Decididamente, uma visão abstracionista hegemonizou a geopolítica burguesa, chegando a influenciar o discurso e a prática de segmentos à esquerda. Longe de um fato novo, impressiona sua permanência desde a era colonial, continuando na época do imperialismo, em curso, até os dias hodiernos, quando assevera que as contradições manifestas no mundo atual se resumem ao conflito genérico de “Ocidente” contra “Oriente”, na esfera planetária e nos desdobramentos locais. Outra contradição – de naipe análogo, mas com viés tributário vis-à-vis ao contencioso contemporâneo – tem sido a oposição do chamado “Sul Global” à grande potência que tenta manter a ferro e fogo a ordem unipolar.
Semelhante patamar existe, devendo ser considerado, por vezes, como vetor principal. Todavia, jamais pode ser visto assim, completamente nu, sem os esqueletos reais que lhe conferem sentido e concretude, como as lutas internas das classes, com suas expressões políticas – inclusive na diplomacia e nas guerras – e a questão nacional, chaves para os proletariados, povos e governos soberanos dos países dependentes. Semelhante alheamento camufla os processos e circunstâncias ontologicamente originários, afastando as forças inovadoras e os pioneiros sociais – partidos, frentes, militantes ou instituições, aderentes a propósitos revolucionários – de condutas produtivas e, logo, transformadoras.
Tal método pede uma crítica, sem prejuízo de claras posições quanto ao quadro internacional em chamas e à beira de um ponto sem retorno. Só aos magnatas mais obtusos interessa uma nova e terrível conflagração internacional, com imprevisíveis consequências para os seres humanos, mormente para os trabalhadores, as tradicionais buchas de canhão. Eis o que se desenha na Europa e Ásia Menor, com ecos nas demais áreas do Globo, invariavelmente provocados pela voracidade, pelo mandonismo e pelo belicismo estadunidense que dão as cartas na Otan composta por nações imersas em crise, paralisia e sabujice, características oneradas pela incerteza eleitoral na Casa Branca.
O bloco do capital imperialista justifica sua conduta hostil como providência indispensável à cruzada mítica de uma “democracia” imposta por canhões, devidamente conceituada pela bula ultraliberal, pela carência de vínculos históricos aos destinatários e pela falta integral de fundamento social nos locais pretendidos. Em busca de uma contraposição fácil e perturbadoramente inconsistente, certas mídias e autoridades resistentes aos desígnios de Washington fazem a clivagem contra o tal “Ocidente Coletivo”, como se o Japão, a Coreia do Sul e outros aliados ao nascente, além das nações latino-americanas e africanas, fossem ausentes no tabuleiro do xadrez planetário e nas disputas pelo futuro.
Considerando-se a reflexão acima, os temas fulcrais da política externa brasileira residem não em um suposto alinhamento automático e com base no determinismo geográfico, mas em aplicar linhas que facilitem a soberania e o desenvolvimento nacional, bem como beneficiem os segmentos populares internos. Tal é o núcleo central a ser respeitado e promovido. Eis o motivo pelo qual são necessários entendimentos e ações conjuntas com Estados vizinhos e distantes, que desejam enfrentar os mesmos perigos e partilhem objetivos comuns. Um exemplo é o Brics, apesar da sua considerável diversidade.