Por Eron Almeida—

Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa

Karl Marx, Der achtzehnte Brumaire des Louis Napoleon

 

Um fantasma ronda a Europa, o fantasma do facismo. Há muito sufocado, ressurge com ares de novidade e atualizado aos novos tempos, agora é neo. Os Alemães têm um carinho especial por “Wiederholungen” (repetições) e o que temos presenciado nos últimos anos nos faz lembrar de algo que aconteceu a cerca de 100 anos.

Quando da vitoriosa Revolução Bolchevique em novembro de 1917 (outubro no calendário ortodoxo) os povos viram surgir a esperança em um mundo melhor e a confiança que o proletariado, enfim, seria livre dos grilhões. Empolgados pelas boas novas, os alemães não tardaram em buscar um lugar sob o sol comunista. Duas tentativas foram marcantes, ambas de 1919, em Berlim e na Baviera. Ambas foram sufocadas a sangue pelos conservadores (ainda não existia o termo facista), sendo Rosa Luxemburgo a vítima mais conhecida entre as milhares de outras. Foi o início da jornada rumo ao apogeu nazista.

Desde alguns anos, 2014 para ser mais exato, vemos o mesmo rastejar facista de outrora evoluir até uma marcha vitoriosa, senão pelas vias de Berlim ou Paris, pelo menos nas eleições que dão título ao artigo. Tudo começou em Dresden, capital da Saxônia, com um punhado de “besorgte Bürger” (cidadãos preocupados – prefiro “besoffene Burger” ou sanduíches embriagados) ao ver um comício em solidariedade ao PKK (partido dos trabalhadores curdos, perseguido na Turquia como grupo terrorista) resolveu rastejar pelas ruas da cidade contra a islamização do ocidente e a política do “Wir schaffen das” da então chanceler Angela Merkel (CDU). Os tais cidadãos de bem, desculpe o ato falho, cidadãos preocupados nem atentaram (será que não?) que o PKK é um partido marxista-leninista e que em terras de fronteira entre Turquia e Síria vinha enfrentando o temido Estado Islâmico (ISIS). Mas os PEGIDAs restringiram- se apenas a Saxônia, afinal era um fenômeno oriental diziam os demais alemães.

Já um ano antes, em 2013, funda-se em Berlim o famigerado AfD (Alternativa para Alemanha) com um discurso crítico à moeda Euro e à União Europeia, sendo por isso chamado de eurocrítico ou ultraliberal (vemos que as velharias atuais vêm sempre acompanhadas de termos marqueteiros, tais como neo, ultra, hiper…). Esse rumo eurocrítico econômico perdurou por dois anos no partido. Foi, então, quando os cidadãos do PEGIDA e outros grupos de extrema direita se encontraram com os ultraliberais do AfD o amor, melhor dizendo, o ódio os uniu. Pouco a pouco ganharam visibilidade, votos e espaço.

Mas nesta jornada, nem tudo foram espinhos para os progressistas, houve também lugar para flores. Em 2007, novamente em Berlim, foi fundado o partido “Die Linke” (A Esquerda) . União entre PDS, antigo SED – partido único da Alemanha oriental, e WASG, ala esquerda do SPD ocidental (social-democrata). Cabe ressaltar que na Alemanha, os partidos comunistas são proibidos legalmente de existir, o mesmo não vale para os facistas, basta ver a longa existência do agora já murcho NPD (partido nacionalista alemão), murchou pois seus simpatizantes migraram para o AfD.

Voltemos, pois, ao Die Linke. Este surgiu como a esperança da esquerda alemã de se ver representada no cenário político dada as várias restrições, que vão de proibições como já aventado até cláusulas de barreira e coeficientes eleitorais. Os três estados alemães que mais contribuíram com militantes e simpatizantes ao partido foram Berlim, o Sarre e a Turíngia. Neste estado, Die Linke recebeu sua melhor votação em 2019, foram 35%, tornando-se governo com Bodo Ramelow, o que horrorizou os alemães de norte a sul e de leste a oeste, mais até que o rastejamento do PEGIDA pelas ruas de Dresden.

Um pequeno salto à frente e nos encontramos em 2023, Merkel e CDU (democracia cristã – centro direita) já não são mais governo federal, desde 2021 a coalizão “semáforo” (é um paulista que escreve) entre SPD, Verdes e Liberais, lideradas por Scholz, governa a federação alemã, cabendo ressaltar a expressiva votação que os Verdes tiveram para o parlamento federal (15%). Neste ano de 2023, às vésperas das eleições na Turíngia e Saxônia, a deputada Sahra Wagenknecht e alguns outros, optam por sair do Die Linke e formar um novo partido inspirado no partido italiano Movimento 5 Stelle. Partido este cujo “il capo” é o comediante Beppe Grillo (farsa ou tragédia?). Como dito anteriormente os alemães adoram “Wiederholung”, Hitler se inspirou em outro italiano “il Duce” para constituir seu partido.

O personalismo é tão evidente, que o novo partido adotou a alcunha de Aliança Sahra Wagenknecht (BSW). A “raison d’être” da tal aliança é ser uma alternativa (eita palavrinha recorrente) aos partidos engessados e que não olham pelos interesses dos pequenos cidadãos, ou seja, da gente de bem. São contra a imigração na Europa e por um maior combate à criminalidade, não querem se meter na guerra dos outros (Ucrânia) e querem energia barata, ou seja, gás russo. Acusam os Verdes de elitismo e são contra as mudanças do padrão energético (sol é pra bronzear). Em suma, um discurso populista que agrada os Alternativos da Alemanha.

Na Turíngia foi o terceiro partido mais votado (16%), atrás da AfD (33%) e CDU (24%). A formação do governo ainda não está definida, mas para ser maioria sem a AfD, a BSW teria de coligar com CDU, SPD, LINKE e Verde. Pouco provável. Mais provável a AfD compor com CDU e formar um governo de ampla maioria (57%) e muito conservador. Veremos o que será.

Na Saxônia, que desde a queda do muro a população votou maciçamente na CDU, a divisão do bolo eleitoral é de 32% para CDU e 31% para AfD, sendo a BSW a terceira força com 12%. Em qualquer cenário a BSW terá de se coligar à direita. Pra quem já comprou o discurso, vestir a camisa não custará muito. Triste.

Proletários do mundo uní-vos, pois o inimigo não mais rasteja, agora marcha acompanhado de fariseus e marqueteiros. E no fim quem apanha somos nós.


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