Percebendo que sua flexão tática – realizada logo após a tentativa de autogolpe no dia reservado à Independência pátria – fracassou, Bolsonaro entrou em dilema político. Suas condutas enfraqueceram o corpo ministerial, desmoralizando a prometida soberania de Guedes e privilegiando completamente o chamado “centrão”, composto pelos segmentos mais pragmáticos e negociais da política burguesa. Concomitantemente, colocaram-no sob a desvantagem de afastar-se dos apoiadores vinculados ao falangismo extremista – ou desagradá-los – em uma contenda eleitoral cada vez mais difícil para o continuísmo.
A chefia miliciana está se perguntando. Manter a linha de agir, predominantemente, no interior da lógica institucional prevista no establishment constitucional, mas segurando as coleiras de seus cães raivosos e mesmo assim continuando cativo da contradição entre os doutrinaristas ultraliberais e pedintes fisiológicos? Ou voltar-se à sua “natureza” putschista e prometer um “Capitólio” caboclo, mas jogando nos braços dos oposicionistas os liberais-conservadores que acreditam ainda em uma terceira via, inclusive os parlamentares ávidos pela sobrevivência e os neoclássicos interessados em promover mediações?
Neste quadro, que traduz a luta real de classes transcorrente no Brasil atual, especulam também os “comentaristas” da mídia monopolista-financeira e os ideólogos da sociedade política burguesa: os recentes ataques palacianos seriam para valer, ou espasmos de um passado que ficou para trás? Uma resposta interessa igualmente ao diferenciado campo à esquerda no espectro político, que vai dos comunistas, passando pelas várias facetas reformistas – socialdemocratas e social-liberais –, até certo nacional-desenvolvimentismo ainda remanescente na seara do capital: nem uma coisa, nem outra.
Os reacionários só tateiam o quadro conjuntural, com hesitação tática, sem de modo nenhum questionar ou comprometer os seus princípios extremistas e fins estratégicos. Prossegue como pode, com recuos e ziguezagues, a campanha protofascista para o retorno a um regime ditatorial-militar com fisionomia personificada. Eis porque aos grupos esquerdistas – que só veem a puríssima batalha do preto no branco, classe contra classe, negando a frente ampla –, bem como às plenárias de ativistas e abaixo-assinados que tentam seguir o script de Alice no País das Maravilhas, só resta cantar Over the rainbow.
Na poesia e nas demais artes, pode-se imaginar tudo. A tributação à realidade vem de sua singular práxis, por relações altamente complexas. Todavia, na disputa política, de nada vale o arroubo idealista expresso na frase de Charles Lutwidge: “A única forma de chegar ao impossível é acreditar que é possível”. No Brasil, onde vige a reação bolsonariana – em que será preciso vencer as eleições, garantir a posse do sufragado e governar –, é até recomendável alçar o pensamento Além do arco-íris, mas deixando os pés fincados nas terras, porque aqui e hoje “os problemas” jamais “derretem como balas de limão”.