Conforme o Editorial de Vereda Popular, o Brasil decidiu, em face da “encruzilhada mais drástica desde o início da República Velha” e pela votação de 60.345.999 cidadãos, que “o regime político […] permanecerá democrático, mesmo com as restrições atuais e já conhecidas, mas com espaço para disputas e debates”, mantendo condições benéficas para os recontros proletário-populares. Pari passu, rechaçou, claramente, “o cenário político favorável à implantação de uma ditadura fascista mediante o autogolpe”, como pretendia o chefete palaciano e seus acólitos. Logo, a eleição de Lula-Alckmin foi uma vitória democrática, nacional e progressista, que interfere na correlação de forças.

O pleito presidencial ficará na história como capítulo de primeira ordem, pois impediu que a conspiração continuasse no governo central e marchasse rumo à mudança do “sistema” por dentro, à sua imagem ou semelhança. Todavia, como fora mais do que anunciado e previsível, o comando falangista colocou em prática o seu plano “antiestablishment”. Inicialmente, fraudar o sufrágio, mediante as operações da PRF para barrar o acesso dos eleitores às urnas em regiões com maioria oposicionista, o assédio aos beneficiários de auxílio estatal e a pressão de patrões bolsonaristas sobre os empregados vulneráveis. Combatida no seu curso e com frutos insuficientes, a fraude fracassou.

A segunda parte consistiu em mobilizar multidões por meio de apelos intervencionistas e fake news, assim como grupos paramilitares submetidos a ordens centralizadas. Sua meta era festejar a façanha do seu “mito” e, desde já, valendo-se da esperada paralisia nas oposições, deflagrar um processo visando a substituir as normas constitucionais pelo retorno à “solução” de 1964, mas personificada na figura do primeiro mandatário então refortalecido. A tática seria bloquear centenas de pontos nas estradas federais, de norte a sul e de leste a oeste, além de ocupar ruas para ostentar uma base de massas que impressionasse os indecisos e jogasse a resistência na defensiva completa.

Com a reversão das expectativas, o putsch foi repaginado para protestar contra o resultado negativo e pedir a liquidação do regime democrático por meio de um pronunciamento militar. Nesse ambiente, as concentrações foram redirecionadas para os portões que dão acesso aos quarteis, assumindo a forma de vigílias e um conteúdo ilegal. Evidenciou-se, assim, a incoerência no discurso regressivo. Durante a pandemia, os negacionistas boicotaram os procedimentos sanitários, alegando velar pela economia, os empregos e a liberdade individual. Inobstante, ao fecharem as estradas, só fazem prejudicar o metabolismo do capital, o trabalho de caminhoneiros e a locomoção de viajantes.

Ademais, pedem um golpe militar, mas o atual presidente – o seu condutor – repete que joga no interior das “quatro linhas”. Desnudam-se, pois, as duas caras da reação, revelando seu propósito e comportamento amoral. Eis porque só convencem os fanáticos, fazendo com que os fins concebidos para justificar seus meios sórdidos contribuam para sua ruina. O caráter falso do pronunciamento autocrata o comprova: permite a transição, afirma seguir as regras e fala em desobstruir as vias, mas desconhece a eleição dos “inimigos”, silencia sobre o reclamo às tropas e apoia os seus ativistas. Remenda o fenômeno para preservar o essencial. Eis a origem dos vocábulos ambíguos.

São palavras do jogo duplo, impostas pelas circunstâncias reais. Se recuar e desautorizar os baderneiros, afasta-se dos seus milicianos e se desmoraliza como aspirante a Duce. Se assumir o terceiro turno aventureiro, aprofunda o abismo que o indispõe com a maioria burguesa e suas entidades, com a massa dos caminhoneiros e seus representantes sindicais, com a população atingida pelos distúrbios sem motivos defensáveis, com milhões de votantes violentados em seu direito básico, com diferentes órgãos estatais legalistas, com a parte pragmática dos conservadores nos parlamentos e mesmo com setores da extrema-direita que atiram pedras, mas relutam em rasgar dinheiro.

Nesse quadro, a tarefa-chave da frente ampla é garantir a posse dos eleitos, sejam de que partidos e federações forem. Para tanto, é preciso exigir que as diferentes autoridades públicas eliminem imediatamente os bloqueios rodoviários, cabendo aos movimentos populares suprir a carência ou prevaricação das instituições competentes, vez que, pelos artigos 144 da CF e 301 do CPP, todos são responsáveis pela segurança pública. Também cabe à chapa eleita e à equipe transicional prepararem as primeiras iniciativas econômico-sociais, para isolar mais ainda os situacionistas nos estertores, bem como, sobretudo, consolidar e difundir as medidas emergenciais do novo governo.

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