Por Jorge Fernando dos Santos*—

Uma pessoa tem sido pouco lembrada nas comemorações dos 50 anos do Clube da Esquina. Refiro-me ao compositor Pacífico Mascarenhas. Foi ele quem de fato descobriu e revelou Milton Nascimento. Isso em meados dos anos 60, quando os jovens Bituca e Wagner Tiso chegaram de Alfenas, em busca de oportunidades de trabalho na cena musical de BH.

Ao perceber o talento da dupla, o filho do Dr. Alexandre Mascarenhas, poderoso industrial da tecelagem, passou a apresentá-la a outros músicos da cidade. O primeiro foi Célio Balona, que conseguiu uma boquinha para os dois. Ali praticamente nascia o Berimbau Trio (formado por Milton, Wagner e Paulo Braga), que marcaria época na boate de mesmo nome, no Edifício Maletta. Milton tocava um contrabaixo emprestado pelo próprio Pacífico.

Quando a família Borges ainda residia no Edifício Levy, Milton já participava das serestas da Turma da Savassi (tema do meu livro de mesmo nome). Agnaldo Timóteo, Luiz Cláudio e Cauby Peixoto, de passagem pela cidade, também cantavam com a rapaziada. Isso no tempo em que Pacífico tocava piano numa carroceria de caminhão pelas ruas do bairro Funcionários. Bituca também faria parte do Sambacana, conjunto formado pelo amigo rico.

O LP mais icônico do Sambacana seria o de 1965, intitulado “Muito pra frente”. Gravado na Odeon e extremamente moderno para os padrões daquela época, esse disco trouxe algumas das primeiras gravações de Milton. São 14 faixas de autoria de Pacífico, uma delas em parceria com Wagner Tiso e outra com Marcos de Castro, sofisticado arranjador vocal. Gileno, irmão de Wagner, também fazia parte do grupo.

Um passeio musical

Belo-horizontino da Savassi, nascido em 1935, Pacífico Mascarenhas foi desde sempre envolvido com a música. Aprendeu praticamente sozinho a tocar violão, piano e bateria. Em 1956, curtindo férias em Diamantina, foi apresentado a João Gilberto. Hospedado na casa de uma irmã, cujo marido era engenheiro de estradas, o jovem cantor baiano passava horas trancado no banheiro com o violão no colo, em busca da batida perfeita.

Ao lado de Roberto Guimarães, Célio Balona e Bob Tostes, Pacífico se tornaria um dos principais entusiastas da bossa-nova em Minas Gerais. Seu disco “Um passeio musical” saiu pouco antes de “Chega de Saudade”, a famosa bolacha do João. Foi o primeiro LP independente produzido no Brasil, embora a crítica oficial aponte o álbum “Feito em casa”, lançado por Antônio Adolfo em 1977.

Certo dia, Pacífico levou Milton Nascimento para conhecer o Rio. Nascido na Cidade Maravilhosa, o cantor de voz de cristal fora criado em Três Pontas e nunca tinha visto o mar. Na ocasião, foi apresentado aos points da Zona Sul e também ao maestro Moacyr Santos, num estúdio de gravação. No lugar certo e na hora certa, a partir daí sua carreira começou a deslanchar.

Milton logo fez amizade com Elis Regina e Agostinho dos Santos. Este, sem que ele soubesse, inscreveu “Travessia” no 2º FIT, em 1967. Sua primeira parceria com Fernando Brant ficou em segundo lugar no festival. A vencedora foi “Margarida”, de Gutemberg Guarabira, canção da qual ninguém mais se lembra. Residindo em Niterói, Bituca chamou Lô Borges, que convidou Beto Guedes, que… E assim começa a história do Clube e do seu famoso álbum, cujas músicas inovadoras ecoariam pelas esquinas do mundo.

Artigo publicado originalmente no site dom total.

*Jorge Fernando dos Santos é jornalista, escritor e compositor, tem 46 livros publicados. Entre eles, Palmeira Seca (Prêmio Guimarães Rosa 1989), Alguém tem que ficar no gol (finalista do Prêmio Jabuti 2014), Vandré – O homem que disse não (finalista do Prêmio APCA 2015), A Turma da Savassi e Condomínio Solidão (menção honrosa no Concurso Nacional de Literatura Cidade de Belo Horizonte 2012).

Os artigos assinados não expressam, necessariamente, a opinião de Vereda Popular, estando sob a responsabilidade integral dos autores.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *