Por PRC—
O capitalismo trava e o imperialismo convulsiona o mundo
Os ataques da extrema-direita no Brasil à soberania nacional, ao movimento operário, às conquistas populares, às empresas estatais, aos serviços públicos, às liberdades civis e ao regime democrático-constitucional, que alcançaram o cume sob o Governo Bolsonaro, se processam em um quadro internacional marcado pelo predomínio da contrarrevolução. Embora com particularidades em cada país ou região – determinadas pela primazia das contradições internas, especialmente a luta de classes, na conformação das políticas e conjunturas – o período atual é balizado, em geral, pelas forças mais obscurantistas do espectro ideológico. A virulência e a brutalidade da reação conservadora encontram poucos paralelos na história humana.
O substrato dessa situação é, na Quarta Onda Longa da economia burguesa, a Fase Depressiva em curso, em particular quando se agravam os conflitos das grandes potências entre si, do imperialismo face às nações dependentes e do capital contra o trabalho, inclusive a contradição que opõe, mundialmente, as formações econômico-sociais dominantes ao socialismo. A luta de classes, novamente aquecida, movimenta-se em várias direções, ocasionando manifestações multitudinárias com sinais e perfis distintos, não raro opostos, à direita ou à esquerda, entrelaçadas frequentemente a guerras e golpes.
O Programa deliberado no V Congresso do Partido – 30/3/2018 –, visando ao reforço do suporte materialista na política partidária, tipificou tal circunstância:
“[…] o capitalismo, em sua anarquia intrínseca e inevitável, sofre longos períodos depressivos e sucessivos mergulhos cíclico-conjunturais, que destroem, periodicamente, as forças produtivas, provocam desemprego e lançam multidões na miséria, como condição para se retomarem os pulsos econômicos expansivos. O mundo vive, desde a primeira metade dos 1970, uma estagnação sem horizonte de saída, com baixos índices de crescimento. Só nos últimos 15 anos, o Brasil foi assolado por três crises conjunturais, a última a partir de 2014.”
Em 12/5/2019, a resolução do Comitê Central bateu na mesma tecla. Frisou que “a conformação do atual Governo Federal transcorre em um quadro internacional de forte reação política, inaugurada com a falência das experiências socialistas do Leste Europeu e capitaneada pelas forças mais conservadoras do espectro político mundial”. Constatou, ainda, que “as lutas proletário-populares se viram em uma defensiva generalizada” e que “o substrato dessa conjuntura é a fase depressiva da onda econômica longa – no padrão elaborado por Kondratieff […].”
A determinação da política pela sociedade civil é um processo complexo. Inexiste uma correlação direta e mecânica entre os termos crise-reação e crise-revolução. Conforme sintetizado por Marx nos Grundrisse, o real é uma “rica totalidade com múltiplas determinações e relações”. Tal esclarecimento foi reafirmado por Engels na Carta para Joseph Bloch, de 22/9/1890, ao desautorizar o enfoque vulgar que reduz a ontologia do ser social à mera geração econômica da cultura, da psicologia social e da política:
“De acordo com a concepção materialista da história, o elemento determinante final na história é a produção e reprodução da vida real. Mais que isso, nem eu e nem Marx jamais afirmamos. Assim, se alguém a distorce, afirmando que o fator econômico é o único determinante, transforma tal proposição em algo abstrato, sem sentido, e uma frase vazia. […] Do contrário, a aplicação da teoria a qualquer período da história selecionado seria mais fácil do que uma simples equação de primeiro grau.”
Mantendo sempre como fulcro “a produção e reprodução da vida real”, o esforço de formulação criativa da linha revolucionária precisa considerar o devir da política em suas substâncias e concreções, nacionais e intrínsecas. Nos anos 1980 e 1990, os próceres do chamado “projeto neoliberal”, extasiando-se com a desagregação do bloco socialista, jurando que o capitalismo seria eterno, anunciando a miniaturização drástica do Estado burguês e garantindo que a “democracia” – assim mesmo, como valor universal-abstrato – representaria o teto da política, imaginaram repetir a “Era Dourada” posterior à Segunda Guerra Mundial. Pintaram sua empreitada com a cor da novidade, mas a vestiram com a mítica “pós-modernidade”, sentenciando que inexistiriam classes, povos e nações.
No âmago objetivo de sua vontade contrarreformista, alicerçada nos dogmas neoclássicos, pontificava uma compulsão inconfessável: neutralizar a baixa tendencial na taxa de lucro mediante a liquidação dos direitos trabalhistas, o achatamento salarial e o rebaixo no volume de mais-valia pago ao fisco, bem como a transferência maciça de serviços e bens públicos aos conglomerados monopolista-financeiros privados. Assim promoviam, mediante a desestatização – vale dizer, a transferência do capital burguês-coletivo, coagulado na propriedade estatal, à fração superior da classe dominante –, uma espécie de acumulação primitiva extemporânea.
Sabe-se, hoje, com base no depoimento inocultável dos fatos, que fracassaram. O padrão e a matriz axiológica embutida no conceito de “globalização”, que durante anos gozaram de certo glamour, fizeram escola nos meios empresariais, midiáticos, acadêmicos e políticos como “pensamento único”, seduzindo até algumas forças e setores populares, mas naufragaram perante o agravamento progressivo dos problemas e tensões sociais. Na fase depressiva do capital mais longa da história – 47 anos – a intenção de manter, organicamente, altos valores na taxa de exploração e nos lucros nutriu a dependência das nações, as desigualdades já existentes, os regimes autocráticos e, obviamente, ao reverso, as tendências políticas que se lhe contrapunham.
