares, pedem muito senso tático. A compreensão acerca dos processos e as negociações ponto a ponto são recomendáveis para lidar, seja com setores conservadores democráticos, seja com autoridades que se afastaram do Governo anterior por quaisquer motivos. Toda espécie de preconceito, sectarismo, revanchismo e provocação fortaleceria os inimigos do povo e blocaria os seus apoiadores.

No interior do campo favorável ao Governo Federal, os partidos, agrupamentos e dirigentes mais consequentes têm que assumir o protagonismo, zelar pela unidade, soldar confianças e cultivar comportamentos solidários. Ademais, precisam tomar iniciativa na formulação de propostas, articular posições adequadas e buscar fórmulas criativas para suprir as carências da população. Acima de quaisquer óbices ou dificuldades, por maiores ou mais complexos que sejam, devem agir sem o vício do exclusivismo, sempre prontos a entendimentos e composições para garantir o sucesso das medidas avançadas.

O tratamento às contradições “de cima”

A crise da economia capitalista e os problemas sociais, agravados pelo governo da reação bolsonariana, resultaram na busca de alternativas, tangendo as lutas entre classes ao agravamento, seja como coerção e “austeridade”, seja na forma de movimentações de massas por reivindicações. Foi o que o Brasil viveu no processo golpista e na resistência democrática, quando se acirraram os conflitos, inclusive internacionalmente. Abriram-se novos realinhamentos e composições, que devem ser aproveitados pelo Partido. Assim, alguns temas podem contribuir para estabelecer brechas e neutralizar frações burguesas.

Portanto, é preciso ter flexibilidade nas propostas e procedimentos. O momento é impróprio para guerras de bagatelas e “queixo duro”, como se cada coisa fosse definir o destino da humanidade. Mais adequado é priorizar os assuntos centrais e realizar mediações para conquistar maiorias, sem condutas erráticas e diletantes, sem polarizações desnecessárias ou estéreis, que fornecem oxigênio à extrema direita. Um equívoco é achar que o embate mediante questões concretas, levando em conta os dilemas, impasses e consequências de cada postura, seria pragmatismo adaptacionista e realpolitik.

As discordâncias entre aliados, que sempre aconteceram e continuarão existindo em qualquer lugar da vida social, inclusive dentro e fora dos partidos à esquerda, devem ser equacionadas longe das verborragias midiáticas e de cobranças ressentidas em relação a posições ou ações passadas. O método mais adequado é sempre a conduta respeitosa, que reforça o clima de unidade nas forças e agremiações aliadas. Cada caso exige tratamento singular, que valorize problemas e posicionamentos concretos, visando a formar consensos balizados em decisões coletivas e reforçados pelas instâncias legitimas.

Sem ilusões e com responsabilidade, as composições, mediações ou concessões que o campo popular realize devem ser abordadas como de fato são: imperativos incontornáveis na correlação de forças real, necessidades na manutenção de alianças e procedimentos para o acumulo de forças na efetivação do central objetivo tático. A negação dos acordos e das mediações – como também, ao contrário, as suas simples absorções acríticas e ingênuas – rebaixaria o horizonte político e as possibilidades realizadoras da frente, podendo gerar, no limite, o transfúgio governamental e o alheamento popular.

Para que o campo democrático-progressista consolide a sua base institucional e amplie a sua influência na sociedade civil, é preciso debater sobre as diferenças ideológicas, doutrinárias e ainda estratégicas entre as forças do espectro à esquerda, inclusive para justificar o caráter irrecorrível do combate ao extremo-direitismo e os fundamentos filosóficos da política revolucionária. Todavia, o contencioso teórico jamais deve obstruir as questões concretas. Com firmeza de princípios, é preciso prestar homenagem aos temas centrais e impactantes, visando ao interesse proletário em cada elemento em jogo.

O papel nuclear das massas na disputa política

O fascismo é um fenômeno que brota e se desenvolve na sociedade civil, para ganhar espaços na sociedade política, disseminar-se no Estado e transformar o regime político em uma instituição autocrático-ditatorial, conforme a sua ideologia intrinsecamente antioperária e anticomunista. Enfrentá-lo com todo rigor e determinação no interior das máquinas públicas, é fundamental e decisivo. Todavia, o locus privilegiado das iniciativas e ações antifascistas é a mobilização da sociedade civil e suas forças democráticas, mormente as massas populares, alicerçada nos seus anseios e interesses mais sentidos.

