No início do ano haverá o ato formal de posse ao novo presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, e ao vice, Geraldo Alckmin. De fato, a voz das urnas selou, praticamente, o fim do antigo mandato. Para constatá-lo é só ver a transição entre os dois governos e a recepção internacional do pronunciamento efetivado pelo eleito na COP27, especialmente nas esferas diplomática e midiática. Pesaram o conteúdo e o prestígio do velho guerreiro – nas searas meridionais e setentrionais –, como ainda o alívio geral na constatação de que a potência regional conseguira livrar-se do regime fascista esboçado para um futuro próximo, com sérias consequências e repercussões na geopolítica mundial.
Não se pense, porém, que tudo são flores no jardim sucessório. A bem da verdade, os democratas e progressistas podem comemorar o fracasso do lockout nas estradas – preparado por caminhoneiros falangistas e, notadamente, por empresários no transporte rodoviário –, que só conseguiu isolar-se da opinião pública e das frações burguesas prejudicadas pelo caos iminente na circulação mercantil. Contudo, as reuniões da seita foram redirecionadas para o assédio aos quartéis, onde protagonizam um espetáculo contraditório. De um lado, revelam uma dose a mais de capacidade organizacional e de persistência, dando continuidade, reverberação e alento ao intento autogolpista.
No reverso, demonstram uma pífia participação de massas e uma total passividade, pois se contentam em suplicar uma intervenção militar ilegal e anticonstitucional das tropas, que seria ordenada pelas cúpulas nas três armas, caindo na mera resistência em face de um pleito sem qualquer indício de fraude, além de reconhecido pelo povo brasileiro, pela maioria esmagadora da sociedade política interna – inclusive a instituições judiciárias e auxiliares – e pelos governos do Planeta inteiro. Mesmo envolvida por semelhante situação de conjunto, a passagem de bastão na rampa do Palácio permanece sob a sombra da conspiração por cima, que se demonstra para quem soma “lé com cré”.
O que ocorre no cenário nacional é a manutenção da crise político-institucional surgida em 2015, com a parada conjuntural na economia interna e a cicatriz aberta pela contestação conservadora com a reeleição da presidente Rousseff, ambas cavalgadas pelo golpismo da fração mais reacionária da burguesia para decretar o impeachment, conduzir o bolsonarismo ao Governo Central e desencadear o plano de liquidar o regime democrático. A vitória da frente ampla mostrou-se insuficiente para eliminá-la, como sempre frisaram os editoriais do portal Vereda Popular, pois nunca foi um mero capricho dos grupos regressistas, senão a expressão política da luta inconclusa entre as classes.
O que há de novo é o deslocamento focal do embate pela via do sufrágio. A defesa do regime democrático em geral concentra-se agora na sua dimensão concreta: garantir a posse da chapa vitoriosa. Tal núcleo tático dominará o cenário até o próximo janeiro, quando a nova contradição principal emergirá, nomeadamente, a governabilidade sabotada pela oposição sistemática, sem limite, sem princípio e sem quartel – não com eventual sentido enganoso de civil, mas com acepção de repelente a trégua e descanso. A conduta e postura – palavras dúbias, omissões prevaricadoras e ações furtivas – dos Comandos Militares, Ministro da Defesa e primeiro mandatário matam qualquer dúvida.
O quadro político atual, contaminado pelo contencioso agudo, convida o campo da oposição – em passagem à situação – a se mobilizar para que a posse de Lula, Alckmin, como a dos governadores, legitimada pelo voto, aconteça, conforme a lei. Mas seria ingênuo encará-la como festejo burocrático e deslumbrado. Precisa consistir em um ato político de militantes com larga presença de massas, desde já e publicamente preparado, mediante caravanas orgânicas e concentradas rumo a Brasília, visível aos brasileiros e convidados estrangeiros. Contrastando com as rogações do putsch bolsonariano, validará uma nova e dura derrota para os saudosos do regime ditatorial-militar.