No bojo da utópica busca por um liberalismo redivivo na época do capital monopolista-financeiro e do imperialismo, a inconformidade passou a ocupar uma cesta diversificada: os grupos keynesianos, retomando a reflexão sobre a importância das entidades “republicanas” como gestoras comuns dos interesses dominantes; o democratismo pequeno-burguês, criticando a nova espécie de “totalitarismo”; o social-liberalismo, buscando alcançar o chamado “Estado Social”; o movimento proletário, resistindo à superexploração como podia; o sentimento anti-imperialista dos povos, defendendo a soberania nacional; o autarquismo xenófobo, assumindo características de fascismo; cada vertente corporificada por meio de percurso e forma singulares em ser terreno social ou nacional.
Com as forças revolucionárias – especialmente, o movimento comunista – então contidas, enfraquecidas e incapacitadas para se afirmarem junto às grandes massas como alternativa palpável, o descontentamento dos “de baixo” emergiu como exigência de mudanças limitadas ou até reformas no interior da ordem, mais ou menos aceitáveis pelos “de cima”, que minimizassem o sofrimento insuportável dos pobres e “humanizasse” a sociedade alienada, pelo menos superficialmente. Foram os caminhos que as classes populares – na disputa por seus interesses imediatos – conseguiram trilhar nas condições desvantajosas em que se encontravam e que os partidos legais à esquerda escolheram para prosperar na sociedade política do capital.
Os limites do possibilismo
Em vários países latino-americanos, experimentou-se fazer com que o Estado se autorreformasse, como pela enésima vez havia sido experimentado, sem sucesso, pelas gerações passadas. Os êxitos parciais conseguiram melhorar certas condições de vida focalizadas, bem como arrefecer, durante algum tempo, a sanha repressiva da classe dominante interna e a dependência crônica ao imperialismo. Governos democráticos e mudancistas, alguns de origem popular – inclusive o autoproclamado “socialismo do século XXI” –, outros encabeçados por correntes burguesas, constituíram-se pela via eleitoral, sem faltarem lutas de massas em suas gêneses. O resultado foi uma vaga progressista continental nos anos 2000 e 2010, em que cada vertente portava – no corpo e na alma – os coloridos e marcas de suas particularidades: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Equador, Nicarágua, Paraguai, Uruguai, Venezuela.
Pesava, entretanto, sobre tais processos, a severa observação contida nas Glosas críticas marginais ao artigo “O rei da Prússia e a reforma social”: é utopia esperar que o Estado se automodifique, resolvendo problemas fundamentais suscitados na sociedade civil do capital, pelo simples motivo de que a volição institucional constitui, em última instância, a própria expressão de seu objeto. Marx elucidou, em 1844, as fronteiras tacanhas de uma transformação social “com alma política” e frisou que a revolução exige uma ação política com “alma social”. Eis a crítica do pensador e dirigente comunista germânico à política como simples positividade, indispensável à compreensão cabal dos enganos e dilemas reformistas.
O enfoque ontonegativo sobre a política – que tem a ver, não, como se lê nas orelhas de certos livros, com a renúncia ou a subestimação desse tipo fundamental de práxis, mas sim com a visão crítica indispensável ao processo de emancipação humana – é indispensável para se compreender os sucessivos fracassos colecionados pelos remendos estatais feitos nos últimos 150 anos. Ademais, permite a conclusão de que a sociedade burguesa e, pois, o seu órgão maior de classe, estão teórica e doutrinariamente superados. No entanto, ao contrário do que apregoam visões simplistas, catastrofistas ou abstencionistas, não o estão do ponto de vista político-prático. Ressalte-se que semelhante afirmação nem de longe autoriza ilusões liberais.
A falácia de que os vocábulos “governo” e “poder” seriam sinônimos – correlatamente, a quimera de que o Estado seria neutro e teria seu conteúdo conformado pelos pronunciamentos eleitorais, bem como de que as políticas interiores à ordem poderiam deter ou reverter a imanente lógica do capital em sua reprodução metabólica e seus reflexos na coisa pública – já representava, não raro inconscientemente, o germe da impotência. O imperialismo e o capital monopolista-financeiro, que estavam dispostos a massacrar quaisquer desafios ao seu ditado, inclusive os menores desvios na rota estabelecida mediante a tradição e o zelo conservadores, até os mais débeis e inofensivos – que se dirá dos maiores? –, ligaram os seus motores.
Os capítulos seguintes são por demais conhecidos. Aproveitando-se da corrosão sofrida pelos governos democráticos e progressistas – que assumiram perante as massas populares a responsabilidade gravíssima de resolver os seus problemas fundamentais sem ter os instrumentos básicos para responder às expectativas criadas –, passaram a desgastar-se, tanto mais rápida e profundamente quanto se impuseram as crises cíclico-conjunturais internas e os equívocos que municiaram os discursos, a mobilização e os aparelhos da extrema-direita. Os alvos entraram na mira, em fila: Honduras, Paraguai, Brasil, Equador e, mais recentemente, Bolívia. No Chile, na Colômbia e no Uruguai, bastou a reversão pacífica pelo voto.
