Nas vésperas do Carnaval, o pragmatismo burguês-conservador se revelou em duas vertentes. Arthur Lira fez um duro pronunciamento, com pitos e recados ao Governo Federal. Referindo-se a supostos acordos firmados e descumpridos, colocou-se como defensor do “equilíbrio” entre os “poderes”: “Não usurpamos os limites estabelecidos pela Constituição, assim como não permitiremos que o façam conosco.” Por sua vez, a extrema-direita insistiu, sobre a recente operação da PF, que o primeiro mandatário anterior seria vítima de “perseguição” e atentado à “democracia”. Como falou Sóstenes Cavalcante, parlamentar pelo PL, “tudo” foi criado para “fundamentar um golpe que nunca existiu”.

A primeira, na segunda-feira, dia cinco, expressou a intenção fisiológica e negocial, ora votando com propostas oficiais, ora prenunciando cisões. A outra, na quinta-feira, dia oito, representou a postura sistemática da reação bolsonariana, sempre insistindo no retrocesso. Ambas ocorreram durante os procedimentos para busca e apreensão que, recolhendo fartos elementos, transformaram o processo de autogolpe, antes uma certeza, em fato apurado e ornado com provas robustas. Curioso é que, apesar de suas posturas e origens sociais e políticas diferentes, ruíram por esposarem a máxima empirista e subjetivista, presente na obra de William James, para quem a verdade se dissolve na utilidade.

A propósito, a época de Momo é propícia para se relembrar que a mesma dissolução de princípios pontifica na folia carioca de 1947, quando a metáfora maliciosa de Haroldo Lima e Milton de Oliveira, interpretada por Jorge Veiga, tornou-se a marchinha polêmica: “Por um carinho seu minha cabrocha, / Eu vou a pé ao Irajá. (bis) / Que me importa que a mula manque, / Eu quero é rosetar.” Conforme tal lógica os meios pouco importariam. O real único e relevante se resumiria, tão somente, ao gosto, ao desejo, à vontade, à intenção. No caso dos comentários parlamentares, interessam, respectivamente, apenas: para um, a barganha congressual dos “pares”; para outro, a salvação dos asseclas.

O presidente Lira, para tirar vantagens, argumentou que o risco à independência do Congresso viria dos comportamentos no “Executivo”. Todavia, ficou a tese fora do lugar e tempo quando a semana foi lotada pela notícia de que a fonte conspirativa para liquidar o regime democrático esteve no governo anterior, reiterou-se como intentona em janeiro para deter a posse de Lula e continua intacta mesmo após as derrotas sucessivas do putschismo. Assim, o discurso na sessão inaugural do ano legislativo caiu no vazio e foi neutralizado entre os folguedos por contatos e mensagens amistosos. Espera-se que não seja para “tudo se acabar na quarta-feira”, como notaram Tom Jobim e Vinícius de Moraes.

Já o deputado Cavalcante, ansioso por negar o delito, acabou corroborando a sua tipificação. Despercebido, passou a mensagem de que a intentona, pretendida, preparada, efetivada e derrotada, é delito gravíssimo e condenável pela mesma instituição estatal em que seu chefe partidário, Valdemar Costa Neto, depositou “confiança” tão logo alcançou a liberdade provisória com medidas cautelares. O mais notável, na disputa política, é que a hiperdireita se colocou na defensiva, pois alguns de seus representantes públicos, além de seus advogados, vêm declarando reconhecer o crime do qual pretextam inocência e o STF que os processa. “Quem te viu, quem te vê”, agora segundo Chico Buarque.

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