O portal Vereda Popular continua publicando a Linha Sindical do Partido da Refundação Comunista (PRC), aprovada no Ativo Nacional Sindical e depois ratificada pelo Comitê Central. Segue o Capítulo VII.

VII – O proletariado como ser social e seu perfil contemporâneo

Nos últimos trinta anos, a chamada “reestruturação produtiva” – que incorporou a informática às forças produtivas – e o projeto contrarreformista de alterar as relações institucionais do Estado burguês com as massas assalariadas, vem sendo o pano de fundo para a pretensão maior dos ideólogos e políticos conservadores: liquidar os direitos sindicais e trabalhistas, arrancados à ordem pelos “de baixo” em dois séculos de lutas e muito sacrifício. A essência dessa atualização legal e hegemônica – originada, mundialmente, na metade dos anos 1970, quando os conglomerados monopolista-financeiros precisaram responder ao início da fase depressiva na quarta onda longa da era capitalista, bem como à concomitante crise dos Acordos de Bretton Woods, do Welfare State, do keynesianismo e do fordismo, é o ataque reacionário aos interesses do proletariado.

Semelhante processo, ao contrário de mera perversão moral, foi uma necessidade objetiva. A saída menos onerosa e mais atraente para o capital, especialmente após o fim da URSS e o enfraquecimento do movimento operário mundial, era atacar diretamente o ser social capaz de resistir à extração de mais-valia absoluta e relativa mais elevada – para compensar a baixa tendencial na taxa de lucro –, bem como de ameaçar, historicamente, a sociabilidade reinante. Eis por que a burguesia e seus representantes, salvo algumas hordas fascistizantes, deixaram em segundo plano a ladainha sobre criancinhas devoradas por comunistas, para se concentrarem na tentativa de fragmentar os nexos internos da ideação revolucionária e do pensamento sindical.

O tema privilegiado nos ambientes à direita passou a ser o lugar ocupado pelo trabalho na realidade social, conforme as teses que alardeiam – sem o menor esforço de comprovação ou com argumentos equivocados – o vencimento da categoria trabalho na organização conceptual da sociedade, a redução quantitativa do labor produtivo na economia, o deslocamento “natural” do mercado para os “serviços” e, em suma, o fim do sujeito social capaz de realizar a emancipação humano-universal. Igualmente, como já não haveria proletariado, a doutrina marxista sobre a transformação social, o movimento sindical contraposto aos interesses do capital e até o direito burguês do trabalho – mediador de conflitos –, seriam extemporâneos e estariam condenados à extinção.

Os comunistas navegam contra essa maré, criticando os manipulados critérios utilizados pelas estatísticas oficiais e denunciando a falsidade geral da profecia sobre o fim da produção humana. Suas opiniões são opostas à alardeada pelos coveiros dedicados a enterrar a classe nomeada por Marx como “possibilidade positiva de emancipação”. O trabalho, longe de estar caducando, revigora-se no interior do processo retrativo da indústria tradicional; consequentemente, ocorre a reestruturação do proletariado endogenamente ao seu próprio conceito, com mudanças nas características, relações mútuas e aspectos exteriores de suas várias camadas, mas sem que seja violada sua essência econômico-social.

Portanto, os comunistas assumem e defendem, como núcleo teórico-ideológico de sua doutrina social e meta histórica de sua atividade política, a libertação integral dos seres humanos ante a exploração e a opressão burguesa. Isso quer dizer, nas palavras de Marx, a supressão da atividade alienada em que se desvanecem, metabolicamente, “o caráter útil dos produtos dos trabalhos” e “as diferentes formas de trabalho concreto”, isto é, a eliminação do labor residual cuja “objetividade impalpável” configura os “valores-mercadoria” típicos da sociabilidade contemporânea. Para tanto, é irrecorrível a realização de uma revolução social que destrua o Estado Burguês e funde novo Estado, a partir de um arcabouço jurídico institucional sob a hegemonia do Proletariado, inaugurando o longo e complexo processo de transição socialista rumo à sociedade emancipada.

Os arautos da extinção do trabalho dentro do capitalismo estão atados – por responsabilidade própria, mas não contingente – a um conceito reducionista sobre o ser proletário, que é incapaz de se apropriar intelectualmente de sua realidade objetiva como universalidade concreta. Incompetentes para captarem a essência e as múltiplas formas de sua existência, historicamente constituídas, veem-se obrigados a concluir que a classe está sumindo. De fato, com as inovações tecnológicas hodiernas, a informatização das máquinas e as mudanças físicas nas indústrias, aquela específica e antiga camada operária de macacão e unhas sujos de graxa, dedicada exclusivamente ao trabalho manual, está perdendo terreno nos processos produtivos, fenômeno já constatado por estudiosos, jornalistas, administradores de empresas e sindicalistas.

