O título do Editorial sugere uma crítica plural, mas o texto escolheu, como símbolo das reprovações, o discurso raso de um personagem pitoresco, errático e nebuloso. Michael Shellenberger foi convidado à Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, em 16/4/2024, para falar sobre as “denúncias de censura à rede X”, supostamente realizada pelo Superior Tribunal Federal, nomeadamente pelo ministro Moraes. Na ocasião – causando êxtase nos bolsonaristas – pôs-se a “defender os direitos de nazistas, racistas e fascistas falarem”, para que se pudesse “debater e vencer as suas ideias ruins”.

O jornalista norte-americano parece achar que tais “ideias” são “ruins”. Já é alguma coisa. Mas todos manifestam, em algum momento, “ideias ruins”: aliás, são as experiências humanas que demonstram os erros e impulsionam os conhecimentos. Pergunta-se: o problema único dos grupos “nazistas, racistas e fascistas” reside nas “ideias”? Ou será que materializam organicamente os interesses da fração monopolista-financeira mais retrógrada, que ontologicamente lhes garante origem, sobrevivência, financiamento, reconhecimento, expansão e potencial de ser uma oposição robusta e alternativa de Governo?

Dizer agora tamanho truísmo, reduzindo a história do maior crime do século XX à simples consciência de alguns – tese pretensamente séria –, nada mais faz do que dar concretude à letra em que o saudoso Cazuza espanca “um museu de grandes novidades”. Ora, o movimento comunista e os democratas já debateram e venceram, teoricamente, a extrema direita, em 100 anos de luta político-ideológica renhida. Mesmo assim, tais concepções – quando provocaram 70 milhões de mortes, muitas sob a forma de genocídios e suplícios – tiveram que ser barradas militarmente nas batalhas de 1939 a 1945.

A Frente Antifascista e a Segunda Guerra Mundial jamais podem ser apequenadas como tertúlias intelectuais, senão por ignorantes ou negacionistas. Hoje, trata-se não de amordaçar discursos, mas de investigar e processar os delitos previstos em lei. Pregar uma liberdade absoluta, pura e alheia, completamente, aos interesses coletivos não só dos povos, mas das sociedades civis e políticas de cada nação – inclusive do regime democrático brasileiro, formado no interior de um Estado em que normas magnas e infraconstitucionais são parte ampliada –, interessa exclusivamente a magnatas e ultraliberais.

Em vez de procurar “debater e vencer as […] ideias ruins” de “nazistas, racistas e fascistas”, o autor principal do Twitter Files Brazil prefere fazer coro com a oposição vale-tudo e sistemática. Recentemente, no site Crusoé, atacou também o Primeiro Mandatário. Ao estilo da política estadunidense, afirmou: “Lula” – denominado “mentiroso” – “está me perseguindo porque expus a censura ilegal do governo”. A figura empirista nem sequer distingue Presidência, Governo, AGU, PGR e STF, de vez que personaliza o alvo a desgastar. Significativamente, procede assim quando já está começando a disputa eleitoral.

Escudeiro de Musk e agitador anticuba, o encarregado estrangeiro mais novo a se intrometer na política de Brasília carece de crédito intelectual. Usando a primeira pessoa do singular, refere-se a si próprio como “liberal”, “libertário”, “ecomodernista” e “conservador” – seja lá o que tal salada signifique. Sem argumento minimamente respeitável para justificar sua leniência infinita, sem limite ou contexto, perante os delitos nas redes sociais, recorre à palavra de quem julga ser a irrefutável autoridade. Mas de Chomsky esquece as contribuições de cunho filosófico, acertadas ou não, e as favoráveis aos “de baixo”.

Do intelectual judeu lembra somente os assumidos pensamentos anarquistas bem tradicionais, que provêm do liberalismo clássico, isto é, as ideologias e crenças equivocadas que lhe permitem amparo e guarida na campanha pelo direito ao livre arbítrio nazifascista, que certamente não começa e nem cessa nas opiniões de quem quer que seja. Eis porque, na conjuntura nacional, como foi necessário na década passada separar o verde-amarelismo demagógico do nacionalismo real, é hora de apartar o suspeito revival ultraliberal, mancomunado à oposição, do liberal-democratismo contraposto aos reacionários.

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