O Governo Venezuelano, que aprofundou as reformas sociais, organizou as massas populares para o enfrentamento, erigiu a Constituinte como poder contra-hegemônico e reorganizou as Forças Armadas, consegue resistir, mas só tem uma opção para vencer: ultrapassar o seu próprio Rubicão, isto é, transformar o processo de reformas sociais “com alma política” em revolução política com “alma social”. Cuba é o exemplo: mesmo atacada com virulência, inclusive agora pelo Governo Bolsonaro e a maioria da OEA, resiste ao embargo norte-americano há seis décadas. Que se cuide o novo governo Argentino, pois já começa com a hostilidade e os desaforos da extrema-direita brasileira.
Do mesmo modo que as buscas por reforma social com “alma política” sofreram sucessivas derrotas, mais dia menos dia ruirão, igualmente, as tentativas de reação social com “alma política”. A vontade ultraconservadora nada possui de absoluta, pois opera, objetivamente, sob as contradições fundamentais do mundo contemporâneo. O declínio econômico do imperialismo estadunidense – origem da multipolaridade vigente, que os esforços unilaterais de controle total não conseguiram evitar – o induz a defender antigas áreas de influência e recuperar os espaços geopolíticos perdidos, assim como aferrar-se ao controle monopolista-financeiro sobre capitais, mercados e matérias-primas. Os povos e nações estão na mira de sua diplomacia truculenta, que promove intervenções militares e ameaça a paz mundial em conflitos localizados ou de maior proporção.
Tal conduta põe a Casa Branca em choque, não apenas contra governos frágeis e por algum motivo “desafinados”, mas também contra uma Rússia soerguida e zelosa de seus interesses, bem como ainda contra o gigante chinês que, após fazer a revolução socialista e prosseguir sua experiência de complexa formação econômico-social transitória no mundo burguês hostil, prepara-se agora para ocupar o lugar de primeira potência econômica planetária. O cerco ao Oriente e a “guerra comercial”, de Donald Trump, somente roçam o lado superficial de antagonismos que ainda evidenciarão sua enorme seriedade. Hoje, as aporias vivas da geopolítica mundial, pacíficas ou nos campos de batalha, envolvendo inclusive a União Europeia, desempenham um papel positivo para contrabalançar o mando imperialista exclusivo.
Eis o terreno onde sobrevivem, avançam e se desenvolvem, nos poros da ordem mundial, os diversos episódios das lutas nacionais encetadas pelos povos e nações dependentes, mediante governos desalinhados, resistências sem rumo necessariamente certo e mobilizações massivas com múltiplos sentidos. Não se deve, porém, incensar todo e qualquer movimento, à revelia de seus conteúdos e agentes. Os levantes que precederam o esfacelamento líbio, a “primavera” síria que preparou a ofensiva militar conjugada por forças reacionárias e os movimentos de Hong Kong sob as bandeiras britânicas ou norte-americanas, por exemplo, mesmo que tenham determinações sociais reais e dignas de atenção, não passaram de pronunciamentos política, ideológica e funcionalmente conservadores.
O culto anarquista que glorifica os ajuntamentos em si e por si nada possui de avançado. Pode muito bem dormir junto ao povo e acordar com a CIA, falar em “democracia” e ser, na prática, instrumentalizado por golpes direitistas para construir regimes autocráticos. Portanto, há que se posicionar caso a caso. As manifestações heroicas dos povos equatoriano, boliviano e colombiano, bem como as recentes vitórias oposicionistas no México e dos vizinhos argentinos, inserem-se, com seus jeitos próprios, nas lutas latino-americanas em defesa da soberania nacional, das liberdades políticas, dos direitos fundamentais e das reivindicações econômico-sociais dos explorados, contra o imperialismo estadunidense e as reações internas.
Ofensiva estratégica ou resistência popular?
Todavia, tais pronunciamentos não têm o condão mágico de superar, em geral, o patamar da resistência e das reivindicações parciais, ainda que políticas, em face da sociedade capitalista, mesmo que algumas cheguem às raias de ingressar em rumos radicais e de contestar o jugo burguês-imperialista. Considerando-se que o marxismo superou a velha concepção dualista pertencente ao idealismo filosófico, as elaborações táticas devem ser compatíveis com as exigências e brechas imanentes à situação concreta – sob a pena de fracassarem mediante ações de aventura ou de capitulação, dois equívocos que geram o isolamento e no limite a desagregação, seja pela exposição dos pioneiros sociais à violência repressiva, seja pela inapetência combativa.
Em outra situação histórica, também complexa, Lênin procurou, em A Bancarrota da II Internacional, de 1914-1915, estabelecer um porto metodológico seguro para detectar possibilidades e orientar movimentos táticos. A noção de “situação revolucionária”, que formulou, é de importância inestimável para se apropriar de realidades que demandam, seja uma política ofensiva de assalto à cidadela estatal, ou “guerra de movimento”, seja, em caso contrário, políticas mediadas para batalhar quando a passagem para além do capital continuar infactível, ou “guerra de posição”:
“Para um marxista, indubitavelmente, a revolução é impossível sem que haja uma situação revolucionária; mas nem toda situação revolucionária conduz à revolução. Quais são, de uma maneira geral, os indícios de uma situação revolucionária? Estamos certos de que não nos enganamos ao indicar os três principais: 1) impossibilidade para manterem as classes dominantes sua dominação sob uma forma inalterada; crise do ‘topo’, crise da política da classe dominante, criando uma fissura pela qual os descontentes e a indignação das classes oprimidas abrem um caminho. Para que a revolução estoure não é suficiente, habitualmente, que ‘a base não deseje mais’ viver como antes, mas é ainda necessário que ‘o cume não o possa mais’; 2) agravamento, além do comum, da miséria e do desespero das classes oprimidas; 3) intensificação acentuada, pelas razões indicadas acima, da atividade das massas, que se deixam pilhar tranquilamente nos períodos ‘pacíficos’ mas que, no período tempestuoso, são empurradas, seja pela crise no seu conjunto, seja pelo próprio ‘topo’, para uma ação histórica independente. […] Sem tais transformações objetivas, independentes da vontade desses ou daqueles grupos e partidos, mas ainda, de tais ou quais classes, a revolução é, em regra geral, impossível.”