Todavia, o fim do proletariado – seja como conceito, seja como esvaecimento objetivo do ser social empírico – mostra-se insustentável por, no mínimo, dois motivos principais. Primeiro, porque supõe a exacerbação escatológica da fragmentação nas indústrias em forma de terceirização funcional, precarização do emprego, multiplicação da produção individual-parcelar e partição das grandes unidades fabris rumo a pequenas empresas. Segundo, porque aprisiona a noção da classe a um simplismo imune à realidade complexa do labor: ao confundir o ser social genérico com uma de suas particularidades concretas, empobrece-o em cascata, identificando-o com trabalhador, respectivamente, produtivo, manual, gerador de bem material e criador de mercadoria.

Ao contrário do que propõe tal concepção minimalista, o proletariado é a classe social, historicamente definida, cujos membros só possuem a própria força de trabalho e, portanto, são obrigados a vendê-la compulsoriamente à burguesia em troca de salário para manter sua vida e reproduzir suas condições de existência – das mais banais às mais elaboradas, inclusive as condições técnicas indispensáveis à transformação industrial e autorrealização afetivo-cultural –, produzindo assim mais-valia ou permitindo que suas funções úteis, embora improdutivas, possibilitem que o capital, em suas várias formas e movimentos, se assenhore de uma parcela da mais-valia gerada no conjunto da sociedade.

Se o labor é produtivo ou improdutivo, caracteriza-se como manual ou intelectual, gera bens materiais ou espirituais, produz precipuamente mercadorias ou valores-de-uso para consumos públicos e privados, são questões de fato importantes, que exigem estudos e classificações. Todavia, tais enunciados específicos dizem respeito, não à singularidade do conceito genérico, mas sim à função concreta realizada pelas diferentes camadas proletárias, isto é, ao lugar particular ocupado, ativamente, pelo trabalho abstrato na reprodução ampla do capital e das relações sociais burguesas. São diferenciações que incidem, portanto, apenas sobre os contornos das camadas interiores ao moderno e contemporâneo mundo dos produtores e servidores assalariados.

Trata-se do conceito clássico de proletariado, que deve ser o bê-a-bá dos comunistas e de todos os militantes sindicais. Marx, nos anos 1840, superou as correntes de pensamento que lhe eram contemporâneas, inclusive as filiadas ao socialismo utópico e ao movimento operário espontâneo. Sua obra até hoje se distingue das vulgaridades que campeiam na mídia, na academia e em setores da esquerda. Sua teoria jamais reduziu a classe proletária genérica ao segmento assalariado realizador de trabalho produtivo, embora o considerasse como segmento interno nuclear da transformação industrial. Ilustra esse ponto de vista a seguinte passagem: “Todo trabalhador produtivo é assalariado, mas nem todo assalariado é produtivo”.

A mesma observação vale para os tipos de labor localizados na esfera dos serviços, que geram, tão somente, valores-de-uso para consumo imediato, seja público, pela sociedade, que os recebe, seja privado, pelos capitalistas ou por simples pessoas físicas que os compram dos prestadores. São as funções dos empregados que podem ser discriminados por ramo: nos diversos níveis estatais, que não geram mercadorias com a finalidade precípua de serem vendidas no mercado; nas empresas que operam com depósitos monetários, créditos, finanças, capitalização ou seguros; nos estabelecimentos especializados em comércio atacadista ou varejista; nos escritórios de vários tipos e nos setores improdutivos das indústrias; e assim por diante.

A tal respeito, Marx alude aos “funcionários” dos “serviços estatais”, que “podem converter-se em assalariados do capital, mas, nem por isso, se transformam em trabalhadores produtivos”. Refere-se, ainda, aos “trabalhadores comerciais”, que realizam uma “função necessária, pois o processo de reprodução também abrange funções improdutivas”, mas cuja “utilidade […] consiste em que se compromete parte menor da força de trabalho e do tempo de trabalho da sociedade nessa função”: mesmo sem criar “diretamente mais-valia para o capital produtivo, […] proporciona ao capital mercantil participação nessa mais-valia”. Quanto aos bancários, sua função improdutiva possibilita que “parte do lucro, da mais-valia, […] que o capitalista ativo, industrial ou comerciante […], tem que pagar ao dono e prestamista desse capital”, se transfira aos banqueiros como juros.

