Por Secretaria de Movimentos Populares do PRC—
Na última semana, o Vereda Popular publicou o texto “Abril vermelho: os 28 anos do massacre de Eldorado dos Carajás e a luta pela terra hoje”. O artigo discorre, entre outros assuntos, sobre o trágico 17 de abril de 1996, quando naquele município o sudeste do Pará, perpetrou-se um dos mais brutais crimes cometidos contra o movimento sem-terra pelo aparato estatal, diante violenta ação da Polícia Militar que – sob as ordens do Governo do estado para que desocupasse a qualquer custo a Rodovia PA 150 – abriu fogo contra centenas de trabalhadores rurais que ali protestavam quanto a situação dos assentamentos naquela região, resultando na morte de 19 lavradores no local e outros 70 feridos.
Prosseguindo na abordagem sobre o lamentável episódio, esta semana, o Vereda Popular apresenta o emocionante relato de um militante do Partido da Refundação Comunista (PRC), que atuando – à época – no Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), acompanhou in loco o acontecimento, poucas horas após o trágico desfecho. Por questão de segurança, o identificaremos apenas como camarada F.
O que vimos ao chegar em Eldorado dos Carajás depois daquele ataque covarde em 17 de abril de 1996, é uma imagem que, além de cravada na memória, está impregnada na alma! Uma mistura de tristeza e vontade de fazer justiça…Tivemos todos esses mesmos sentimentos. Logo ao chegar, eu e outros companheiros que tínhamos a tarefa de reconhecer os corpos, fomos alertados por populares e militantes do Movimento (MST), para nos cuidarmos, porque o clima ainda estava tenso e as forças policiais continuavam a agir para não deixar rastros. Como se fosse possível apagar as provas do massacre.
Lembro-me que, na época, vivíamos em permanente estado de fuga. Havia uma constante orquestração para a tentativa de criminalização dos movimentos pela Reforma Agrária, que era incentivada pelo próprio Governo FHC e seus ministros.
A primeira constatação foi de que a Polícia Militar, antes de qualquer perícia, fez uma verdadeira “faxina” na chamada “Curva do S”, limpando qualquer vestígio de que ali aconteceu um massacre – depois provado no processo – tentando dar ares de que fora um “conflito”.
Quando tivemos acesso ao local onde se encontravam os corpos, primeiramente, só encontramos os corpos alvejados por projéteis de armas de fogo. Dos 19 mortos, vimos 11, todos com marcas de tiros na cabeça e nuca. Dois com tiros na testa. Uma média de 4 tiros cada. Questionamos ao delegado e ele nos respondeu que havia mais corpos em outro cômodo por motivo de “falta de espaço “ e, imediatamente, pediu-nos para entregar todas as máquinas fotográficas que carregávamos, nos impedindo de fazer imagens.
Fomos ao outro cômodo e lá, cobertos com lençóis, se encontravam os 8 corpos que faltavam. Todos sem marcas de tiros e mortos com golpes de suas próprias ferramentas de trabalho, como foice, facão e machados. Um deles, o Oziel, estava com a cabeça esmagada e parcialmente dividida ao meio. Isso é um pouco do que vi naquele dia.
Ao sair do local, fomos ao hospital onde se encontravam mais de 70 feridos a bala. Lá constatamos que mais dois não resistiram aos ferimentos e faleceram. Depois, acompanhando os desdobramentos, por motivo do massacre, outras 6 pessoas morreram e duas perderam totalmente a visão, devido a projéteis alojados na cabeça.
São imagens que, além de não sair da lembrança, nos dão força para não desistir da luta pela Reforma Agrária! É a única forma de fazer justiça por esses e tantos outros que tombaram no caminho pelas balas do latifúndio assassino.