Na sequência, o autor conclui:
“O conjunto dessas transformações objetivas é que constitui uma situação revolucionária. Conheceu-se essa situação em 1905 na Rússia e em todas as épocas de revoluções no Ocidente; mas também existiu nos anos 1860 do último século na Alemanha, do mesmo modo que em 1859-1861 e 1879-1880 na Rússia, embora não tenham ocorrido revoluções em tais momentos. Por quê? Porque a revolução não surge de toda situação revolucionária, mas somente no caso em que, a todas as transformações objetivas enumeradas acima, soma-se uma transformação subjetiva: a capacidade, no referente à classe revolucionária, de conduzir ações revolucionárias de massa suficientemente vigorosas para destruir completamente (ou parcialmente) o antigo governo, que jamais cairá, mesmo em épocas de crises, se não for ‘derrubado’.”
No livro Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo, de 1920, ao criticar o voluntarismo que substitui a política revolucionária pela fraseologia, o dirigente soviético repisa o mesmo tema com ênfases claras e sintomáticas. Tal discussão nada possui de mera questão conceitual, terminológica ou acadêmica, pois provoca ou no mínimo predispõe os sujeitos, conforme as expectativas, conclusões, condutas, políticas e ações que suscita. Trata-se de, sem cair no impressionismo, no achismo, no pragmatismo e no ativismo vulgar, sacar das experiências particulares o seu elemento universal-concreto, possibilitando assim que o Partido compreenda o terreno social em que se mexe para identificar suas tarefas imediatas.
No atual período da luta de classes, o movimento comunista e as lutas revolucionárias foram compelidos, pela correlação de forças desfavorável, à defensiva estratégica generalizada, independentemente da vontade e dos sonhos generosos das vanguardas sociais. A consciência sobre tal realidade – conforme já comprovou a vasta experiência das lutas vitoriosas ou derrotadas – é indispensável para se formularem ofensivas táticas consequentes, capazes de promoverem iniciativas, mobilizarem massas de milhões, aguçarem a combatividade, fortalecerem a organização da política e gerarem conquistas produtivas, que alimentem o entusiasmo dos lutadores. Ao contrário, as várias espécies de angulação idealista provocam o politicismo vulgar, nutrem ilusões e substituem a efetivação da práxis transformadora por meras declamações vazias, causando novas derrotas e desalentos.
Como esclareceu Lênin em Sobre a Frase Revolucionária, de 21/2/1918:
“A frase revolucionária, na maioria das vezes, é uma doença dos partidos revolucionários nas circunstâncias em que realizam, direta ou indiretamente, a ligação, a união, o entrelaçamento, de elementos proletários com pequeno-burgueses e quando o curso dos acontecimentos revolucionários apresenta ziguezagues rápidos, bruscos. A frase revolucionária é a repetição de palavras de ordem revolucionárias sem que se considerem as circunstâncias objetivas, em uma dada viragem dos acontecimentos, em uma dada situação de coisas. As palavras de ordem são magníficas, atraentes, embriagadoras, mas não têm base – tal é a essência da frase revolucionária.”
Considerando-se a conjuntura nacional, são legítimas e compreensíveis as diferentes manifestações de ativistas, organizações oposicionistas e setores de massas, inconformados com a extrema-direita e suas figuras caricatas ou condutas absurdas. Merecem respostas imediatas os insultos ao bom senso e à ciência, os ataques às pessoas e seus direitos, as grosserias e impropérios, as ameaças e atrocidades contra quem se lhe oponha, bem como a plataforma e as políticas subservientes ao ditado estadunidense, traidoras dos interesses nacionais, dilapidadoras do patrimônio público, hostis aos trabalhadores, supressoras das conquistas populares, indiferentes ao sofrimento humano, perseguidoras de correntes oposicionistas e declaradas inimigas do regime democrático-constitucional.
O Partido respeita e se relaciona, no espaço comum dos embates cotidianos, com autores das expressões mais revoltadas e inusitadas contra os “ignorantes”, “malucos”, “terraplanistas” e que tais. Também cria pontes com a postura de quem votou por esperança conservadora no “mal menor” e até por decepção ante os limites do social-liberalismo, mas que hoje se inquieta em face dos pronunciamentos e atos reacionários. Todavia, essa atitude aberta e ampla é insuficiente. A militância deve apreender o conteúdo social e o significado histórico da extrema-direita que hoje ocupa o Palácio do Planalto, para que a política revolucionária passe além das idiossincrasias e dos palpites bem intencionados, alcançando a precisão e a produtividade compatíveis, seja com a realidade objetiva, seja com as exigências postas pela luta de classes atual.