Os impasses e problemas do povo brasileiro, em vez do mero enfrentamento a frio, em negociação palaciana ou simples vontade governamental, exigem o calor das multidões. A extrema direita se nutre nos problemas estruturais, especialmente na última década, quando as condições de vida pioraram, criando insatisfações, carências e demandas na população, inclusive nas classes trabalhadoras. Devem os comunistas, como detentores de uma dedicação e de uma propriedade maiores que as dos reacionários, galvanizarem os anseios mudancistas enraizados nas massas, dirigindo-os na direção avançada e transformadora.

A militância do PRC e o seu corpo de simpatizantes, comprometidos com o regime político democrático e, historicamente, com a revolução política de “alma social” postulada por Marx, precisam impulsionar o combate à extrema direita, para tanto construindo espaços de articulação e mobilização conjuntas na sociedade civil, além de aglutinar forças e tomar iniciativas unitárias. Nessa perspectiva, trabalham coletivamente no movimento sindical, nas entidades populares representativas e nos grupos temáticos, forjando suas organicidades próprias nos locais de trabalho, estudo e moradia.

Para que os pioneiros sociais consigam vincular-se profundamente às massas, principalmente ao proletariado produtivo, e promover o seu envolvimento como grande multidão, muito além dos círculos asfixiantes só frequentados por ativistas, é imprescindível abandonar posturas principistas, esquerdistas e vanguardistas, não raro sob a forma de lemas estranhos à vida e à subjetividade reais na maioria da população nacional. Especiais rechaços merecem condutas e propostas que privilegiem diferenças ou divergências no interior da frente única, em detrimento sistemático das que mais agregam.

Para transcender os limites restritivos do ativismo pequeno-burguês, reencontrando a mobilização de grandes massas, é imperativo adequar sempre as propostas e iniciativas ao seu grau de consciência. Tal objetivo pode ser atingido se as lutas pelas tradicionais e novas conquistas forem combinadas com a defesa do Governo Federal contra os ataques extremo-direitistas. Os pleitos concretos, enxutos e referentes ao cotidiano do povo, inclusive os de ordem política, têm primazia sobre os temas particularistas ou especificistas que, mesmo atendendo a certos segmentos, carecem de potencial unificador.

A plataforma nacional, democrática e progressista

A mobilização de massas precisa de uma plataforma geral unitária, com pontos sustentadores das lutas concretas que se articulam e se reforçam mutuamente, além de propor ações comuns entre setores interessados. Hoje, tal formulação deve ser a referência para iniciativas da frente ampla e seu governo. Além de refazer políticas e instituições arruinadas pelo protofascismo, tem que congregar o conjunto com mediações, conter as reivindicações ansiadas pelos “de baixo”, favorecer a transformação dos partidos à esquerda em polo dinâmico de seus aliados e melhorar sensivelmente a vida social do povo.

As condições internacionais realçam, como elemento-chave do período, a questão nacional. Tal realidade, além de favorecer a luta pela soberania brasileira, põe a necessidade real de promover uma política externa valorizadora do Brics, uma ordem imune ao belicismo da Otan e uma divisão internacional entre países altivos ante o imperialismo norte-americano com seu bloco no Atlântico Norte-Ocidental. Trata-se de garantir as diretrizes de autodeterminação, de autonomia perante as grandes potências belicistas e de paz mundial, contra imposições, provocações, chantagens, ameaças e agressões.

A luta pela soberania do País passa pela proteção estatal e territorial contra os desígnios imperialistas. Implica o direito popular sobre as riquezas naturais e culturais, além da infraestrutura que o garanta. Destaque-se a percepção de que o povo e a Nação brasileiros, ainda que unos, constituem uma unidade na diversidade, surgida no sincretismo de populações originárias, europeus – na maioria, portugueses –, africanos e asiáticos. As suas gêneses começaram sob a colonização e geraram, sobre a divisão em classes do modo produtivo escravista, uma totalidade com passado, futuro e perfil únicos nas suas variedades: forma de ser, visão de si, cultura e sentimento.

