Em 26/6/2024, quarta-feira, unidades militares, comandadas pelo general Zúñiga, tentaram invadir o Palácio Quemada. Os acontecimentos pareciam seguir o script clássico. Todavia, imediatamente, o ex-presidente Evo Morales, vigorosamente, denunciou a intentona em curso, abstendo-se de falar sobre os detalhes. Ato contínuo, a Central Operária Boliviana se mobilizou, decretou greve geral e convocou “as organizações sociais e sindicais […], e o povo em geral para se levantarem contra os […] violadores dos direitos humanos, políticos e democráticos”. Sem o apoio dos seus próprios soldados e cercados pela multidão que afluiu à Praça Murillo, fracassaram os pretensos defensores da “Pátria”.

Na sequência, vários primeiros mandatários condenaram, pelo mundo afora, o putsch malogrado. Após reunião com Mauro Vieira e Celso Amorim, Lula também o fez com veemência. Em contraste com seus procedimentos anteriores, a OEA firmou, em resolução aprovada logo na manhã seguinte, uma firme posição contra o ato ilegal. No entanto, muitos apresentavam sérias dúvidas sobre a responsabilidade principal na inspiração e na organização da quartelada. No exato momento em que as tropas marchavam pelas ruas de La Paz, pairavam suspeitas sobre o real papel de Arce, que fora expulso do Movimento ao Socialismo em 2023 e vinha conflitando, publicamente, com seus atuais dirigentes.

Especulações à parte, o confronto entre o governo central e o maior partido à esquerda, cada vez mais agudizado pela postura das principais autoridades perante a indicação de Morales, pelo Congresso de Outubro passado, como candidato ao pleito em 2025, no mínimo aprofundou a divisão entre os “de baixo” e favoreceu a conspiração à direita por cima, que já ostentava um currículo sombrio, reiterado recentemente. Sublinhe-se a crise que resultou na posse de Áñes com respaldo imperialista, o protagonismo China-Rússia na promissora indústria local do lítio e, nas vésperas da última quartelada, uma “bronca” na embaixada estadunidense por interferir nos assuntos internos do País andino.

Considerando-se o quadro ainda nebuloso, não basta repudiar o motim, punir os executores diretos e solidarizar-se, abstratamente, com a “democracia” boliviana, mesmo porque já estão evidentes os interesses internacionais que seriam objetivamente beneficiados e o indefectível dedo norte-americano. Em face das graves acusações, que se transformaram em pano de fundo e fato incontornável, torna-se indispensável – além de preservar o foco central nos tradicionais inimigos das liberdades políticas e classes populares – barrar o sectarismo que divide o campo democrático-progressista e garantir a sólida investigação referente aos reais mentores ou eventuais cúmplices da maquinação golpista.

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