A extrema-direita no Palácio do Planalto
Torna-se preciso, pois, responder às seguintes perguntas: na conjuntura, contra quem, em quais condições e para que fins as forças revolucionárias combatem? O processo golpista desencadeado a partir da Ação Penal nº 470 e afinal orientado contra Dilma Rousseff se fermentou na crise conjuntural do capitalismo no Brasil, cujos primeiros indícios apareceram em 2013 e cuja instalação assumiu a forma de recessão no segundo semestre de 2014. Os efeitos sociais da retração econômica desgastaram, principalmente, os partidos e políticos investidos em cargos executivos, conforme rezam as leis que lhes ditam competências e acredita o senso comum. Acontece que as medidas governamentais compensatórias estavam protegendo os mais pobres, mas deixando a descoberto setores intermediários de renda que a sociologia empirista-vulgar nomeia como “classe média”.
Desatou-se, assim, o nó górdio que mantinha o equilíbrio instaurado em 2002, mas que já se mostrava precário com o tempo. Ocorre que as forças organizadas em torno de espaços governamentais olhavam fixamente para o Índice de Gini e as diferenças identitárias, porém, olvidavam que a luta de classes continuava e iria se manifestar de algum modo. Nas condições novas, começou a se processar um adverso rearranjo das forças políticas e do eleitorado – envolvendo frações proletárias com salários superiores ao mínimo, pequeno-burgueses remediados e capitalistas da base piramidal exterior ao circuito monopolista-financeiro –, que acabou reunificando a classe dominante, cindindo as camadas populares, capturando as opiniões conservadoras na esfera dos costumes, debilitando as então fileiras da situação, fortalecendo as forças oposicionistas, conferindo às conspirações uma substância real, criando uma base de massas militante com face ultraconservadora e, por fim, alocando a extrema-direita no cume da onda reacionária.
A votação de Bolsonaro não lhe deu legitimidade, ao contrário do que seus apoiadores afirmam e os liberais acreditam. Apesar de cumprir os trâmites semilegais de um procedimento viciado e dirigido, do impeachment às urnas, os eleitos em 2018 à Presidência e Vice foram beneficiados pelas carências de liberdade política: a herança da transição “por cima” nos anos 1980, a prisão do candidato Luiz Inácio Lula da Silva, o recurso a instrumentos empresariais de mídia ilícitos e frequentes ameaças de golpe militar, entre outras. O governo resultante encerra não apenas o processo golpista, mas também, de maneira mais geral, o período político aberto pela crise do regime ditatorial-militar e caracterizado pela sucessão de governos civis de perfis distintos, mas sempre nos marcos do regime democrático limitado e restritivo desenhado pela Constituição de 1988.
Em suma, saíram derrotados, indubitavelmente, os partidos e correntes mais ou menos sediados no multifacetado campo democrático e progressista, entre os quais o movimento comunista e a esquerda em geral. Destaque-se a falência do social-liberalismo: no Governo Central há 14 anos e incapaz de resolver os problemas cotidianos das maiorias, limitara-se a gerenciar os aspectos periféricos de uma ordem maior, que por dentro não podia contestar e nem conseguia neutralizar. O Estado, burguês há quase um século, tolerou a retórica governamental inofensiva, que falava em democratização de seu conteúdo e humanização das relações capitalistas, mas seus aparatos especializados, quando chamados à luta de classes, resolveram restaurar o desajuste interno.
Não é o caso de menosprezar tais ou quais políticas sociais ou medidas compensatórias, que de fato beneficiaram grandes massas populares, nem de procurar culpados e cobrar rituais autocríticos de quem merece respeito por ter lutado como julgou melhor. A responsabilização precisa recair, sempre, sobre quem dirige o mundo do capital e suas representações políticas mais reacionárias, causadores do retrocesso que hoje ataca os direitos e interesses do povo brasileiro. O que se deve fazer é frisar a verdade repetida pelos marxistas um milhão de vezes: o aggiornamento possibilista possui um teto; adaptação e transformismo são atitudes incompatíveis com a orientação revolucionária ou mesmo reformista, inclusive com as mediações necessárias em períodos “pacíficos” e de resistência.
A Esplanada dos Ministérios é hoje ocupada pelas principais facções da extrema-direita nacional, cada qual disputando seu espaço com planos próprios, que se desdobram nos demais níveis federativos, não raro mirando as eleições de 2022. Primeiramente, há os tecnocratas ultraliberais vinculados a Paulo Guedes, que mantêm linha direta com as corporações monopolista-financeiras privadas, urbanas e rurais, visando a transformar suas diretrizes gerais e demandas imediatas em medidas econômicas governamentais. Ali operam, também, os puritano-punitivistas de Moro, mais conhecidos como “lavajatistas”, que se organizam como agrupamento próprio nas instituições judiciárias, persecutórias e policiais, mediante um ativismo judicial para além do Direito Positivo, em nome de um “interesse público” sempre interpretado à luz de preferências políticas e ideologias ultraconservadoras.
