Por José Pastore*—

Ainda que muitos analistas estejam desconfiados e cautelosos a respeito dos dados do Censo de 2022, arrisco dar uma visão geral da informalidade trazida pelos seus dados.

Em 2022, o Brasil tinha cerca de 97 milhões de pessoas trabalhando. Dentre elas, quase 8 milhões eram militares e funcionários públicos. Portanto, no setor privado, havia cerca de 89 milhões de trabalhadores. A informalidade atingia 15,4 milhões de empregados em geral; 4,2 de domésticos; 17 milhões de trabalhadores por conta própria assim como 1,2 milhão de empregadores e 1,7 milhão de trabalhadores familiares – todos sem nenhum vínculo previdenciário. No total, a informalidade atingia cerca de 37 milhões, ou seja, 41% do total do setor privado. É um número impressionante! No norte do país, eram 60%; no nordeste, 56%; no centro-oeste, 39%; no sudeste, 34%; e no sul, 28%.

Em média, o trabalhador informal ganhava 30% do que recebia o formal. No caso do trabalho doméstico era 40% menos. Além disso, esses trabalhadores não têm as proteções básicas como aposentadorias e licenças da Previdência Social e nem a poupança para enfrentar os momentos de desemprego (FGTS). Em alguns casos, é verdade, eles recebem 13º salário, férias e abono de férias – mas isso depende de um acordo incerto entre empregado e empregador.

No geral, o trabalho informal é de baixa qualidade. O mais grave é que a maioria dos trabalhadores informais têm educação muito precária: 62% não têm nenhuma instrução ou têm apenas o curso fundamental incompleto.

No que tange aos trabalhadores por conta própria, que são cerca de 25% da força de trabalho ocupada, 68% não contribuem para a Previdência Social, o que os deixa sem as proteções básicas. Entre os que são sem instrução ou têm apenas o curso fundamental incompleto, esse percentual chega a 79%. É a desproteção total.

Ao considerar como corretos, os dados citados mostram que a informalidade no Brasil é crônica. Trata-se de uma combinação perversa de postos de trabalho de má qualidade com educação incipiente do lado dos trabalhadores.

A má qualidade dos postos de trabalho é evidenciada nas atividades simples e rudimentares exercidas por cerca de dois terços dos trabalhadores: balconistas, atendentes, ajudantes de caminhão, serventes de pedreiro, garçons, auxiliares de cozinha, entregadores, merendeiras, vigilantes, lavradores, ordenhadores, etc. São trabalhos de má qualidade, baixos salários, alta rotatividade e pouca ou nenhuma proteção trabalhista e/ou previdenciária. Um terço das atividades são de alta qualidade, em geral, nas áreas da indústria, finanças, tecnologia, saúde e educação para as quais, com frequência, há falta de pessoal adequadamente qualificado. Isso se reflete na péssima distribuição de renda do país.

Bem diferente é a situação dos países avançados. Na Alemanha, por exemplo, o quadro é o inverso. Dois terços dos postos de trabalho são de alta qualidade e bem remunerados – em geral exercidos por trabalhadores que passam por um sistema de ensino eficiente – e um terço são de má qualidade – em geral, exercidos por imigrantes como é o caso dos balconistas, garçons, ajudantes de cozinha, taxistas e entregadores. Esse quadro reflete a estrutura de produção daquele país que é concentrada em alta tecnologia – ao contrário da nossa situação.

Isso significa que a redução da informalidade no Brasil depende de mudanças na estrutura de produção e melhoria na qualidade da educação. Trata-se de um desafio gigantesco pois, a mudança da estrutura de produção é complexa e demorada. Ainda hoje, cerca de dois terços das exportações brasileiras se concentram em commodites – agro e minérios -, cuja maioria dos postos de trabalho é de baixa qualidade.

A melhoria da qualidade do sistema de ensino também é lenta e complexa, especialmente diante da revogação da reforma do ensino médio de 2016, sem nada se colocar em seu lugar.

Ou seja, a informalidade está ai para ficar durante muitas décadas. E, para agravar, o Brasil continua com um sistema de tributação do fator trabalho que inibe a contratação formal. Quando se consideram as contribuições obrigatórias e as despesas relacionadas a remuneração do tempo não trabalhado (13º salário, férias, abono de férias, aviso prévio, etc.), o custo de uma contratação formal chega a 102% do salário nominal. E, por meio da MP 1.202/23, o governo quer reonerar os poucos setores que tinham uma redução de custo na contratação legal e formal.

Em suma, o que o Censo mostrou no campo da informalidade não é novo e tampouco agradável. Enquanto o problema não se resolve, o Brasil vai envelhecendo e reduzindo a proporção de jovens que podem trabalhar.

Isso complica o quadro atual. Quem vai trabalhar no futuro? Será que os robôs serão capazes de substituir os braços e as mentes? Como proteger as pessoas de pouca educação e reduzidas oportunidades de bons trabalhos? Quem vai contribuir para a Previdência e Assistência Sociais? Lembrem que os empregados e empregadores recolhem contribuições, mas os robôs, que tomam os seus lugares, nada recolhem.

São problemas cuja superação depende de uma 1) forte aceleração do crescimento econômico; 2) ampla diversificação da atual estrutura produtiva: 3) forte elevação do nível de conhecimento e habilidade dos trabalhadores; e 4) modernização do atual sistema de encargos sociais que incidem sobre o trabalho.

* Este artigo utiliza os dados do ultimo Censo realizado pelo IBGE em 2022 para relatar o estado atual da informalidade no mercado de trabalho. O problema é crônico e não dá sinais de melhora. Os trabalhadores informais são desprotegidos pelas leis trabalhistas e previdenciárias.

Publicado originalmente no site migalhas.com.br no seguinte link


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