O pronunciamento feito por Lula em 24/12/2023, repetindo a tradição dos presidentes brasileiros no dia natalino, foi adequado no conteúdo e na tonalidade. Não se poderia esperar, como sempre anseiam os excessivamente confiantes nos processos eleitorais e nas personalidades, o anúncio de medidas com viés anticapitalista, pois, além de inexistir uma situação revolucionária, nem sequer tal pretensão comanda o projeto e as intenções dos políticos à esquerda que hoje frequentam o Palácio do Planalto, muito menos da larga e necessária frente que forma o atual espectro governamental. Por motivos similares, faltou até um balanço de medidas radicalmente anti-imperialistas e democrático-populares.

Desgraçadamente, como resultado complexo de injunções históricas e conjunturais, o discurso antiestablishment acabou nas mãos da extrema-direita, mesmo com cismas internos a estorvá-lo. Em semelhantes condições, coube ao primeiro mandatário caminhar pelos estreitos caminhos de mudanças parciais e de alcance mais limitado, embora os tenha trilhado por meio de formas produtivas e adequadas. Começou adotando a imagem agrária que julgou universal e para todos inteligível – referindo-se nos parágrafos iniciais aos tempos de arar, de plantar e de colher –, ainda que discutíveis para dirigir-se a um povo com maioria urbana e cujo mundo laboral se localiza especialmente nas cidades.

Todavia, concorde-se que as realizações foram importantes, se consideradas no contexto costurado nas lutas concretas entre as classes, principalmente pelo enfrentamento à reação bolsonariana e a correlação de forças, seja na sociedade civil, seja na sociedade política. Embora estreitados pela conjugação verbal – primeira pessoa do plural –, destaquem-se algumas passagens: “trouxemos de volta e fortalecemos políticas sociais”; o “PIB” ficou “acima das previsões”; a “inflação” foi controlada; o “dólar caiu”; “geramos dois milhões de novos empregos”; o “salário mínimo voltou a subir”; aumentamos as verbas da “saúde e educação” e “aprovamos a igualdade salarial entre homens e mulheres”.

Há mais para mostrar, conquanto a pressão exercida pela reprodução metabólica do capital: o “Desenrola”, o estímulo para “os investimentos e as exportações”, a “responsabilidade” com “recursos públicos”, a “Reforma Tributária”, o apoio a “Estados no combate ao crime organizado”, as iniciativas internacionais e os dados ambientais. Apontando a tragédia passada como sequela de sujeito institucional tido como inexistente – a expressão “de mentira” se insinua como antônima –, reivindica-se um “governo de verdade” que teria voltado. Relevando-se a retórica, é certo que anuncia trabalhos significativos, como sugerem as menções ao Plano Safra em aumento, à Nova Política Industrial e ao PAC.

Por fim, a tempestiva denúncia da janeirada golpista, com elogios à resistência democrática e à união dos progressistas. Para o porvir, o apelo à unidade nunca foi tão apropriado após quatro anos de rudezas e provações. Afinal, o Brasil é “um só país” e tem “um mesmo povo”, de fato. No entanto, é oportuno notar que a frase serve não só para tentativas divisionistas originadas no fascismo, mas também às demais práticas e ideações que procurem, conscientemente ou não, cindir em classificações particularistas e falsas – tidas como identitárias – o proletariado como “possibilidade positiva da emancipação” e a Nação como conceito-chave da política nas situações de crônica dependência.

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