Persistem no espectro político à esquerda, violando as evidências, os estranhos palpites ou impressões de que a vitória estaria garantida no próximo pleito presidencial e de que um nome oposicionista, em face de um adversário desgastado e isolado, já estaria na prática eleito. Ledo engano. A ilusão é antiga e se associa, pelo menos em parte, àquela voluntarista expectativa de que o Governo Federal cairia em prazo curto, sob o grito “Fora Bolsonaro”. Isso aconteceria por meio de movimentos tidos como linearmente ascendentes, que provocariam o colapso institucional, do impeachment, que pressuporia larga maioria congressual, ou da renúncia, que promoveria Mourão pela troca de guarda.

Cada qual é dono de suas quimeras. O problema é quando espalham certezas metafísicas e noções vulgares. Pior ainda se coaguladas como tática. Muitos acham que o caráter genericamente antipopular das forças palacianas seria suficiente para tanger as grandes maiorias rumo à oposição, de modo que, mecanicamente, apenas os poucos indivíduos e grupos da extrema-direita restariam no situacionismo. Há também quem acredite no zelo civilizacional da burguesia, que finalmente compreenderia os danos causados ao Brasil pelo miliciano “enlouquecido” e “desclassificado”. Para completar, outros esperam um juízo reflexivo e um imperativo moral dos seres humanos racionais ou de “bem”.

A política está longe de assim funcionar. Expressando a luta real de classes, passa pelas culturas, consciências e anseios existentes, nos níveis necessários e possíveis em cada correlação de forças. Já passou a hora de perceber que a reação bolsonariana, exercendo-se no complexo das contendas hegemônicas e disputas cotidianas, emoldurado pela crise conjuntural de quase oito anos, exprime os interesses da fração mais reacionária do capital monopolista-financeiro e do imperialismo. Ademais, consegue prosseguir consolidada nos estratos inferiores do capital e relativamente imbricada entre os “de baixo”, notadamente nos setores mais disponíveis do lumpensinato e da pequena burguesia.

Tal corrente, com suas contradições internas, mas contendo massas inorgânicas e ativistas conservadores, vem sustentando aproximadamente um terço dos votos em candidaturas protofascistas. Eis porque, no antagonismo com democratas e progressistas que se articulam notadamente no entorno da postulação Lula, surge uma polarização pronunciada e antecipada. Portanto, quedam-se à margem do jogo as pretensões “folclóricas” de nanocarreiristas ou contumazes isolados em guetos, como também alguns segmentos históricos da vida partidária, como a opção nacional-keynesiana, do pedetista Ciro Gomes, ou a recolha de cacos, agora tentada pela União Brasil, MDB, PSDB e Cidadania.

Uma incógnita é o destino das rebarbas terceiristas na eventual segunda volta. Os números das pesquisas favorecem a oposição, mas são tendências e não uma “poule de dez”. Vez que a eleição vai ser dura e tumultuada, com ameaça de sair “das quatro linhas” e com provocações, inclusive conspirações para tolher a posse dos eleitos, é preciso manter o rumo e os pés na terra. Definir a ordem como fascismo ou “exceção” e confundir governo com “poder” são crenças que, respectivamente, inibem a defesa do regime democrático e fortalecem a quimera de que a vitória eleitoral teria, por si, o condão mágico de mudar o caráter social do Estado burguês. Ambas reproduzem leniência e passividade.

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