A Proposta de Emenda Constitucional 39/2011, que ficou mais conhecida como a “PEC das Praias”, foi aprovada na Câmara Federal em 2022, no derradeiro ano do governo passado, por esmagadora maioria. O largo placar – 389 a 91 – contou com votos concedidos por alguns parlamentares do campo democrático e progressista, que hoje vêm procurando explicar-se. Recentemente, ao tornar-se pública sua tramitação no Senado, a proposição ganhou destaque na mídia, ficando assim no foco de uma disputa política relevante. Registre-se o apoio que lhe concede a extrema direita, comprovado sintomaticamente pela indicação de Flávio Bolsonaro, do PL-carioca, para o cargo-chave de relator.

Aliás, o fascista rejeitou a denúncia: ”O espaço público, que é a praia, vai continuar sendo de todos os brasileiros”. Tal resposta é repetida pelos patrocinadores ou defensores da iniciativa. Deve-se reconhecer que a privatização não consta, ipsi litteris, da redação. Todavia, é óbvio que a palavra – ou sua inexistência, como no caso em tela – jamais foi sinônimo de resultado e de finalidade. Um exemplo: em nenhum momento as leis brasileiras sustentam ou manifestam, explicitamente, a exploração capitalista; porém, ao normatizarem o controle sobre meios produtivos, processos laborais e mercadorias finais pela burguesia, garantem a extração de mais-valia, como efeito intrínseco e necessário.

No espectro político à esquerda, outro argumento aparece como justificação. Refere-se ao interesse, manifestado por alguns setores fixados no litoral, de regularizarem suas ocupações fundiárias, como as moradias em vilas ou bairros e as pequenas glebas. São foreiros, posseiros e ocupantes com vários estatutos, pobres ou remediados, que desejam converter fruições precárias em propriedades formais. Tal particularidade, apesar de se manifestar como pleito legítimo que precisa de preservação adequada, não deve sobrepor-se aos anseios igualmente populares vertidos nas dimensões gerais, como as garantias de segurança nacional, democratização no espaço público e amparo ecológico.

Refletindo a posição governamental, já houve uma nota emitida pela Marinha, em 3/6/2024, sobre os terrenos adjacentes a oceanos e baías, que os nomeia como ”pilares essenciais para a defesa da soberania nacional, o desenvolvimento econômico e a proteção do meio ambiente, tendo em vista a diversidade de ecossistemas, a importância das atividades econômicas relacionadas aos ambientes marinho e fluviolacustre, além da necessária proteção de 8,5 mil km de litoral”. O assunto, pois, além de uma dimensão estratégica, tem repercussão tática imediata, vez que desnuda o cunho entreguista e oligárquico da oposição, assim como desmascara certas falanges infiltradas nas Forças Armadas.

O tema central reside nos conflitos sociais. A redação pretende revogar, como esclarece, “o inciso VII do caput do art. 20 da Constituição Federal”. Portanto, quer aniquilar um essencial “bem da União”, isto é, “os terrenos de marinha e seus acrescidos”, que abarcam praias e ilhas, como ainda instituir o domínio privado sobre tal vastidão pública, segundo reza o Artigo 1º, em uma extemporânea e gigantesca manobra de acumulação primitiva em favor de “ocupantes”, incisos III e IV, e “cessionários”, V. A vantagem principal será de conglomerados que formam fazendas, condomínios e resorts debruçados sobre areias e rochas, sem vias públicas, impossibilitando na prática o acesso dos cidadãos.

Aos pequenos beneficiados sobrará o assédio pela especulação imobiliária e as pressões de autoridades cúmplices, que só farão intensificar o processo de gentrificação já em marcha nas orlas e grandes cidades. As populações locais pauperizadas – proletárias ou em camadas pequeno-burguesas “de baixo”, e os turistas com menor capacidade aquisitiva, serão forçados – pelo encarecimento nas condições de vida, pela valorização dos seus lotes, pelos impostos crescentes, pela segregação multilateral e não raro pela simples coerção – a descartar suas tradicionais, módicas e anteriores opções de moradia, lazer ou labor. A ideologia e as políticas ultraliberais demonstram sua face mais sombria.

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