Por Gabriela Moncau—
“Aqui é o encontro de todas as nossas comunidades”, descreve, entre as barracas da Feira Nacional da Reforma Agrária, a agricultora Suely Oliveira, do Acampamento Marielle Vive. “Você encontra parceiros de luta, é uma confraternização, isso me deixa assim”, se refere aos olhos aguados: “Realizada por fazer parte dessa luta. Porque eu entendo que hoje é o caminho que nós temos para seguir”.
Nesta quinta-feira (11) começaram as atividades da Feira, que dura até domingo (14) no Parque da Água Branca, em São Paulo. Com 1,2 mil feirantes vindos de 23 estados, o maior evento de produtos da reforma agrária do país visa mostrar, na prática, a existência viva de um modelo alternativo ao do agronegócio.
Esta que é a quarta edição da Feira Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) marca um retorno, depois de cinco anos. Realizada pela primeira vez em 2016, aconteceu em 2017 e 2018. No ano seguinte, sua realização foi vetada por João Doria (PSDB), na época governador de São Paulo.
Com a interrupção imposta pela pandemia de covid-19, o evento volta agora, em um momento de tentativa de criminalização de ocupações de terra com a CPI do MST e de pressão do movimento pelo avanço das políticas de reforma agrária.
“Este é só o começo”, garantiu um integrante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do palco principal do evento, que no fim da tarde recebeu Lirinha com artistas do MST, Zeca Baleiro e Alessandra Leão. De fato, a programação dos próximos dias é extensa. Além de seminários e atividades culturais pelo parque, se apresentarão Jorge Aragão, Gaby Amarantos, Lenine, Johnny Hooker, entre outros.
500 toneladas de alimentos
Quem foi cedo ao evento nesta quinta pôde ver, entre as tradicionais galinhas e pavões que circulam livres pelo parque, a chegada de um público de variadas idades, incluindo excursões escolares, junto aos feirantes que descarregavam as últimas caixas dos caminhões. A primeira seção de barracas, dedicadas a livros, está enfeitada com um painel de Maria Carolina de Jesus. Em frente ao palco, a praça de alimentação reúne 30 cozinhas com 95 pratos típicos de diferentes regiões brasileiras.
Avançando um pouco mais, dezenas de barracas com legumes, milhos, mel, hortaliças, mandioca, coco babaçu, banana, abóbora, hortaliças, temperos, artesanatos, entre tantos outros produtos agroecológicos, dão uma estética colorida à feira.
Por ali que Frei Betto, escritor e ativista de movimentos sociais e pastorais, comprava canjiquinha. “Eu adoro, é uma típica comida mineira”, disse o frade dominicano, nascido em Belo Horizonte em 1944. “Canjiquinha com carne de porco cortadinha e couve”, descreveu.
“Eu sempre venho nessa feira, realmente é muito rica, variada e com produtos de alta qualidade. E leva as pessoas a refletiram sobre a importância da reforma agrária. Ou seja, tudo o que tem aqui vem da agricultura familiar. Orgânico, saudável. Tomara que essa feira possa se reproduzir em cada capital do Brasil, seria muito importante”, disse.
“O futuro passa por aqui”
Se Frei Betto esteve em todas as últimas edições, Terezinha Matoso, uma senhora que caminhava com um chapéu do MST, foi ao evento pela primeira vez. “Estou adorando a vibração das pessoas, todo mundo quer explicar de onde é, como faz, então estou achando muito interessante. Estava recebendo aqui a receita para fazer mingau de puba”, conta.
“É importante que as pessoas saibam como essas pessoas vivem, trabalham no campo, para desmistificar uma imagem que alguns tentam pintar. Quem não conhece não sabe o que é. Então é legal vir para saber o que é”, afirmou.
A massa puba, extraída da mandioca, veio da mesma barraca de onde foram comprados os bombons de cupuaçu que Terezinha carregava na sacola. Ambos foram produzidos no Assentamento Palmares 2, na cidade de Parauapebas, no Pará. Foram trazidos por Fabíola Pereira da Silva, junto com suas duas irmãs e a mãe. Chegaram à capital paulista depois de uma viagem de três dias.
Fabíola ainda era pequena, tinha quatro anos de idade, quando há 29 anos sua família participou da ocupação do território que hoje – depois de transformado em assentamento da reforma agrária – lhes dá o chão para morar e cultivar. Além de outros produtos derivados da mandioca, como tucupi e tapioca, a família de mulheres paraenses produz cacau, castanha, abóbora, feijão, queijo e temperos como açafrão e colorau.
“Nós buscamos mostrar aqui, nessa grande capital, que nós, da reforma agrária, somos sim capazes de produzir muito e sem agrotóxico, fazendo bem para a saúde. Olha a porção de alimentos que tem aí”, Fabíola aponta ao redor. “Estão aqui à mostra, e o convite está aberto para todo mundo vir”.
Para um público de milhares de pessoas, Zeca Baleiro desejou “que venham mais festivais assim, que integrem cada vez mais a sociedade, para desmistificar essa loucura que há em torno do movimento”. Antes de iniciar a canção Proibida pra mim, o cantor concluiu: “Pois o futuro do Brasil passa por aqui”.
Edição: Rodrigo Durão Coelho.
Publicado originalmente no portal do Brasil de Fato.
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