Não há qualquer dúvida razoável de que o assassínio de Marcelo Aloízio de Arruda em Foz do Iguaçu, Paraná – dia nove, sábado –, apresentou motivação política, mesmo que seguida por altercação pessoal complementar, pois raramente a tipologia criminal se mostra em forma pura, como se a realidade se justapusesse à conceituação teórica e a tornasse inútil. Endossando a reivindicação nacional de investigação e punição exemplares, cabe, inobstante, comentar o modo como a extrema-direita recebeu o bárbaro delito. Considerem-se algumas de suas figuras públicas, cujos pronunciamentos lembram três palavras-chave sobre a responsabilização: transferência, leniência e inversão.

Quem primeiro falou foi o presidente Bolsonaro, pelo twitter. No dia seguinte à tragédia, na contramão da lógica que alardeia e de seu discurso cotidiano, disse dispensar o “apoio de quem pratica violência contra opositores”, mas, instantaneamente, sem conter-se, tentou fazer uma transferência genérica de atributos ao jogar contra “o lado de lá” o estilo truculento: “A esse tipo de gente peço que por coerência mude de lado e apoie a esquerda, que acumula um histórico inegável de episódios violentos”. Logo após, aconselhado por assessores, procurou minimizar o efeito negativo de sua declaração. Ato contínuo aludiu a simples “briga entre duas pessoas”. Deu, assim, argumento à futura defesa.

Uma trivial “briga” foi também a linha do vice Mourão, que fundamentou a leniência: “Para mim é um evento desses lamentáveis que ocorrem todo final de semana”. Aqui, além da postura comumente conhecida como “dar uma de João sem braço”, a importante autoridade governamental procura naturalizar o acontecido, como se fosse uma lei inevitável de um ciclo temporal marcado, invariavelmente destinado a produzir conflitos e mortes nos dias reservados a recessos. A racionalidade astuciosa mal esconde a frieza em face do sofrimento alheio, bem como a intenção de camuflar os fatos e motivações, inclusive a premeditação de quem retornou para fuzilar o desafeto eleitoral que nem conhecia.

No entanto, a tese mais franca, reta, monstruosa e ainda refletida – pois a última surgida – foi proferida por Alê Silva: praticou, a deputada federal do partido Republicanos Minas Gerais, uma cínica inversão das responsabilidades. Gabando-se do próprio reacionarismo – “nós, conservadores de direita” –, verbalizou, no dia 12, que o policial penal Jorge da Rocha teria sido “injustamente provocado pela vítima” e repetiu a versão divulgada pelo chefe de Brasília: os “esquerdistas, sim, querem a violência” para “implantar o caos no país”. A vítima é transformada em algoz, ao se converter a cena específica em perseguição geral contra inimigos, sem distinções de políticas, ideologias e agremiações.

O indivíduo que acampou no Palácio do Planalto, sem culpa jurídica no caso em tela, deve ser, porém, denunciado como incitador, armando falanges disfarçadas em clubes de CAC – caçadores, atiradores, colecionadores –, passando a mão na cabeça de milicianos, insuflando policiais militares, cabalando nas Forças Armadas, caluniando as instituições do regime democrático e conspirando pelo autogolpe. Declarando, enfim, uma guerra sem quartel às forças oposicionistas. Basta lembrar os termos de sua invectiva em 2018: “Vamos fuzilar a ‘petralhada’ aqui no Acre”. Sabe-se que, no seu dicionário, petista, socialdemocrata, socialista, comunista, progressista e democrata são perfeitos sinônimos.

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