Ativistas e apoiadores de várias cidades ou regiões fizeram manifestação no espaço da célebre Avenida Paulista, instrumentalizando as cores verde-amarelas e a camisa da seleção brasileira. Os extremo-direitistas logo anunciaram o número de 700 a 800 mil participantes. A cifra, prontamente, foi atestada pelo Governo de São Paulo, em óbvio e vergonhoso exagero, certamente para prestigiar o seu titular então presente, além de fazer autopropaganda enganosa de seu campo eleitoral e ideológico, sem ao menos dignar-se a informar o método que teria sido aplicado. Em vez de mera declaração por algum fascistoide com sangue fervendo e gesto criticável, a mentira desmoraliza o ente público.

Ao contrário de Lênin, para quem a verdade política é sempre concreta, os porta-vozes dos hiperconservadores preferiram dissolver a verdade na utilidade, conforme o dogma do pragmatismo inscrito na bula do empirismo radical e fixado por William James. O Monitor do Debate Político no Meio Digital, instituição pertencente à USP, que zela pelo prestígio acumulado, calculou a presença em 185 mil pessoas no auge, com técnicas de alta precisão. Perante a indiscutível captura científica do fato, é possível avaliá-lo corretamente, reconhecendo seus conteúdos e sentidos, a começar por separá-los do “achismo” sensorial que inocula o duplo equívoco no mundo laboral e nas forças progressistas.

Uma confusão é acreditar nos algarismos hiperbólicos dos especialistas em fake news, ainda mais amplificados e preocupantes se visualizados pelo estupor de quem pensava que as falanges se haviam desagregado, que o seu chefete já estava fora do jogo e que, portanto, a convocação resultaria em um fracasso retumbante. A outra, igualmente prejudicial, é minimizar o comício de 25/2/2024, desprezando a grande massa por ficar bem aquém de um milhão, como se fosse o miado pequeno de um bicho acuado, incapaz de mostrar suas garras, ou simples gado arrebanhado por meios exclusivos de clientela e grana. Tais entendimentos são nada menos que a grande antessala da paralisia.

Está claro que o fracasso do autogolpe, articulado por quatro anos, e da janeirada – preparado pela vitória eleitoral da chapa Lula-Alckmin, desejado pela maioria da sociedade civil e obstado por setores da burocracia estatal – tornou mais débil o ex-mandatário e candidato a ditador. Milicianos implicados no putsch agora estão sendo processados e punidos pelo STF. Ademais, a mudança ocorrida na correlação de forças os empurrou ao recuo, vez que seus dirigentes perderam controle sobre aparatos-chaves, inclusive a presidência da República, e alguns são até réus de processos judiciais que resultam em coerção. Todavia, o núcleo e a estrutura orgânica da extrema-direita permanecem intactos.

No domingo, a multidão representou não fraqueza, mas demonstração de força. No entanto, mais relevante será perceber a flexão tática operada. Os dirigentes, obedientes aos advogados, negaram os preparativos de autogolpe. Depois, deixaram em segundo lugar o velho discurso antiestablishment, passando a posar como paladinos das liberdades. A maquiagem foi adequada para pedir “pacificação”, “borracha no passado” e “anistia”. Que distância da homenagem ao torturador Ustra. O lobo em pele de cordeiro prepara sua defesa jurídica, procura reassumir a iniciativa perdida e tomar os lemas democráticos do povo brasileiro. Qualquer subestimação geraria uma quimera e um erro perigosos.

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