Terra em Transe, realizado no clima de ascensão democrática e progressista que desafiava o regime ditatorial-militar recém-implantado, inspira o título do Editorial. Todavia, o ambiente genérico aparece alterado para referenciar, mais concreta e atualmente, a decadência multilateral da grande potência norte-ocidental. Justifica-se, vez que o drama de Glauber Rocha, muito além de lembrar um quadro psicótico marcado pela carência ou redução drástica da consciência e da sensibilidade, uma histeria política sem qualquer solução, apresenta personagens cujos protagonismos são cativos do metabolismo capitalista, pois tangidos pelos interesses obscuros de forças econômicas e grupos monopólicos.

Obviamente, os impasses que assolam o campo geopolítico externo e os atores implicados na disputa interna pela Casa Branca ensejam o aviso de Lênin, inscrito em A falência da II Internacional, conforme o qual “não existe uma situação sem saída para a burguesia”. Mas ilustram o profundo impasse “por cima”, cujos ápices vão sucedendo-se na espiral de “novidades”: a intromissão aventureira na Ucrânia, o amparo cínico ao genocídio em Gaza, os seguidos atos provocativos à China, o atentado ainda obscuro ao postulante oposicionista, a substituição do presidente-recandidato, e assim por diante, materializando a eterna série das crises no establishment ou na crítica extremo-direitista.

Os dilemas e opções, falidos, espavoram os esquemas dos magnatas rachados em questões candentes, no coração do imperialismo. A tradição revive os piores momentos vividos pela democracia “perfeita” e “paradigmática”, um autoelogio repetido pelas mentes colonizadas. Mesmo com a vantagem sorrindo para o “Partido Republicano” e o favoritismo da opção “Democrata” esvaindo-se, a contenda segue aberta – ferida sangrando. Vale tudo; até o terrorismo compõe a cesta eleitoral. Ninguém aposta um tostão no day after, por medo não do acaso, mas da mão que os monopólios financeiros estenderão, preferentemente, ao fascista que ameaça voltar ou ao situacionista com cheiro de imprestável.

Se a continuidade ficar no posto ocupado pelo atual presidente, serão reafirmadas no plano internacional, como tais, as direções, metas e posturas belicistas que acompanham ou precedem a diplomacia missionária, disfarçando mal e cada vez menos a compulsão de, a qualquer preço, manter o espaço vital em retração e mesmo em franca perdição. Contudo, se o tonitruante oponente ocupar os andares “de cima” em Washington e cumprir suas juras de paz na Ucrânia, em nome do America First Again, será só antessala do respaldo incondicional – e bruto – ao Governo de Netanyahu e do foco na China, com a finalidade inverossímil de cindir o Brics e barrar o inimigo principal da velha hegemonia.

A contradição aqui também se derrama. Qualquer reserva de Biden significaria o remanso da ilusão, reforçando as formas “democráticas” de controlar e dominar, mas preservando buracos pelos quais, se necessário for, adentram os mecanismos e golpes autocráticos. Trump representaria o apoio direto à reação bolsonariana e aos seus capachos perenes, agora com fantasia verde-amarela. Eis por que, mesmo com certas considerações acerca de pontos e detalhes táticos – normais na situação complexa, experimentada pelo povo brasileiro –, seria inconsequente que o campo democrático e progressista se dividisse ou, mais ainda, nutrisse quimeras sobre o rumo do sufrágio acima do Rio Bravo.

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