Na manhã da última terça-feira, dia 28, começou em São Paulo a greve dos metroviários, ferroviários, professores públicos e trabalhadores da Sabesp, além de outros setores do funcionalismo estadual. O movimento paredista objetiva defender o emprego e combater o processo de privatização comandado pelo governo da extrema-direita. O seu mote concreto é a iminente votação do projeto pelos deputados locais. Trata-se de um verdadeiro leilão entreguista, uma vez que procura vender a estratégica empresa de saneamento a conglomerados monopolista-financeiros particulares, cujos lobbies promovem os exclusivos interesses que são capazes de comprá-la e de articular tamanha negociata.
Como de praxe, a mídia ultraliberal cumpriu seu papel, com seu discurso avesso aos direitos sindicais. O Estado de S. Paulo estampou em 29/11/2023, página 3, a sua ira: “Uma greve perversa”. Já surge aqui uma incongruência: para o jornal da grande burguesia paulista e fiel à geopolítica do imperialismo estadunidense, toda e qualquer mobilização grevista seria por definição “perversa”, tornando imprópria, conforme tal concepção, a utilização do artigo indefinido. A frase-título deveria ser “A greve, perversa”. Simultaneamente, na primeira página, o diário tenta indispor as massas usuárias contra os trabalhadores conscientes, como se os que lutam por todos fossem culpados pelos “transtornos”.
Então, reedita-se, pela enésima vez, no mesmo editorial de agitação barata, o argumento mágico de que a paralisação tem “caráter político” e, assim, violaria os dispositivos constitucionais. As maiores autoridades responsáveis pela crise nos serviços afetados repetem semelhante chavão em cada entrevista e pronunciamento. Nesse ponto, deve-se reconhecer que o senhor Tarcísio tem plena razão: a greve, de fato, é política. Primeiro, porque fazer política é algo legal. Depois, caso não fosse – ou seja, proibida pelo aparato estatal, como em regimes ditatoriais –, ter-se-ia que modificar o regramento voltado para reprimi-la, pois o ato legítimo precisa cristalizar-se na forma de um diploma conquistado.
Reconhecer que a greve tem cunho político não equivale a taxá-la como “pauta” e artifício de um ou vários partidos e frentes. Significa dizer, para os desavisados e pescadores de águas turvas, que o proletariado e as suas entidades representativas, têm, além de um direito elementar, o dever de pleitear toda e qualquer reivindicação em favor de suas categorias ou ramos, inclusive – até principalmente – aquelas cuja consecução passa pela supressão, bloqueio, aperfeiçoamento e aprovação de normas congressuais, parlamentares ou executivas. O caso em foco é, simplesmente, a defesa dos empregos, patrimônios e serviços públicos, perante o pretenso “Estado Mínimo” e totalmente privatizado.
Se os magnatas e seus lacaios tentam colocar tamanho despropósito em lei – o que se deduz pelo viés repressor de suas palavras –, cabe-lhes o problema, não aos que se lhe opõem. Logo, é hora de lançar no lixo a demagogia e a desfaçatez. A Carta Magna de 1988 nunca baniu greve política. O Artigo 9º assevera competir “aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender”, sem ressalva de alcance ou conteúdo. Ademais, no § 1º, ao dizer que “A lei definirá os serviços e atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da sociedade”, reafirma implicitamente o preceito fundamental fixado no caput.
Caso queiram interpretar o texto legal conforme os seus desejos e propósitos mesquinhos, que o façam, mas sem jogar o peso de seus desatinos nas costas de quem produz as riquezas nacionais. Todavia, os substitutos por conta própria do STF incorrem não apenas em um erro hermenêutico. Querem também se tornar os donos da política, sugerindo que apenas os profissionais nos parlamentos e governos, além dos partidos institucionais, possuam o monopólio na discussão das relevantes questões brasileiras e condutas correspondentes. Para usar o conceito clássico do século XVIII, formulado pela burguesia republicana, sejam os exclusivos cidadãos. Eis o sonho da “elite” autoescolhida.
Para ser absolutamente preciso, é preciso dizer que há uma exceção. A imprensa conservadora e o governador bolsonarista ma non troppo fazem uma concessão às classes populares. Abrem-lhes a oportunidade obsequiosa de fazer política, mas só votando a cada biênio para depois retornar, ordeiramente, à sua faina diária, de casa para o trabalho e vice-versa, gerando mais valia ou pagando as passagens e demais serviços aos patrões, de preferência os donos privados. Claro está que vale a seguinte ressalva: enquanto a reação golpista não consegue consumar o projeto vencido nas eleições presidenciais e fracassado na janeirada. O mundo laboral rechaçou, exemplarmente, a bazófia oficial.
Por fim, merece repúdio a farsa de aludir que os votantes ofertaram um cheque em branco à hiperdireita, para proceder como quisesse. Ora, maiorias eventuais em nível estadual não eliminam os anseios dos principais atingidos, que por sinal preferiram o candidato adversário. Se o Palácio dos Bandeirantes não considera os moradores da Capital, como busca sabotar e atingir, na unidade federal mais desenvolvida, a plataforma do Governo Central, que igualmente foi consagrada pelo sufrágio em 2022? O contencioso tem uma solução democrática e sensata, como propõem os grevistas: um plebiscito, para que a população tome a decisão final com base no amplo debate. O que temem os “de cima”?