O terceiro ajuntamento é formado por militares de alta patente, na maioria reformados, que pretendem aprofundar sua tutela institucional sobre o corpo estatal em nome de uma “ordem” a ser velada pela intervenção castrense dita em última instância, mas que permeia os embates cotidianos. Hoje, embora com sustentação nos quartéis, mostra-se com sua influência enfraquecida pela defenestração de quadros mais profissionais e a cooptação de outros pelo esquema presidencial restrito. Por fim, lembre-se dos políticos liberais pertencentes a partidos conservadores tradicionais: mais ou menos pragmáticos e fisiológicos, exercem alguns cargos e mantêm conexão com seus congêneres na Câmara e no Senado. Com relativa independência, sempre em busca de barganhas e concessões a uma distância prudente do comando central, têm sido peças-chave na recolha dos votos imprescindíveis às contrarreformas, que atestam sua condição informal e ocasional de base governista.
O principal e mais notório bloco da situação é o núcleo bolsonarista, que representa o setor mais reacionário do capital monopolista-financeiro, assim como controla os atributos e as prerrogativas do Governo Federal. Conjugando a servidão ao imperialismo estadunidense com arrivismos de todo tipo, anticomunismo visceral, preconceitos irracionalistas, práticas paramilitares e provocações permanentes, possui vínculos abrangentes, que vão de conglomerados econômicos, préstitos grotescos de Olavo Carvalho e fundamentalismos religiosos, passando pelos aparatos policiais e militares, até o crime organizado em forma de gangues milicianas.
No âmbito partidário, esse grupo extremista resolveu fundar uma sigla totalmente subordinada ao comando pessoal do chefe precipuamente autonomeado, à sua imagem e semelhança, em que organizará, mediante a demagogia e a intolerância, uma legião de fanáticos. Nostálgico do regime ditatorial-militar, o autocrata e sua tropa de choque sempre buscam, em palavras e atos, restringir os direitos fundamentais, suprimir as liberdades civis e, como finalidade central irredutível, liquidar o regime democrático-constitucional ainda existente: sublinhem-se os seus elogios às torturas e ao AI-5. Semelhante conteúdo é que anima, também, o seu propósito confesso de suprimir os vários matizes de resistência ou mera dissonância que ainda se manifestam em órgãos estatais.
O caráter do Governo Bolsonaro
As figuras e os interesses das várias correntes situacionistas se amalgamam. Existe, pois, um só governo, que precisa ser compreendido e combatido como um todo e pelo que verdadeiramente é. Qualificá-lo de fascista, com base apenas em suas concepções e práticas políticas truculentas, significaria desconsiderar os infinitos crimes perpetrados pelas classes dominantes contra os movimentos e lutas populares nos últimos séculos, muitos bem anteriores ao imperialismo capitalista. Basta lembrar, no Brasil, os massacres a escravos negros e indígenas, bem como as duras repressões às insurgências pela independência nacional e pela implantação da República. No mundo, as matanças promovidas pelos impérios antigos, as Cruzadas, a Inquisição, as conflagrações na Europa dos séculos XIV ao XIX, o fuzilamento sumário de 20 mil comunards em Paris e a Primeira Guerra Mundial. São apenas uns poucos exemplos.
A conceituação de fascismo exige a presença de um ser social que resida, não em seus traços aparentes, por mais importantes que sejam, mas na intrínseca e concreta vinculação ao capital monopolista-financeiro, seja expansivo, como imperialismo retardatário em busca do espaço vital, seja declinante, como potência grudada em quintais ameaçados por conflitos geopolíticos. A Itália e depois a Alemanha forneceram os padrões medulares do fenômeno que Dimitrov, em seu relatório ao VII Congresso da III Internacional Comunista, reverberando as discussões preparatórias, expôs e aprofundou com base no período histórico, no caráter de classe, na ideologia e no regime político, a chave para se conceituar o novo tipo de ultradireita extremada como:
“[…] a ditadura mais descarada dos elementos mais descarados, mais chauvinistas e mais imperialistas do capital financeiro. […] O fascismo não é um poder situado por cima das classes, nem o poder da pequena burguesia ou do lumpemproletariado sobre o capital financeiro. O fascismo é o poder do próprio capital financeiro. É a organização do ajuste de contas terrorista contra a classe operária e a parte revolucionária dos camponeses e dos intelectuais. O fascismo em política exterior é o chauvinismo em sua forma mais brutal que cultiva um ódio bestial contra os demais povos.”
O conceito, referindo-se, para além de governo, a uma “ditadura”, remete ao regime político, que no Brasil ainda continua democrático, apesar dos propósitos bolsonaristas. Semelhante ponto é fundamental, pois se trata, hoje, não de lutar por algo já perdido, mas defender um regime constitucional existente, ainda que limitado e restritivo. Qualquer confusão a tal respeito se transmitiria à tática, deixando na obscuridade o que se pretende na ação política e favorecendo a capitulação, de vez que antecipa o revés completo sem lutar sequer. Resta, então, já que não há um regime político fascista, saber se o Palácio do Planalto abriga um governo de fascistas. Que se trata de uma equipe administrativo-executiva “dos elementos descarados […] do capital financeiro”, é uma obviedade, já que tal expressão abarca os múltiplos movimentos do capital em sua forma superior.
