Luiz Eduardo Soares—
Tem a ver com ódio, sim, como todo mundo (de bom senso) tem dito. Estamos todos chocados e tristes (mesmo aqueles adversários do Marcelo, em Foz do Iguaçu, que não foram inteiramente devorados pelo fanatismo). Mas não se trata propriamente de ódio, que é uma força vital como os outros afetos -o ódio não nos é estranho, nem poderia sê-lo, e não há como exorcizá-lo.
O ponto que a agulha da crítica deve espetar é a autorização. Na administração interna dos afetos, há uma instância que autoriza a passagem do ódio ao ato. Não é a emoção que explode as barreiras, é a barreira que cede. O limite internalizado relaxa, dissolve o veto e convida ao crime. A alavanca da cancela subjetiva que proíbe ou sanciona a performance letal não está apenas nas mãos (ou na vontade e na consciência) do assassino.
Se ele caminhar no meio de sua multidão de legionários, ombro a ombro com os guerreiros de sua brigada fanatizada, estará intimamente seguro e liberado para agir. Nada lhe faltará: arma em punho e a mente blindada contra a névoa das dúvidas e dos escrúpulos. Essa multidão -que vive em cada sujeito assujeitado pelo fascismo- acompanhou como um fantasma o trajeto do assassino até o ataque final.
Há assassinos em série em busca de uma assinatura e há os que projetam nos outros o que não suportam em si mesmos, e os matam para livrarem-se do próprio mal. Mas há também os que matam porque agem em bando (imaterial) e seu gesto é (fantasmaticamente) coletivo, transcendente e, antes de tudo, autorizado. Como se a agência fosse terceirizada para a instância coletiva, sob ordens superiores. Afinal, o mundo passa a ser o teatro da guerra.
A multidão espectral fascista não nasce em árvore, tem de ser lenta e cuidadosamente formada, organizada e armada. Ela é treinada não só para odiar os “outros”, mas para passar do ódio ao ato. Quando o líder supremo desqualifica a humanidade dos “outros”, a legião está autorizada a agir: perpetrará os crimes mais torpes em nome do “Bem”. Nesse sentido, o assassino não agiu sozinho e o ódio não foi o problema. Seu crime foi político não porque ele disse ao que veio, quando invadiu a festa pacífica de seus “inimigos”, mas porque foi política a supressão da barreira entre o ódio e o ato.