Por Ana Victória Costa da Silva—

A grilagem de terras é um problema associado à corrida capitalista que busca lucros sem racionalizar os impactos ambientais e sociais, comprometendo a biodiversidade de determinado local e contribuindo para o aumento da violência no campo nas comunidades tradicionais.

A Lei Sarney de Terras, Lei de nº 2.979/69, institucionalizou a forma como os hectares de terras no Maranhão deveriam ser utilizados, determinante para e somente as atividades agropecuárias, extrativista ou industrial no embalo da industrialização e modernização na política do então atual governador da época, José Sarney.

No entanto, mesmo com uma perspectiva progressista, a fim de melhorar a situação do Estado e da região nordeste, os moldes do processo foram tradicionais e conservadores, dispensando a cultura da agricultura familiar e acelerando a corrida de grandes capitais comerciais em uma única prática de sistema agrícola por exemplo.

Contudo, na década de 30 já acontecia uma corrida para o norte e a expansão da fronteira agrícola pelo capital sulista e depois a construção da rodovia Belém-Brasília no período JK, propiciando futuros empreendimentos e investimentos até os dias de hoje. Por meio deste desenvolvimentismo histórico enquanto projeto, analisaremos os impactos das leis de terras e grilagem.

A contextualização e forma de pesquisa aqui apresentada parte de uma metodologia descritiva, explicativa e intervencionista (busca dados por meio de materiais bibliográficos e documentais como jornais, artigos, leis fundiárias, dados noticiados) a fim de fazer uma reflexão e análise crítica no intuito de discutir os problemas e apresentar soluções de relevância social e política.

A Lei nº 2.979/69 e os seus efeitos fizeram surgir lideranças camponesas como cita AMARAL NETO (2019, p.8), Luiz Soares Filho conhecido como Vila Nova e Manoel da Conceição Santos, conhecido com Mané ou Manuel da Conceição. Manuel da Conceição teve grande repercussão por sua formação política e em lideranças sindicais nas dadas participações como no Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural (CENTRU) e no Movimento de Educação de Base (MEB). Fundou o primeiro Sindicato dos Trabalhadores Rurais do Maranhão (STR) em Pindaré-Mirim. Assim como Manuel, Vila Nova também teve destaque no Vale do Pindaré, o que os registros destes tem em comum são suas vivências na luta camponesa.

AMARAL NETO (2019, p.9), em seu material de pesquisa, apresenta as táticas de violência que eram utilizadas contra os posseiros a mando dos grileiros e fazendeiros, são elas: cortar ou queimar os arames farpados durante a noite, queimar as achas de madeiras antes da fixação no chão, jogar manualmente ou através de aviões as sementes de braquiárias (estas sementes foram introduzidas no país na década de 60, é o capim dos pastos para a criação de bovinos, um grande valor para a agropecuária) em cima das plantações de arroz, queimar as casas dos camponeses e a pistolagem com o aparato da Secretária de Segurança Pública (SSP) favorecendo os grileiros, os fazendeiros, garantindo os latifúndios.

Em uma análise mais recente, SANTOS e TAVARES (2016) mostram a expansiva prática da sojicultura, um crescimento que começou no ano de 1995 causando grande impacto socioambiental. Mas os autores também se preocuparam em mostrar o significado da expropriação da terra pelo capitalista:

No Maranhão, a grilagem exerceu um duplo papel no processo de expansão capitalista, pois, ao mesmo tempo em que expropriou o trabalhador, abrindo caminho para o capital no campo, concretizou o processo de captura do Estado pelo capital agora valorizado pelo processo de especulação fundiária irrigada por créditos subsidiados pelas agências de desenvolvimento. Portanto, a política local de acesso à terra instaurada pela Lei de Terras de 1969 logrou êxito, pois, tinha em vistas a sujeição do trabalhador livre ao grande capital, bloqueando o acesso à terra para a grande massa populacional para a qual sobraria um único meio de sobrevivência que, invariavelmente, seria a venda de sua força de trabalho para o capital. (SANTOS e TAVARES, 2016, p.378).

O trecho acima ajuda ilustrar uma comparação da anedota que MARX faz sobre o pecado original econômico da força de trabalho e da acumulação do capital, no capítulo 25 de sua obra ‘O Capital’ , mas é possível analisar a fundo que no processo de mudança na Inglaterra de um sistema feudal para o florescimento da manufatura de lã houveram muitas violências para transformar as terras em grandes pastos de ovelhas e essa reprodução capitalista permanece até os dias atuais onde acompanhamos por meio de notícias e dados de institutos as transformações do campo.

SILVA (2024) escreve em matéria eletrônica que a Comissão Pastoral de Terras (CPT) divulgou em 22 de abril de 2024 que os conflitos no campo envolvendo disputa por terra, exploração de mão de obra e o uso da água alcançaram patamar recorde em 2023 e o Maranhão registrou 206 ocorrências de violência. E, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o Maranhão foi o estado que mais desmatou o cerrado em 2023, destruindo cerca de 2927 km² do bioma.