A questão da produtividade se define pelas determinações históricas incidentes sobre o trabalho, condicionando sua função específica no processo mesmo de valorização do capital, não por meio de sua substância concreta, com “sua utilidade particular ou valor de uso peculiar no qual se manifesta. […] Um trabalho de idêntico conteúdo pode ser, portanto, produtivo e improdutivo”. Suas características dependem, nos seus aspectos essenciais, das circunstâncias socioeconômicas que cercam o labor, pouco importando se é predominantemente manual ou intelectual, se é gerador de bens materiais ou espirituais e se é produtor de valores para uso durável ou para consumo simultâneo à sua própria criação.

Lembra Marx: “Um mesmo trabalho pode ser produtivo, se um capitalista o compra […] para obter lucro, ou improdutivo, se um consumidor o compra, uma pessoa que nele investe uma parte de suas rendas para consumir seu valor-de-uso.” Alguém pode contratar um trabalhador por empreitada ou salário – para cozinhar, faxinar, pajear, reparar utensílios, fazer obras, dar aulas particulares, advogar, obturar dentes, medicar e assim por diante – sem que se transforme em capitalista: “O operário também compra serviços com dinheiro, o que constitui uma maneira de gastar dinheiro, mas não de transformá-lo em capital.” Mas as mesmas funções concretas podem ser realizadas por empresas e, nesse caso, haverá trabalho produtivo, mesmo que arrolados como serviços pelas estatísticas oficiais.

Retendo a singularidade, “Como o fim imediato e [o] produto por excelência da produção capitalista é a mais-valia, temos que só é produtivo aquele trabalho – e só é trabalhador produtivo aquele que emprega a força de trabalho – que diretamente produza mais-valia; portanto, só o trabalho que seja consumido diretamente no processo de produção com vistas à valorização do capital. […] Do ponto de vista do processo de trabalho em geral, apresentava-se como produtivo o trabalho que se realiza em um produto, mais concretamente, em mercadoria. Do ponto de vista do processo capitalista de produção, acrescenta-se uma determinação mais precisa: de que é produtivo o trabalho que valoriza diretamente o capital, o que produz mais-valia, ou seja, que se realiza – sem equivalente para o operário, para o seu executante – em mais-valia (sur-plusvalue), representada por um sobreproduto (surplusproduce), ou seja, um incremento excedente de mercadoria para o monopolizador dos meios de trabalho (monopoliser dos means of labour), para o capitalista.”

Logo, “Só é produtivo o trabalho que põe o capital variável, e, portanto, o capital total, como C+ΔC=C+ΔV. Trata-se, pois, de trabalho que serve diretamente ao capital como instrumento (agen V) de sua autovalorização, como meio para a produção de mais-valia. […] É produtivo o trabalhador que executa trabalho produtivo, e é produtivo o trabalho que gera diretamente mais-valia, isto é, que valoriza o capital. […] Somente a estreiteza mental burguesa, que toma a forma capitalista de produção pela forma absoluta, e, em consequência, pela única forma natural de produção, pode confundir a questão do que seja trabalho produtivo e trabalhador produtivo do ponto de vista do capital com a questão sobre o que seja trabalho produtivo em geral, contentando-se assim com a resposta tautológica de que é produtivo todo trabalho que produz, todo que redunda em um produto ou em algum valor de uso qualquer; resumindo: em um resultado. […] Só é produtivo o operário cujo processo de trabalho = ao processo de consumo produtivo da capacidade de trabalho – do depositário desse trabalho – por parte do capital ou do capitalista.”

Não se pense que insistir na singularidade dos assalariados improdutivos significaria, logicamente, retirá-los do âmbito conceitual referente a proletariado. Quando criticou os economistas vulgares que designavam os “faux frais da produção” como produtivos, Marx já manifestara preferência pela franqueza e crueza de “autores do tipo Malthus, que defendem sem circunlóquios a necessidade e a conveniência dos operários improdutivos”. Note-se que o autor falou em “operários”, não em “classe média” ou em qualquer outra expressão empirista, embora tivesse ressalvado que os membros de sua “categoria ‘superior’ ”, a exemplo dos altos executivos empresariais e estatais, hoje tão comuns, são “parasitas dos verdadeiros produtores ou agentes da produção”.

