Por Marcelo Bones—

Parte III: A gincana como política cultural

Não sou contra os editais. Pelo contrário. Acredito que eles podem – e devem – seguir como uma das ferramentas possíveis dentro de uma política pública de cultura bem estruturada. O problema, hoje, é que eles se tornaram praticamente a única ferramenta. E pior: foram transformados em meta e não em meio.

A Política Nacional Aldir Blanc (PNAB), celebrada com razão por ter devolvido musculatura ao fomento à cultura no Brasil, reforçou essa centralidade. Em Minas Gerais, por exemplo, mais de 18 mil projetos foram inscritos, e apenas uma parcela ínfima será contemplada. Basta citar um dos poucos editais com resultado publicado no atrasado cronograma da SECULT-MG: o de circulação de espetáculos de teatro recebeu mais de 400 inscrições e selecionou apenas 26 propostas. Qual política pública pode se satisfazer com esse tipo de relação entre demanda e resposta? Esse desequilíbrio não estrutura o setor. Pelo contrário, ele o precariza, estimula a frustração, a exaustão, a desorganização.

Neste momento, não desejo apresentar soluções. Seria prematuro. Acredito que, antes de qualquer proposta, é preciso que o setor cultural reconheça com coragem que este modelo faliu. E que só a partir do reconhecimento dessa falência poderemos iniciar um debate profundo e consequente sobre outras possibilidades. Sobre o mundo fora do edital.

O que vivemos hoje é a gincana da sobrevivência: o poder público se dedica a lançar, avaliar e pagar os editais – como se isso bastasse. À sociedade civil, resta correr atrás, inscrever-se no maior número possível de chamadas públicas, na esperança de que alguma seja contemplada. Isso nos condena à lógica do imediatismo, esvaziando qualquer capacidade de planejamento – seja ele de curto, médio ou longo prazo. Como pensar o futuro de uma política cultural se não sabemos sequer como será a próxima rodada de editais da PNAB?

Mais grave ainda é a sobreposição descoordenada de editais entre estados e municípios, frequentemente com o mesmo objeto e foco. Não há articulação, não há coerência. Isso exige uma reflexão urgente sobre o papel do Ministério da Cultura na coordenação nacional desses instrumentos, garantindo que os editais estaduais, municipais e federais não se canibalizem, mas se complementem – e, sobretudo, que respondam às reais necessidades dos territórios.

Por fim, um dos pontos mais frágeis – e perigosamente esquecidos – é a ausência de avaliação. Os editais se sucedem sem que saibamos, de fato, seus impactos reais. Não se analisa o que foi transformado, o que se estruturou, o que foi interrompido, o que ficou pelo caminho. Essa ausência de avaliação sempre existiu, mas foi acentuada pela avalanche recente de editais originados da LAB, LPG e PNAB. Criamos um ciclo sem memória, sem crítica, sem acúmulo – e, portanto, sem avanço.

Enquanto a política cultural brasileira continuar se resumindo a uma sequência frenética de editais, viveremos presos à lógica da aleatoriedade. Precisamos parar. Precisamos olhar. Precisamos escutar. Precisamos pensar. Só assim poderemos imaginar – e construir – outro modelo.

26 de março de 2025


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