Por qual motivo? A atuação do agronegócio. O município de Balsas é o terceiro maior em desmatamento do cerrado no país em 2023 segundo o INPE, essa ação impulsiona as saídas de comunidades tradicionais do campo, o empobrecimento do solo, o uso irregular de agrotóxicos como, por exemplo, a pulverização de venenos, doenças, problemas climáticos, e a violência no campo que perpetua.

Mesmo sendo um debate político, educacional, econômico e ambiental, as questões do campo passam por profundas reflexões, momentos de resistência e denúncias por meio de veículos de informação digital. Ong’s, coletivos, comunidades tradicionais e jornais contribuem cada vez mais cobrando das autoridades.

Mas os problemas continuam sendo as leis ou o apoio direto no latifúndio? O certo aqui ser discorrido é que mesmo nos dias atuais, as leis estão em conjunto apoio ao latifundiário; um exemplo é a Lei nº 12.169/2023, batizada pela sociedade como Lei da Grilagem.

O Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Agrários do Ministério de Desenvolvimento Agrário e Agricultura familiar (MDA) fez a seguinte ressalva quanto aos desdobramentos desta lei:

[…]a citada lei estadual, ao possibilitar a “regularização fundiária” de áreas até 2.500 hectares, ocupadas há pelo menos cinco anos, sem estabelecer termo inicial a partir do qual a contagem dos cinco anos deverá iniciar-se, sem ressalvar as ocupações sobrepostas a terras tradicionalmente ocupadas por povos e comunidades tradicionais e sem condicionar a ocupação ao exercício de posse mansa e pacífica, tem o potencial de fomentar uma verdadeira corrida pela grilagem de terras, inclusive mediante o uso da violência.

O problema observado é a falta de consistência nas leis que dão abertura para grileiros por falta de uma fiscalização e lacunas; como ficam as terras ocupadas por tradicionais? Quais órgãos vão mediar a violência no campo? Como desenvolver projetos de agricultura familiar em meio as atividades de monocultura, ampliação de pastos e outras atividades que vão afetar trabalhadores e as terras?

Em uma entrevista, Manuel da Conceição disse que não bastava uma economia solidária sem o espírito solidário, é necessário a construção em todos os espaços de uma cultura solidária que irá mudar a relação do homem com outro homem e do homem com a natureza.

Envolvidos nessa fala, podemos pensar em um caminho próspero, gerar emprego e renda, diminuindo os impactos na natureza, por meio da agricultura familiar, para manter os saberes tradicionais ao passo que acontece a produção de serviços ecossistêmicos.

Referências Bibliográficas:

AMARAL NETO, Roberval. “LEI SARNEY DE TERRAS”: conflitos fundiários e resistência camponesa no oeste maranhense nas décadas de 1970 e 1980.ANPUH-30º Simpósio Nacional de História.Recife,2019.

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar. Sobre a Lei n. 12.169, de 19 de dezembro de 2023, do Estado do Maranhão. Disponível em: https://www.gov.br/mda/pt-br/noticias/2023/12/sobre-a-lei-n-12-169-de-19-de-dezembro-de-2023-do-estado-do-maranhao . Acesso em: 11 de junho de 2024.

CONCEIÇÃO, da Manoel. Uma das mais importantes lideranças camponesas do Brasil em todos os tempos, um dos primeiros signatários do Manifesto de Fundação do PT.[Entrevista concedida a] Hamilton Pereira (Pedro Tierra) e Ricardo de Azevedo.TeoriaeDebate. Edição 246 – Julho/2024.

Maranhão é o estado que mais desmatou o cerrado em 2023, aponta INPE.g1 MA,12 de janeiro de 2024. Disponível em: https://g1.globo.com/ma/maranhao/noticia/2024/01/12/maranhao-e-o-estado-que-mais-desmatou-o-cerrado-em-2023-aponta-inpe.ghtml . Acesso em: 17 de maio de 2024.

MARX, Karl.O Capital: Crítica da economia política. Livro I: O processo de produção do capital. Editora: Boitempo.

SANTOS, dos Bezerra Frednan; TAVARES, Claudino João. QUESTÃO AGRÁRIA E VIOLÊNCIA NO MARANHÃO: grilagem, colonização dirigida e a luta dos trabalhadores. R. Pol. Públ., São Luís, v. 20, n 1, p. 361-382, janeiro /junho 2016.

Sementes de Brachiaria.GALPÃO CENTRO-OESTE. Disponível em: https://galpaocentrooeste.com.br/sementes-de-capim/sementes-de-brachiaria.html . Acesso em: 18 de julho de 2024.

SILVA, Camila. Brasil registra recorde de conflitos no campo em 2023, mostra relatório. CartaCapital, 22 de abril de 2024. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/sociedade/brasil-registra-recorde-de-conflitos-no-campo-em-2023-mostra-relatorio/ .Acesso em: 17 de maio de 2024.


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