Ao fim de um governo que, durante quatro anos de crise multilateral e retumbante fracasso administrativo, basicamente se preocupou em conspirar contra o proletariado e atacar os interesses populares – imediatos e históricos –, Bolsonaro tem a pressa extrema e compulsiva de privatizar integralmente, aos trancos e barrancos, a Eletrobras. Uma das principais empresas nacionais, a Centrais Elétricas Brasileiras S. A. é, como está estampado no seu próprio nome, uma holding com economia mista, capital aberto e ações disponíveis no mercado, há décadas sob a propriedade majoritária do Estado brasileiro.
Subdividida em diferentes seções, possui e coordena os setores internos de geração, transmissão e distribuição energéticas, que abarcam pesquisas e participações financeiras. Criada em 1962, resistiu às pressões privatistas no regime ditatorial-militar. Entretanto, nos anos 1990 enfrentou políticas e órgãos criados para reduzir as suas competências, bem como acentuar o viés pautado no direito privado. Mesmo assim, mantém a capacidade instalada superior a 50 bilhões de watts e 164 usinas – 36 hidroelétricas e térmicas, inclusive termonucleares –, com mais de 70 mil quilômetros de linhas difusoras.
Com a deposição da presidente Rousseff, Temer – refém da ofensiva ultraliberal e protofascista – enviou em 2018 projetos ao Congresso para privatizar o grupo Eletrobras. Imediatamente, seus próprios diretores começaram o trabalho sujo de caluniá-la. Queriam convencer a população de que seria preciso cedê-la, quase toda ou integralmente, aos conglomerados particulares. A Câmara Federal, em 2021, endossou a MP remetida pelo Governo Bolsonaro, que dispõe sobre a venda na Bolsa de ações ordinárias. O plano entreguista procura reduzir a parcela pública – da União e do BNDES – ao máximo de 45%.
A vitória dos vendilhões no Senado foi apertada – 42 a 37 votos –, mas logo sancionada. Hoje, a licença dada pelo TCU permite que a chefia falangista comande o processo a toques de caixas. Quer “doar” o patrimônio antes que o possível fim do seu mandato aconteça. Presta contas, sem qualquer pudor, à fração mais reacionária do capital monopolista-financeiro, antes que se pronunciem as urnas eletrônicas e se apaguem as luzes do Palácio. Tal conduta repete o baba-ovo presidencial para Elon Musk, o magnata-bufão que oscilando verticalmente a cabeça endossava cada um dos puxa-saquismos e ofertas.
Há irregularidades na escandalosa negociata. Começa com a subavaliação da Eletrobras, cujo valor real é o dobro – R$ 140 bilhões – e cujo preço cobrado seria pago com apenas 10 anos do seu lucro líquido. Continua com dividendos pela Eletronuclear devidos à empresa mãe, que verteriam para os acionistas privados, com prejuízos às centenas de milhões. Prossegue na cláusula poison pill, em conflito com a porcentagem na participação estatal. Por fim, dois pontos: a diferença superior a R$ 30 bilhões no cálculo do endividamento acumulado pela gigante nacional e a violação de procedimentos protocolares.
Cabe ao movimento popular defender o patrimônio e as riquezas do País, usando as várias formas de luta possíveis, dos embates institucionais às manifestações da sociedade civil. No entanto, a Eletrobras não é, como alguns pensam e dizem, a “nossa” empresa, ou seja, uma propriedade pertencente a todos e cada um dos cidadãos brasileiros. Muito menos é um meio produtivo em apropriação pela sociedade rumo à emancipação da humanidade, só possível no socialismo. Trata-se de uma propriedade nacional mediada pela União sob a dominação burguesa e, pois, o exemplo típico de capitalismo estatal.
Semelhante caracterização em nada compromete a importância de sua manutenção como empresa pública estratégica, seja para exercer funções de cunho social determinadas constitucionalmente, seja como instrumento imprescindível à soberania do Brasil, às políticas de cariz anticíclico e ao desenvolvimento econômico independente. O combate aos conglomerados externos e internos, que só pensam em concentrar, centralizar e controlar o setor energético para lucrar em prejuízo dos interesses coletivos – em crime de lesa-pátria –, é uma tarefa chave na conjuntura e deve impregnar o processo eleitoral.