Atualmente, quando as formas particulares do capital – industrial urbano ou agrário, comercial e bancário – se encontram fundidos em um todo superior e integral, sob o controle da oligarquia monopolista-financeira, fração hegemônica da classe dominante, justifica-se ainda menos subtrair a grande massa formada pelos trabalhadores assalariados improdutivos à classe proletária. Todavia, continua sendo pertinente distingui-los dos proletários produtivos, até mesmo para desautorizar os “apologistas” do capitalismo que, ao tentar misturá-los e descaracterizá-los, procuram passar “felizes por alto sobre a diferença específica” entre ambos, localizada na sua “produção de mais-valia” e no seu “trabalho vivo”.

Marx também negou que o labor intelectual concreto seja, conforme a vulgata, intrinsecamente improdutivo: “Como, considerando-se o desenvolvimento da subsunção real do trabalho ao capital ou do modo de produção especificamente capitalista, não é o operário individual, mas uma crescente capacidade de trabalho socialmente combinada que se converte no agente (funktionär) real do processo de trabalho total, e como as diversas capacidades de trabalho que cooperam e formam a máquina produtiva total participam de maneira muito diferente no processo imediato da formação de mercadorias, ou melhor, de produtos – esse trabalha mais com as mãos, aquele mais com a cabeça, um como diretor (manager), engenheiro (engineer), técnico etc., outro como capataz (overloocker), outro ainda como operário manual direto ou inclusive como simples ajudante –, temos que mais e mais funções da capacidade de trabalho se incluem no conceito imediato de trabalho produtivo, e seus agentes no conceito de trabalhadores produtivos, diretamente explorados pelo capital e subordinados em geral a seu processo de valorização e de produção.”.

Depois, arrematou de maneira muito precisa: “Caso se considere o trabalhador coletivo, de que a oficina consiste, sua atividade combinada se realiza materialmente (materialiter) e de maneira direta num produto total que, ao mesmo tempo, é um volume total de mercadorias; é absolutamente indiferente que a função de tal ou qual trabalhador – simples elo desse trabalhador coletivo – esteja mais próximo ou mais distante do trabalho manual direto. Mas, então, a atividade dessa capacidade de trabalho coletiva é seu consumo produtivo direto pelo capital, vale dizer, o processo de autovalorização do capital, a produção direta de mais-valia, e daí […] a transformação direta da mesma em capital.”.

As funções intelectuais são irrecorríveis na produção capitalista. Concomitantemente ao potencial físico do trabalho manual, constituem um momento fundamental no processo de valorização. Questão bizantina seria erguer uma Muralha da China entre ambos, sobretudo hoje, quando vigem meios técnicos avançados e integrados. Tal evidência é acobertada pelos ideólogos conservadores, que apresentam a condensação das funções intelectuais no processo produtivo e a hipertrofia das finanças, no mundo atual, como se fossem a redenção definitiva da acumulação diante do labor em fase terminal. Perante a produção cada vez mais social e a apropriação cada vez mais privada, invertem em palavras as tendências reais. Eis uma das mentiras pós-modernas: tendem o trabalho a terminar e o capital impessoal a prescindir – e também a ser – de todos.

Assim, nenhuma assertiva está mais distante da realidade que a propalada substituição integral de indústrias declinantes por serviços hipertrofiados, acompanhada pela redução ou desaparição completa do produtor direto, que seria totalmente substituído por máquinas. Desenvolve-se, pelo contrário, a diversificação e a multiplicação das empresas, sejam industriais, sejam improdutivas, cada vez mais articuladas e integradas ao movimento superior do capital monopolista-financeiro – controlado pela fração dominante da burguesia –, processo acompanhado pela proletarização cotidiana do labor, ainda que irregular e até com recuos. Tal processo constitui a face genérica da “produção e reprodução das relações especificamente capitalistas”.

Mesmo hoje, nos poros da produção, distribuição e circulação burguesas em sua etapa monopolista-financeira, continua regenerando-se o trabalho independente com suas nuanças, inclusive associado a novas tecnologias, mas sob a dominância da lógica hegemônica. O Manifesto do Partido Comunista já o registrara: “A burguesia despojou de sua auréola todas as atividades até então reputadas veneráveis e dignas de piedoso respeito. O médico, o jurisconsulto, o sacerdote, o poeta, o cientista, todos foram convertidos em seus servidores assalariados.” Mais de uma década após, Marx reafirmou: foram profanadas as profissões “que até então haviam sido precisamente objeto de uma veneração supersticiosa e se encontravam rodeadas por uma espécie de auréola”.