A soberania é condição fundamental para um desenvolvimento próprio e insubmisso, vinculado aos interesses majoritários, que articule os potenciais e diversidades regionais. Favoreça, também, o alargamento progressivo das conquistas laborais, da seguridade social, das normas previdenciários e demais conquistas sociais. Impulsione, ainda, como ferramenta e ambiente mobilizador, a unificação e a confiança popular para pleitear uma plataforma avançada, capaz de acolher, sintetizar, concretizar e articular, conjuntamente, as básicas exigências populares, democráticas e progressistas, como segue.

Soberania do Brasil. Proteção, recuperação e uso racional dos biomas. Regime democrático e liberdades fundamentais, eliminando preconceitos e discriminações. Trabalho-emprego como chave no desenvolvimento e combate à pobreza. Economia produtiva e mercado interno com proteção ante a especulação e a remessa de lucros. Empresas e patrimônio estatais como base no desenvolvimento. Serviço público gratuito e universal de saúde, cultura, educação, infraestrutura e transporte. Segurança pública centrada no combate ao crime organizado. Políticas de reforma agrária, com massiva titulação de posse aos camponeses sem terra.

As eleições de 2024 e a tática eleitoral

As condições vigentes nas lutas entre classes e a correlação de forças no período atual, compõem as eleições municipais, em 2024, como disputa significativa e prioritária contra a extrema direita no País. Desde as articulações iniciais, que já estão avançadas, é uma oportunidade para isolar mais ainda o bolsonarismo, ratificar o arco de apoio ao Governo Federal no combate à oposição reacionária, consolidar em cada município a vitória nacional obtida pela frente ampla em 2022, mobilizar o povo em torno dos assuntos que o atingem, debater os interesses das maiorias nacionais e fortalecer o campo democrático.

O principal objetivo dos comunistas no próximo pleito – que também diz respeito ao movimento popular – é derrotar os candidatos majoritários da extrema direita e comprimir as bancadas reacionárias das câmaras, sobretudo nas maiores cidades. As demais pretensões – mesmo teoricamente justificáveis e amparadas em direitos – precisam reger-se pela tática central, sob a pena de se afundarem no particularismo. Visando a lutar em melhores condições, os entendimentos começam pelas forças que apoiaram Lula-Alckmim no segundo turno. Posteriormente, podem fazer novos acordos para vencer.

Para tanto, é recomendável criar espaços formais e públicos, visando ao entendimento e à deliberação entre partidos, setores, segmentos e dirigentes políticos, em âmbito nacional e nos estados-membros. As iniciativas favorecerão conversações, efetivarão eventuais flexões táticas locais e articularão composições de chapas nos municípios. Tal procedimento, além de garantir a independência dos vários atores políticos, evitará que o Governo Central seja contaminado por minúsculos problemas e óbices. Também unificará discursos e procedimentos, potencializando a capacidade aliada no embate.

Na construção de semelhantes procedimentos políticos, é preciso levar em conta o respeito rigoroso aos acordos realizados na construção da frente ampla e na base de apoio governamental, bem como considerar o peso eleitoral mantido pelos atuais detentores de mandatos. A regra de ouro é lançar candidaturas e garantir prefeitos, como ainda bancadas, em contraposição ao bolsonarismo no maior número de municípios, se possível alinhados ao Governo Federal. Sem menosprezar localidades menores, merecem atenção especial os maiores colégios e cidades onde pode haver segundo turno.

As disputas pelo voto se nacionalizarão, com discursos e gestos “radicais” da ultradireita, que se apresentará com identidade própria na bipolaridade ainda presente na sociedade. A resposta pode cair em dois erros extremos: ficar na simples agitação e nos ataques principistas; ou prostrar-se na defensiva tática, iludindo-se com “soluções” paroquiais de problemas “locais”. O correto é confrontar os reacionários, travar o debate nacional e destacar-se como a melhor alternativa para responder aos anseios das grandes maiorias. Todavia, será necessário sensibilizá-las com formulações concretas e amplas.

Acesse aqui o arquivo das resoluções em formato PDF.

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