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As crônicas políticas nas duas últimas semanas parecem um roteiro de film noir, o célebre subgênero policial romântico de suspense que provocou furor nos anos 1940 estadunidenses, diretamente influenciado pelo expressionismo alemão cujo ápice ocorreu entre as duas grandes guerras mundiais. Em janeiro, alguns vazamentos aconteceram sobre a “delação” de Ronnie Lessa, que aguardaria uma homologação pelo STJ. Conforme os rumores, as confissões à PF – prestadas pelo ex-PM já desmascarado como atirador na execução da vereadora carioca Marielle Franco em 14/3/2018 – estariam indicando a figura de um mandante, além de sugerirem a hipótese de haver um núcleo responsável.

A Nação assiste, assim, à etapa final de um inquérito que vem arrastando-se há cinco anos sob as governanças da extrema-direita, cheio de manobras diversionistas e sabotagens de setores burocratas-estatais, no Rio de Janeiro e no âmbito federal. O simples otimismo da esperança é ilusório e paralisante, vez que os procedimentos referentes a um delito profissional e fatos intrincados foram perturbados, nas esferas consideradas competentes, por meio de pactos negligentes, não raro acumpliciamentos. Continua obscuro se a dita colaboração estaria fundamentada em provas – sem as quais só valeria para sugerir alternativas investigativas – ou, caso exista, seria mais uma cortina de fumaça.

Concomitantemente, a PF começou a percorrer os corredores da instituição Abin, vasculhando rastros egressos do período Bolsonaro sobre um esquema paralelo para espionar partidos, movimentos e desafetos, inclusive os ministros funcionais da Magna Corte, visando a promover intrigas e chantagens. Todavia, maior e mais grave do que a já por si odiosa operação para xeretar os adversários e blindar familiares, a estrutura escondida era uma ramificação do plano autogolpista, concebido e dirigido pelo mandatário anterior e seus auxiliares diretos. Ramagem, hoje parlamentar, mas na época homem da confiança palaciana para dar cartas na inteligência clandestina, evidenciou-se como alvo inicial.

No desdobramento, agentes foram afastados por integrarem a conspirata que usava, sem autorização judicial, um aplicativo para monitorar “inimigos internos”, conforme a expressão comum nos tempos do regime ditatorial-militar. Entrementes, nove locais foram atingidos no encalço de Carlos Bolsonaro, inclusive a casa do pai em Angra dos Reis. Depois, a suspeição de conluio entre antigos e atuais servidores do controverso gabinete informacional passou a gerar uma crise, culminando na demissão de Moretti, que ficara em posição delicada por causa de ligações duvidosas no passado e no presente. O general Heleno, por sua vez, precisará esmerar-se para camuflar os seus comprometimentos.

O governo federal, mesmo nas condições do regime democrático, amparado nos dispositivos constitucionais, com respaldo na sociedade civil e secundado pelo papel até agora positivo do Supremo, depara-se com certa leniência em setores do aparato estatal, mormente aqueles cujas funções implicam uma convivência orgânica e cotidiana com as tarefas de inteligência e coerção. Assim, ouvem-se novamente os sinistros ecos da passagem por cima nos anos 1970 e 1980, controlada e incompleta. Seus resultados a meio-pano desafiam, frequentemente, os anseios nacional-populares. Os reclamos por solução e completude se justificam, pois vira e mexe a sombra da retrocessão paira sobre o Brasil.

Agora, o núcleo fascista quer atrair a maioria conservadora, para manietar os ministros que julgam réus com fórum especial. Pretextando “perseguição política” e “ditadura do Judiciário”, quer blindar os comparsas. O discurso anarcoburguês pretende “aprimorar” um PL já pronto. Pode ainda impor gargalos aos processos, forçando a tramitação longa e truncada, por tribunais regionais e pelo TSJ. Há também articulações para limitar o mandato ministerial e acabar com a reeleição governamental. Contudo, a verdadeira urgência, que tenta escamotear, é o monitoramento ilegal de parlamentares pela espionagem paralela, vale dizer, um claro ataque às garantias individuais e às prerrogativas parlamentares.

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