Os bons mágicos fazem de suas dissimulações uma “existência” fugaz que o espectador conhece com certeza, e aguarda. O belo da ilusão consentida consiste na reafirmação do real pela sua negação artificial, momentânea e pitoresca. Só assim pode haver a surpresa do espetáculo. Ao contrário de Houdini, o tal Ives Gandra Filho é um farsante barato e tosco, pois deseja tão somente suprimir a substância objetiva da legislação e, portanto, extinguir até mesmo a quimera de uma igualdade social com alma política. O membro do TST, sem qualquer tino de prestidigitação, vai direto ao que pretende: converter o artigo 9º da Constituição, que fixa nitidamente o direito à greve, em uma tabula rasa.
Eis como, taxando a paralisação como abusiva quando apresenta reivindicação política, prepara o terreno para justificar os atos coercitivos contra o proletariado e o movimento sindical: “quando a motivação desborda para o campo político, a greve não se insere no direito coletivo dos trabalhadores, pois a disputa é, na realidade, político-partidária”. O governador paulista, um leigo em matéria jurídica, utiliza o mesmo diapasão autocrático para dizer que os servidores no transporte público estariam fora da lei e deveriam ser reprimidos. Quanto ao ministro, parece muito estranho que se autoproclame defensor doutrinário do jusnaturalismo e, por consequência, dos célebres direitos humanos.
Todavia, palavras genéricas têm conteúdos particulares, não raro adequados aos interesses de classe que os conformam. Trata-se, no caso, de uma formulação baseada na vertente neotomista, mas cujos princípios se restringem à liberdade absoluta e incontestável do mesmo capital que articula o metabolismo econômico vigente, relativo à propriedade, à exploração e ao lucro. No caso em tela, são ações mescladas com a ultraconservadora nostalgia do passado e da memória oligárquica, representada emblematicamente na sua orgânica filiação à seita Praelatura Sanctae Crucis et Opus Dei, junto à qual firmou seus votos inconfessáveis e pela qual pratica seu fiel “sacerdócio” na Corte Maior.
Certamente, a seara em que vive, formula e atua vem não da herança genética – o falível “tal pai tal filho” – que não escolheu, mas do fascismo do qual se fez ideólogo e representante no topo da sociedade política, sempre servindo à extrema-direita e aos patrões. Ao leitor se dispensa o inventário de reacionarismos. Melhor é observar sua teoria sobre a proibição de paralisação política. Há uma imprecisão inicial. O magistrado é contra e combate quaisquer greves, sem pestanejar e mesmo avaliar o que as provoca. De mais a mais, camufla deliberadamente que, ao dispor sobre o direito em questão, a Carta Magna em parte nenhuma distingue seu caráter ou sequer o limita em face de consignas.
Que autoridade possui o inimigo do mundo laboral para criticar o ativismo judicial, uma vez que suas teses derivam de uma doutrina que rescende ao medievalismo e de meras jurisprudências com motivações antissindicais? Ora, somente os trabalhadores devem decidir o momento adequado e objetivo escolhido para sua mobilização. Dizer que a “política” é sempre “partidária” tem um sentido evidente: qualquer pleito que transpusesse o mero reclamo contra um patrão específico seria vedado; as reivindicações acerca de leis e normas estariam proibidas, inclusive sobre o trabalho, a previdência e os salários; as massas proletárias e populares não participariam diretamente nas decisões nacionais.
Se a política é monopólio dos partidos, por respeito à lógica formal – como a exposta nos Comentários tomistas sobre os Posteriores Analíticos, de Aristóteles – o senhor Gandra precisaria insurgir-se também contra os seus próprios atos inequivocamente políticos, pois são determinados pelos dogmas de uma ordem religiosa fundamentalista e operantes na seção da burocracia estatal nominalmente autodeclarada responsável por equalizar uma hipossuficiência da classe que reproduz as riquezas, os valores, a mais valia e, por conseguinte, o próprio capital. Semelhante incoerência revela de modo bem claro a catadura da figura ilustre, que se move através de um direito subjetivo muito suspeito.