As lutas entre as classes internas – por similaridade a outros países do mundo e sem motivos para surpresas – vêm assumindo, além de formas caracteristicamente políticas, expressões religiosas e sectárias. Tais fenômenos desvirtuados, sejam canônicos, sejam espontâneos, camuflam os reais motivos dos contenciosos e – sobretudo para os que respeitam ou praticam honestamente as suas convicções – instrumentalizam os preceitos manifestos nos discursos dos porta-vozes das várias igrejas ou facções, que dificilmente assumiriam eventuais condutas manipuladoras e desonestas, muito menos se mostrariam dispostos a justificá-las com menções às escrituras cultuadas como sagradas.
No Brasil, as mídias monopolista-financeiras estão inundadas por libelos enganadores sobre a guerra entre as forças de fato integradas na resistência nacional palestina e as unidades militares oficiais do Estado israelita sob a direção de um governo hegemonizado pelo sionismo hiperdireitista. Edita-se o conflito como se fosse o cisma final e decisivo entre judaísmo e islamismo. A polarização internacional se conforma, pois, como ideologia sensível francamente alienada, estorvando assim uma defensável política externa independente mediante o Itamaraty, que no atual período apenas pode consubstanciar-se como pleito proletário-popular mediado no patamar dos interesses nacionais soberanos.
O endosso irrestrito ao discurso dos grupos fundamentalistas integrados à população de Gaza e da Cisjordânia, com seus congêneres no mundo árabe – que não pode ser visto como algo idêntico ao povo palestino, mas que o integram por determinações histórico-sociais – de modo nenhum é resposta consequente aos setores religiosos reacionários que se lhe opõem, igualmente abusivos. Ambos guardam, no fundo – embora com sinais contrários –, seus próprios nacionalismos elevados ao paroxismo e sublimados como finalidades místico-milenaristas, que assim tentam conferir sentido subjetivo às disputas profanas por territórios, mercados e culturas, em simbiose com a geopolítica imperialista.
No campo acriticamente alinhado à Otan e à ofensiva militar israelense – que somente com muito exagero pode ser nomeada como direito à defesa – os atos e atividades são mencionados por meio de referências bíblicas, pelas quais aludem a Jerusalém como a “terra prometida”, incorporando mitos cristãos, e à nostalgia da Grande Israel teocrática, incentivando a busca expansionista. Os mais alucinados acreditam que preparam o locus indispensável ao retorno do Messias, colocando-se, por via de consequência, na condição de ferramenta com apelo em setores de massas e útil a trapaças políticas. Daí a santificação de um Estado centrado em operações bélicas e disponível à fascistização do regime.
Semelhante padrão elucida o fenótipo da polarização aqui emergente na crise conjuntural de 2014-2015, depois emoldurada pela Operação Lava Jato, pelo impeachment presidencial, pela prisão de Luiz Inácio Lula da Silva e pelo acesso da ultrarreação ao Governo Central, com as suas derivações. Agora, quando a frente ampla democrática e progressista procura realizar os seus compromissos eleitorais, apesar dos embaraços, é preciso que os partidos e as forças proletário-populares rechacem as escatologias ultimatistas e traduzam os seus reclamos em uma plataforma unitária de lutas. Nunca foi tão atual o alerta feito por Lênin, ao asseverar que a verdade, na política, é sempre concreta.