Por Gládis Lorinda Ludwig*—

“Feminismo: práxis emancipatória que põe em movimento processos de radicalização da democracia, não apenas junto às relações sociais estruturantes, como também no interior das relações interpessoais, no miúdo da vida cotidiana, no exercício da pequena e grande política”.

(Retirado de uma palestra da Dra. Mirla Cisne Álvaro da UERN)

Nos debates ocorridos na Sessão Estadual do VI Congresso e em outros momentos da vida partidária, alguns militantes levantaram a necessidade de se discutir em nosso partido as intersecções e/ou imbricações entre gênero, raça e todos os tipos de opressões com classe social, numa perspectiva marxista, para um melhor entendimento e enfrentamento das desigualdades no Brasil.

Esse debate se faz urgente e necessário em nosso Partido, não para se tirar um posicionamento, mas para socializarmos conhecimentos e avanços teóricos nesse campo e fortalecermos nossa luta. Porque, ao mesmo tempo que temos militantes, principalmente os mais jovens, já com uma boa caminhada nesses debates, o coletivo partidário talvez os desconheça em sua profundidade e continue apegado a equívocos (vou ater-me ao feminismo) tais como:

  • O feminismo divide a classe;
  • O feminismo é liberal e/ou pós-moderno. Por isso não contribui para a Revolução;
  • As lutas específicas devem se subordinar à luta geral;
  • Só é possível pensarmos em igualdade entre homens e mulheres depois da revolução socialista;
  • O Marxismo não considera a subjetividade.

Não é o feminismo que divide a classe, mas a classe está dividida materialmente pela divisão sexual e racial do trabalho. O feminismo classista procura compreender a classe na sua totalidade e nas suas particularidades. A classe não é homogênea. A forma como homens e mulheres são socializados tem uma origem no processo de consolidação do próprio capitalismo e tem a expressão disso na organização da sociedade.

Marx expõe duas questões bem interessantes quando pensa o processo de emancipação que é a nossa capacidade de ser, de nos constituirmos como seres ontológicos. Ele diz que existem dois processos de emancipação a serem construídos pela humanidade: a emancipação política e a emancipação social. Não quer dizer que um determine o outro ou que um tenha que ser feito primeiro ou em fases. São dois processos que estão dialeticamente juntos e um depende do outro. No entanto, pela tradição da esquerda latino-americana ou talvez da esquerda como um todo, debate-se muito mais a emancipação política do que a emancipação social.

O debate da emancipação social é bastante filosófico, é a capacidade de nos reconstruirmos, de irmos em direção de nossa ontologia, que é essa nossa capacidade ampla de reconhecer todas as nossas dimensões sociais, objetivas e subjetivas. Nesse caminho, estaria, por exemplo, o debate da psique dos sentimentos, do mundo sensível, das artes, da cultura, de tudo o que a humanidade produz e que, embora seja uma construção subjetiva, é construída na objetividade das relações. Muitos pensam que, resolvendo os problemas dos meios de produção, resolveríamos todo o resto e sabemos que isso não é verdade.

Nós mulheres temos muito mais domínio da nossa ontologia nesse sentido de totalidade, de entender a nossa psique, de olhar para o nosso corpo como uma esfera política da vida pública do que os homens que ainda são muito primitivos nessa relação do seu corpo com a sua psique. Isso é em grande parte talhado pela lógica organizativa das forças produtivas, bem como em decorrência do modo pelo qual a sociedade patriarcal se consolidou, suas artimanhas organizativas e como isso se expressa nas relações sociais. Talvez esse seja um dos motivos da tamanha dificuldade de os homens ultrapassarem certas limitações e permanecerem numa posição defensiva, como se as mulheres estivessem falando de indivíduos e não de uma estrutura social patriarcal. Quando afirmamos, por exemplo que TODO homem é machista. Não pela sua natureza, mas pelo processo de socialização que passa, muitos deles são reativos. Pode-se afirmar isso porque, em uma sociedade patriarcal, independentemente da vontade individual de combater o machismo, todos os homens são hierarquicamente beneficiados pelo simples fato de serem homens, não só em dimensões simbólicas/culturais, mas econômicas e de poder. Pensemos em termos de classe: temos inúmeros exemplos de burgueses bem-intencionados e até mesmo trânsfugas de classe no que tange à ação política, mas, na sociedade de classes, eles objetivamente continuarão a receber benefícios pela sua posição na estrutura econômica.

Entender profundamente as estruturas sociais, econômicas e históricas do Patriarcado nos ajudam a compreender as formas de relações nas quais estamos inseridos.

A sociedade precisa de homens do lado das mulheres, não como protagonistas, mas como aliados, combatendo a violência, repensando seus comportamentos machistas, ajudando a construir políticas públicas para as mulheres para que haja mudanças e não homens na defensiva, negando ou tratando como questão menor o feminismo, mesmo que de forma velada.

Nesse sentido que trago aqui essa provocação ao debate qualificado e fraterno entre nós como parte importante da nossa formação política para melhores lutas.

 

*Militante do PRC/RS.


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