Pouco tempo depois, o tema foi desenvolvido pelo revolucionário alemão: “Na produção capitalista se torna absolutas, por um lado, a produção de produtos como mercadorias e, por outro, a forma de trabalho como trabalho assalariado. Uma série de funções e atividades outrora envoltas por uma auréola e consideradas como fins em si mesmas, que se exerciam gratuitamente ou se pagavam indiretamente – como os profissionais […], médicos, advogados […] etc. na Inglaterra [… ] –, por um lado, transformam-se diretamente em trabalhos assalariados, independentemente do seu conteúdo e pagamento; por outro, caem – sua avaliação, o preço dessas diversas atividades, desde a prostituta até o rei – sob as leis que regulam o preço do trabalho assalariado.”.

Todo trabalho assalariado produtivo é proletário. Afirmar o inverso, porém, seria falso. Quanto ao labor improdutivo, só é proletário aquele trabalho assalariado subordinado formal e funcionalmente ao capital, excluindo-se, pois, as cúpulas dirigentes das empresas e dos órgãos estatais, formadas por pessoas com altíssimas remunerações e situadas no topo da cadeia hierárquica, que atuam como agentes mediadores no processo gerencial e na extração de mais-valia, sendo, pois, serviçais da exploração, pequeno-burgueses ou sócios do capital. O movimento sindical é constituído, basicamente, pelos membros despossuídos que se distribuem nas várias categorias econômicas.

Tais conceitos e critérios permitem que se compreenda melhor a significação das chamadas cadeias produtivas globais, surgidas nas últimas décadas, cujas movimentações impactaram internacionalmente o modo de produção, as relações laborais, os fluxos mercantis e o mundo do trabalho. Para o Banco Mundial, o processo teria fornecido novas oportunidades para que as inúmeras formas econômicas locais e a economia de muitos países se diversificassem, integrando-se aos negócios planetários. Na realidade, semelhante fenômeno e sua capacidade atualizadora permaneceram muito baixos, chegando, em certos casos, até a retrocederem perante conflitos comerciais e surtos autárquicos. Ademais, o seu rosto mais característico e grave tem sido a proliferação das condições laborais degradantes, uma das espécies contemporâneas do pauperismo.

As cadeias transnacionais de produção, serviços e circulação, intensificadas pela mundialização do capital, promoveram o retrocesso de sua essência como relação social rumo a formas em que a força de trabalho precisa, quando se vende, abrir mão de todas e quaisquer regulamentações legais. O propósito é, na linguagem administrativa-empresarial, “reduzir custos” e “obter o máximo de vantagens” trabalhistas, comerciais, financeiras, tributárias e assim por diante. Trata-se de aumentar a taxa de exploração, ampliando a mais-valia no processo de produção e circulação integral, ou seja, em todas e cada uma de suas fases. Atualmente, cerca de 80% das transações internacionais são realizadas por grandes grupos monopolista-financeiros que operam nos distintos segmentos e avançam em toda linha sobre as nações na busca contínua de lucros máximos e crescentes, forçando proletários a se sujeitarem aos trabalhos com vínculos precários, à supressão de conquistas, às péssimas condições nos ambientes laborais e ao arrocho salarial, intensificados na fase depressiva e nas crises cíclicas.

Tais conglomerados dispõem de poucos empregados diretos e contratam força laboral indireta em diversos países, isentando-se de respeitar ou garantir os direitos básicos e não raro até recorrendo a trabalhos forçados e infantis, além da brutal exploração às mulheres. Torna-se urgente uma legislação nacional e internacional para coibir tal modalidade assumida pelas relações capitalistas, o que exige uma luta unificada e vigorosa do movimento sindical. Um aspecto da campanha deve ser a denúncia de procedimentos pautados em uma lógica regida pela eficiência, como há quase um século, mas agora reciclada na condição de princípio exclusivo e absoluto, cuja supremacia é ilimitada como dogma primordial e irrecorrível, que se derrama sobre os demais terrenos sociais, inclusive como padrão jurídico de legalidade.

Vive-se no vale-tudo: os estados nacionais acabam sendo submetidos aos critérios de produção e circulação impostos pela fração dominante do capital, que revogam os marcos regulatórios protetivos, impõem padrões autorregulamentadores de interesse burguês e aniquilam os direitos trabalhistas. O movimento sindical deve acompanhar e apoiar os esforços internacionais voltados a programas amplos de ação, com pesquisas, análises e campanhas, visando a compreender melhor a lógica e as condutas das empresas multinacionais: como funcionam em termos práticos; como variam conforme o setor; como influem sobre as relações de trabalho; como interferem nos direitos fundamentais. Chegou a hora de abordar o assunto, aprovando-se convênios com as normas e os regulamentos necessários, bem como preparando as entidades representativas, nos vários níveis, para exigir a sua pronta efetivação.

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