O candidato continuísta vem oscilando em termos táticos. Vacila entre realizar o propósito autogolpista, sem o apoio seguro das Forças Armadas, ou flexionar para mascarar-se como respeitador e defensor das liberdades – ou seja, entre ficar ou sair da própria concha para disputar fora do gueto protofascista. Na dúvida, resolveu retornar de vez à carapaça envoltória dos moluscos que os especialistas chamam de gastrópodes. Há outras metáforas para o gesto recluso de nomear o fidelíssimo general Braga Netto como vice, mais acessíveis à condição do militar reformado por insubordinação: preferiu lançar ferros que içar velas; escolheu adentrar na trincheira, sem iniciativa, em vez de marchar.

O comportamento adotado pelo postulante pode ser abordado à maneira da psicanálise, combinada com a semiótica. Para os cultos sincréticos surgidos no encontro colonial dos escravos africanos com as relações de produção escravistas no Brasil, que se derramam na cultura nacional-popular, o simbolismo da casca remete à fecundidade, à maternidade, à figura de Iemanjá, pois Olurum a teria nomeado como genitora de orixás. Como tal leitura seria vista como provocação pela chefia miliciana e insultuosa por causa de sua matriz machista ou satânica – por se referir a formas pagãs do satanás –, é melhor aludir aos mitos maias, que veem a couraça marinha como a seara e o reino dos mortos.

No entanto, mais seguro é analisar os caminhos da política, que mostram os dilemas da propaganda falangista na luta real de classes. Como pode o postulante, sistematicamente apontado em apuros pelas pesquisas confiáveis, abrir mão da senhora Tereza Cristina, muito mais atrativa para o público conservador e feminino, incomodado pelas estreitezas e traquinagens da reação em curso? Ademais, também perder a oportunidade ímpar de contrabalançar os arroubos desastrosos com sua imagem discreta, embora embaçada por sentar-se na garupa de Bolsonaro, mais entusiasmada em amealhar votos entre os motociclistas fanáticos do que refrescar o rosto na brisa outonal de Campo Grande?

O compadrio atendeu a objetivos positivos e negativos. Entre aqueles, a tentativa de consolidar o alicerce policial-militar, com fissuras e até agora indisposto em seguir as ordens aventureiro-palacianas. Quis, ainda, manter a horda extremista coesa, gelatinosa ou em claques orgânicas, sem falar na precaução de conjurar o impeachment como possível perigo futuro. Entre as renúncias está o sonoro não às propostas surgidas em sua base parlamentar fisiológica, mormente no chamado “Centrão”, que articulava uma chapa “competitiva”, e na burguesia rural situacionista, que aspirava fazer-se representar mediante um nome seu, afinal capaz de melhor disputar os votos entre a sua fração de classe.

Aliás, ficou provado que o primeiro mandatário apenas confia nos sectários de sua patota. Eis porque a ministra foi preterida em favor do cúmplice recém-aquartelado. Como ficaria tranquilo, se compartilhasse a ribalta com quem teria vagado por tantos partidos, inclusive um já integrado à postulação de Lula-Alckmin? Como, além do mais, aceitaria manter ao seu lado alguém dificilmente camuflado nas sombras, que teria certa luz própria e ainda uma vinculação com segmentos poderosos da sociedade civil, com destaque ao latifúndio capitalizado? Por cautela típica das noções conspirativas, fartas na cúpula oficial, e do medo à derrota – com suas consequências –, predominou a opção mais fácil.

O episódio ilustra bem as dificuldades que o hiperdireitismo vem sofrendo para unificar os seus compósitos em torno de um projeto consensual e de uma conduta unitária, especialmente quanto às diretrizes a serem adotadas na batalha do sufrágio. Isso de modo nenhum deve ser interpretado como se a vitória democrática e progressista já fossem favas contadas. Lembre-se de que a campanha legal nem começou. Significa, tão somente, que o campo do retrocesso ficou mais vulnerável às críticas oposicionistas, mormente quando agitarem o sentido estampado na dupla de militares declaradamente antinacionais, liberticidas e reacionários, para garantirem a vitória com percentagem mais dilatada.

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