Todavia, em que pesem a demagogia verde-amarelista no vestuário e no apelo indevido à bandeira nacional, todos sabem, sem qualquer dúvida – e o próprio presidente o comprova em palavras e continências – que sua grei nada possui de “imperialista” e “chauvinista”. Primeiro, porque o Brasil é um país de formação econômico-social dependente. Ademais, a facção palaciana é entreguista de quatro costados, formada, não pelos “elementos […] mais chauvinistas”, ou seja, nacionalistas situados na extrema-direita ou jingoístas, mas por lacaios do imperialismo como nunca se viu nas cercanias de Brasília. Jamais podem restar confusões sobre o desprezo de Bolsonaro aos interesses e à soberania nacional, sob a pena de se gerar indecisões na política e na prática oposicionista. Considerando-se que as similitudes ficam no patamar da retórica, da sociopsicologia e da prática repressiva – traços autocráticos que têm limitadas condições objetivas de completarem a essência nazifascista nas condições concretas do capitalismo brasileiro, inclusive porque continua em vigor a contradição entre governo e regime político –, a noção de protofascismo é mais adequada.
O Governo Bolsonaro é sustentado, por cima, pelas instituições do Estado burguês, nas quais vem conseguindo encaminhar suas contrarreformas, ainda que precise fazer negociações e concessões na diversidade da Câmara e do Senado, bem como considerar os dados sobre a correlação de forças no Judiciário. Também tem base de massas “por baixo”, pois mantém sem perdas significativas o apoio alcançado em sua votação “pura” do primeiro turno. Por fim, conta com o respaldo da fração burguesa dominante – o capital monopolista-financeiro, presente nas regiões urbanas e rurais –, que necessita de sua manutenção na presente conjuntura. Engana-se quem o considera fraco e prestes a desmoronar, embora se depare com dificuldades ponderáveis no trato com políticos liberais, especialmente o cisma em seu próprio partido de origem, além do embate permanente que lhe move uma oposição minoritária, mas decidida. Alguns de seus pontos fracos são a persistência e o alongamento atípicos da crise econômica conjuntural.
Os governantes afirmam que o ciclo adverso, que se arrasta desde 2014 – há cinco anos – estaria superado. Após 2017, o PIB iniciou, de fato, uma recuperação, mas ziguezagueante, lenta e até agora inconclusa. Nesse ínterim, a destruição das forças produtivas – inclusive postos de trabalho, queima de estoques efetivos ou tendenciais e ociosidade no parque instalado – ainda obstaculiza uma procura interna que induza novos investimentos e negócios. As estatísticas recentes, apesar de festejadas pelo Planalto, demonstram que a leve aceleração em 2019, além de bem tímida, possui uma dose de artificialismo: foi provocada por medidas como a liberação do FGTS, o rebaixamento nos juros e a liberação de créditos para operações imobiliárias, que só interferem transitoriamente na esfera da circulação.
Ademais, o nível alcançado pelo PIB no fim de setembro ainda está 3,6% abaixo do registrado no primeiro trimestre de 2014, o que revela uma estagnação conjuntural extensa. Persistindo semelhante quadro, com taxas medíocres ao redor de 1% ao ano, mesmo sem novos “soluços” e breques, o desemprego, a precariedade no trabalho e o desalento, que os brasileiros sofrem às dezenas de milhões, permanecerão elevados, já que o crescimento demográfico – em torno de 0,8% – joga permanentemente uma leva de jovens no mercado, problema intensificado pela tendência normal de aumento na produtividade, que torna mais difícil a criação de postos laborais.
Apesar das contradições e políticas governamentais, a luta de classes do proletariado e do povo brasileiro – mesmo registrando-se a importância das mobilizações e da incessante resistência – vem sendo insuficiente para conter as medidas hostis aos seus anseios e interesses. A correlação de forças é adversa e as iniciativas táticas se inserem em um quadro geral defensivo. Com maiores motivos e levando-se em conta as formulações lenineanas referentes a períodos de vigorosa ascensão nos combates massivos, assim como a percepção imediata, o aprendizado vivo e as elaborações analíticas, impõe-se a conclusão de que a conjuntura nacional carece dos fatores objetivos definidores de uma situação revolucionária.
Ajustar o foco da política partidária
Neste quadro, os lemas “abaixo” e “fora” Bolsonaro – normais em ruas e assembleias como expressões da inconformidade oposicionista em setores minoritários de massas, que dispensam os subsequentes compromissos e ações organizacionais necessários à sua efetivação, com consequências e derivações programadas – são inúteis e prejudiciais como palavras de ação partidária capazes de alcançar o propósito que reclamam: substituir o primeiro mandatário. Sem uma situação revolucionária e em período de resistência, a única maneira de realizá-lo seria uma renúncia do atual presidente ou seu impeachment. Objetivo inalcançável na atual conjuntura, uma campanha que o adotasse – além de provocar discussões sectárias nas entidades representativas, notadamente sindicais – colocaria o movimento popular em direção equivocada, tendente ao isolamento, e na expectativa de uma solução militar ou congressual que viria, ilusoriamente, de órgãos estatais com folgada maioria conservadora.
Nesse caso, sobreviria, ato contínuo, uma reversão de ânimo, com a frustração de esperanças infundadas e a desmoralização de combatentes. Como se não bastasse, envolveria as classes populares em intrigas e conspirações burguesas, incorporando suas concepções, operando em seu terreno preferencial e adotando suas condutas, sem indícios sobre os desdobramentos prováveis. Como o Governo Federal é um só, a derrubada de Bolsonaro, mesmo que hoje fosse viável, significaria, na prática e na consciência das multidões, algo próximo a promover Mourão, cujo comportamento seria imprevisível. Trata-se do que Lênin chamou de “frase revolucionária”. Tal constatação não descarta um eventual agravamento da situação política nacional entre os “de baixo”, que sugerisse inflexões táticas, ou a emersão de conflitos e brechas inesperadas no “cume”.
