Na semana passada o Planeta entrou no conflito mais dramático e perigoso do século XXI. A mídia monopolista-financeira e os governos, inclusive das potências envolvidas direta ou indiretamente nos combates, o têm visto como se fosse um mero capítulo da geopolítica por si, uma esfera demiúrgica. No entanto, a guerra na Europa Oriental reflete o agravamento extremo das contradições fundamentais no mundo contemporâneo, cujo pano de fundo, no padrão Kondratieff, é a Fase B ou depressiva surgida nos anos 1970, ao fim do ciclo expansivo aberto após a II Grande Guerra e conhecido como Golden Age.
A peculiaridade que marca tal contencioso é a relação da luta entre classes na Ucrânia com a marcha da Otan rumo ao Mar Báltico e ao Leste. O antagonismo contrapõe: de um lado, a concertação estratégica imperialista, capitaneada pelos USA – com seus interesses diversos e hostis –, que repõe a guerra fria; de outro, a Rússia, potência de capitalismo restaurado, que tenta se defender, além de recuperar o protagonismo internacional perdido, e a China, país socialista – com formação econômico-social de transição –, ambos ameaçados pelo círculo de fogo armado na Casa Branca e no Pentágono.
O fenômeno apenas será entendido se as determinações internas ucranianas forem consideradas, pois geraram o movimento Euromaidan e abriram caminho à interferência externa. Entre 2013-2015, o PIB Per Capita caiu 50%, com desemprego, queda salarial, ruína social. Exacerbou-se a disputa, mascarada por traço étnico, entre o proletariado – especialmente metalúrgicos e mineiros, concentrados ao Leste, com seus aliados regionais – e os magnatas em Kiev, somados a setores pequeno-burgueses reacionários e a populares influenciados pelas demagogias nacionalistas ou liberais, no Centro-oeste.
As manifestações, direcionadas pela Embaixada estadunidense ao putsch contra o presidente Yanukovych, em 2014, foram comandadas por agremiações saudosas do colaboracionista Bandera, inclusive as de filiação nazista. O Governo golpista introduz as hordas fascistas na Polícia e no Exército, proscreve os partidos comunistas e demais oposicionistas, proíbe o idioma russo e inicia o terrorismo. Assim induz a condição faltante à situação revolucionária, concretizada na insurreição da Crimeia e das oblats orientais. Na guerra civil surgem a República Popular de Donetsk e República Popular de Luhansk.
Os governos dos povos sublevados e constituídos em nações próprias ficaram oito anos cercados e fustigados pela terceira Força Armada mais numerosa da Europa, que agia em desobediência flagrante aos Protocolos de Minski e aos direitos básicos, entre os quais a independência nacional. Finalmente, resolveram pleitear o reconhecimento internacional. Por iniciativa do Partido Comunista da Federação Russa, a Duma solicitou que o presidente certificasse as duas jovens nações. Ao ato, firmado após certa hesitação, Washington reagiu com sanções, na “prerrogativa” missionária de bloquear decisões alheias.
Ocorre que a novidade agora inviabiliza o planejado ingresso da Ucrânia no bloco militar ocidental, já que países com desavenças territoriais encontram restrições normativas. Como a Otan já não poderia manter forças hostis na fronteira da Rússia no Leste e no Mar de Azove, a intimidação econômico-financeira mais revela impotência do que força. O repto foi aceito. Como as repúblicas populares pediram ajuda pelo meio diplomático adequado, a presença das Forças Armadas russas ganhou foro legal: é doutrinariamente sustentável, muito ao contrário das injustificáveis aventuras guerreiras norte-americanas.
Decerto, a longa explanação de Putin, no dia 22/2/2022, merece críticas, seja pelo tom nacionalista grão-russo que a permeia, seja pelas observações confusas e deturpadoras sobre as condutas lenineanas ou bolcheviques acerca da questão nacional. Todavia, é infundado responsabilizar o Governo da Federação Russa pelo início da guerra, como fazem Biden, Zelensky, Otan e seus acólitos no mundo inteiro, pois a Ucrânia já estava conflagrada e cheia de cadáveres desde 2014: cerca de 15 mil nas batalhas em torno das repúblicas populares, sem contabilizar os assassinatos em atentados e progroms.
Também se revela falso dizer que Putin, pura e simplesmente, invadiu com tropas e violou a soberania de um país, de vez que a operação especial ocorreu em um território já de características trinacionais, ou seja, nas terras dos Estados recém-consolidados na bacia do Rio Don – Donbass. Tem objetivos claros: dar suporte às milícias populares; realizar incursões complementares para neutralizar o arcabouço militar e político das Forças Armadas que os vinham golpeando; restabelecer os mananciais de água usados no abastecimento às zonas urbanas e rurais da Crimeia; dissuadir os planos agressivos da Otan.
O mundo e a geopolítica imperialista em nada se parecem com a viagem de Alice no País das Maravilhas. Violando compromissos assumidos ao fim da URSS, os USA tentam expandir a Otan rumo às fronteiras da Federação Russa, colocando em risco a sua defesa nacional, como também a paz regional e internacional. Em 2013 e 2014 financiou e sustentou a sanha golpista na Ucrânia, bem como lhe forneceu, posteriormente, assistência militar e munições. Ademais, alocou tropas em vários países da Europa Oriental, organizou a campanha propagandística antirrussa e ameaçou desafetos com retaliações.
Há muito surgem alertas sobre os perigos das condutas estadunidenses. No dia 22/2/2014, Raúl Castro declarou: “Agora mesmo, na Ucrânia, estão ocorrendo acontecimentos alarmantes. A intervenção das potências ocidentais deve cessar […]. Não se deve ignorar que esses fatos podem ter consequências muito graves para a paz e a segurança internacionais”. Depois, em 26/9/2018, o presidente cubano Díaz-Canel, em discurso – Assembleia Geral da ONU – disse que “A continuada expansão da Otan para as fronteiras com a Rússia provoca sérios perigos, agravados pela imposição de sanções arbitrárias”.
Considerando as ponderações acima e a séria indagação de Hua Chunying, porta-voz da Chancelaria chinesa – “Já pensaram nas consequências de encurralar uma grande potência?” – o Partido da Refundação Comunista manifesta sua inquietude com a situação na Ucrânia e a política do Governo Binden, que ameaçam a paz e a segurança do Mundo. Por via de consequência, opondo-se ao voto expedido pelo embaixador brasileiro no Conselho de Segurança da ONU, Ronaldo Costa – que, apesar de apelar por “soluções diplomáticas” e “acordo para todos”, endossou a resolução estadunidense –, apoia:
– o fim do envio de armas e munições à Ucrânia pelos USA e UE;
– a negociação de paz geral entre as partes beligerantes;
– a renúncia pelo Governo de Kiev à entrada na Otan;
– a desmilitarização da Ucrânia e a vedação de armas nucleares;
– a proibição dos grupos, esquadras e partidos nazifascistas;
– a confirmação do Russo e Ucraniano como idiomas oficiais;
– o reconhecimento à República Popular de Donetsk e à de Luhansk;
– o fim das sanções imperialistas como instrumento unilateral e ilegal.