Rejeitando o diletantismo de especular com possibilidades futuras, a tática deve responder à situação concreta na realidade presente, sempre levando em conta o espaço social de conjunto e visando aos objetivos estratégicos, de prazo mais longo. Decerto, a reação política tem pontos fracos, podendo ser derrotada em combates parciais e tópicos, de modo a favorecer a mudança na correlação de forças e novos acúmulos em direção à ofensiva futura. Para tanto, será preciso enfrentá-la mediante uma tática adequada ao novo período da luta de classes e particularmente à conjuntura, que seja unificadora, ampla e refinada, capaz de conectar-se à realidade viva e superar a dispersão, bem como de aglutinar entidades representativas, elaborar plataformas comuns, promover lutas extraparlamentares de massas e unir as forças oposicionistas em uma ampla frente nacional, democrática e progressista, que tenha nas agremiações de esquerda o seu núcleo mais dinâmico.
Ao sublinhar sua oposição ao Governo Federal, o Partido conclama o conjunto das agremiações, setores e indivíduos, comprometidos com o presente e o futuro do Brasil, a se unir em um movimento pela salvação nacional, as liberdades democráticas e os interesses populares, no combate à extrema-direita e ao projeto ultraliberal. Os ataques repressivos aos que lutam e a seus direitos precisam ser respondidos com amplitude, envolvendo-se o largo espectro de pessoas e instituições atingidas – no todo e mesmo em parte –, assim como as iniciativas de cada segmento social específico. As querelas, o particularismo e o esquerdismo devem ser superados.
Estão na ordem do dia os métodos habilidosos de abordar os grandes temas nacionais à luz das realidades locais, unificando-se as várias iniciativas em ações comuns e massivas, para frear os atos reacionários e bloquear os seus propósitos. Todos devem colocar os interesses do povo acima de assuntos e agrupamentos específicos. Tal esforço passa pelo abandono dos exclusivismos partidários, das imposições particularistas e das maiorias eventuais, assim como pela implantação de consensos, métodos e procedimentos próprios de alianças, para se consubstanciar uma síntese real, prática e respeitosa dos componentes. Como a frente jamais nascerá pronta, sua construção exige ações distintas e combinadas.
Em síntese, a aliança nacional, democrática e progressista deve orientar e unificar os lemas e ações nas lutas populares de massa e nas esferas institucionais, de modo a somar os segmentos que estejam em contradições globais, parciais ou mesmo pontuais com as políticas ultraliberais, extensivamente às pessoas que se disponham a combater as medidas antipopulares do Governo Federal, mesmo em acordos limitados, explorando as divergências e diferenças intestinas às forças conservadoras por meio de consensos em cada embate. Por fim, um importante cenário se aproxima: são as eleições municipais de 2020, que abrem oportunidades para o combate à extrema-direita e a ocupação de posições institucionais.
Conforme as considerações anteriores, o Comitê Central do PRC estabelece as diretrizes que seguem.
a) De modo geral, a ação política se dará em quatro espaços sociais prioritários:
– mobilização das grandes massas proletárias e populares em torno de suas reivindicações imediatas mais sentidas, bem como das lutas políticas que as conectam e traduzem como demandas nacionais;
– resistência nos parlamentos federais, estaduais e municipais às contrarreformas em tramitação ou aplicação, articulando acordos, gerais ou pontuais, necessários a obstá-las e defender direitos;
– participação ativa nas campanhas eleitorais municipais, apoiando candidatos majoritários com as melhores possibilidades de infringir derrotas à extrema-direita local e elegendo vereadores à esquerda;
– disputa contra-hegemônica na contestação a valores, mitos e preconceitos reacionários, bem como a noções incorretas que, até em ambientes à esquerda, enfraquecem as lutas operário-populares.
b) A oposição ao Governo Federal e o combate ao ultraliberalismo se articularão em torno de cinco eixos políticos centrais:
– a questão nacional;
– as liberdades democráticas;
– os direitos populares;
– os problemas municipais;
– a paz mundial.
c) Como a resistência precisa de uma plataforma que dialogue com a vida cotidiana, o imaginário dos “de baixo”, o trabalho de massas e os dispositivos avançados da Constituição Federal, ficam destacados, para os militantes, simpatizantes, aliados e ativistas, seis pontos principais, tendo em vista se unificar os brasileiros no combate comum:
– lutar pela soberania nacional, contra o imperialismo norte-americano e para conter a entrega de empresas ou serviços públicos aos conglomerados privados;
– defender as liberdades e o regime democrático-constitucional, contra os atos autocráticos da reação e as diferentes formas de opressão ou discriminação;
– preservar os direitos e as condições de vida populares, contra o desemprego, o arrocho salarial, o ataque à educação e a dilapidação da saúde pública;
– enquadrar a Operação Lavajato nas leis, apurar o assassinato de Marielle, combater as milícias e proibir a repressão indiscriminada nas comunidades populares;
– promover os interesses das populações municipais e suas demandas federativas, inclusive o direito à existência e autonomia;
– proteger a paz na América Latina e apoiar os povos em suas lutas, contra o bloqueio imperialista a Cuba, o golpe na Bolívia e a intervenção na Venezuela.
Belo Horizonte, 8 de dezembro de 2019
Comitê Central do Partido da Refundação Comunista – PRC/Brasil